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Foto do escritorThallys Rodrigo

10 anos de 'Born This Way': um marco no pop e na comunidade LGBTQ+

Atualizado: 30 de mai. de 2023


“Eu sou bonita desse jeito / porque Deus não comete erros / estou no caminho certo, baby / porque eu nasci desse jeito”

Com essas palavras, ao receber o VMA de Vídeo do Ano na cerimônia de 2010 por ‘Bad Romance’, Lady Gaga anunciava ao mundo seu novo disco, o ‘Born This Way’ (“nasci desse jeito”, em português). Depois de todo o sucesso conquistado nas eras ‘The Fame’ e ‘The Fame Monster’, o mundo estava curioso para descobrir qual seria o próximo passo da estrela em ascensão. O novo projeto, desde seu nome, já prenunciava algo diferente, mas ainda seguindo o “jeito Gaga” de ser.


E em 23 de maio de 2011, há exatamente 10 anos, o resultado enfim foi apresentado ao mundo e, gostassem ou não dele, era impossível de se ignorar. Mesclando o já tradicional dance pop de Gaga com elementos do rock, o ‘Born This Way’ surgiu como um disco que bebia de milhões de referências, mas que se sustentava firmemente nas próprias pernas. Ou melhor, nas pernas de Gaga, que ao expor de forma tão visceral suas influências, vontades e sentimentos nas faixas, firmou o álbum como uma das maiores influências da cultura pop da década de 2010 e fortaleceu a artista como um ícone LGBTQ+ e seu trabalho como um símbolo de tolerância.


‘Born This Way’: hino LGBTQ+ moderno e ponto de partida da era


“Não importa se você é gay, hétero ou bi / lésbica, transexual / estou no caminho certo, querido / eu nasci para sobreviver”

Em uma mensagem nada sutil ou indireta, Lady Gaga tenta abraçar no single ‘Born This Way’ as pessoas que estão à margem da sociedade de forma geral, seja por questões financeiras, raciais ou de gênero/sexualidade. Em uma entrevista dada à Vogue na época do lançamento da música, Gaga demonstra sua vontade de ser um escape para as pessoas, possibilitando que elas possam ser elas mesmas, sem julgamentos e ódio de si mesmas. E talvez nenhuma música da carreira dela traduza tanto isso como ‘Born This Way’.


Segundo o The Atlantic, a música veio em um momento onde o idealismo era muito forte entre a geração milennial, que possibilitou o surgimento de um maior posicionamento político-social na música pop, como nos temas feministas empregados em canções de artistas como Ke$ha e Katy Perry. Os versos de ‘Born This Way’ serviram para amplificar e expressar de forma mais direta mensagens de semelhantes a de canções pop anteriores como ‘Beautiful’, de Christina Aguilera, e ‘Firework’, da já citada Katy. “Eu quero escrever meu hino de ‘é essa porra que eu sou’, mas não quero que isso fique escondido em metáforas e feitiçaria poética”, contou ela à Billboard sobre a canção. A sua vontade era fazer um verdadeiro “ataque” musical sobre o que queria falar, e ela conseguiu.


Mesmo que destinada a diversos grupos sociais, em uma vontade de promover igualdade de forma ampla, é para a comunidade LGBTQ+ que ‘Born This Way’ se tornou mais significativa. Sendo Gaga uma mulher bissexual que iniciou sua carreira no meio gay nova-iorquino, são bastante claras a sua proximidade com os LGBTQ+, que formam boa parte de sua fan-base, e também sua experiência com a marginalização que é imposta à mesma. O ímpeto em tornar sua obra um “espaço seguro” para as pessoas serem elas mesmas vem diretamente das experiências de bullying que a artista passou, seja num contexto LGBTQfóbico ou não.


Versos como “Não tem nada errado em amar quem você é / (...) porque Ele te fez perfeito (...)” e “Não esconda a si mesmo atrás de arrependimentos / apenas ame a si mesma e você estará bem” ressoam de forma singular com a vivência de quem existe além da heteronormatividade e cisgeneridade. Dessa forma, a música, assim como Gaga em pessoa, já virou um grande símbolo LGBTQ+, e chegou a provocar a ira de organizações religiosas na época, além da censura em países como a Malásia. É possível notar a grande influência da canção ao vê-la sendo usada em atos anti-homofobia ou saídas do armário” públicas.



A mensagem de igualdade e combate ao preconceito também se materializou no clipe oficial. No vídeo, Gaga abraça de forma literal seu título de “mãe monstro” e se coloca de forma concreta, como uma provedora de liberdade e igualdade através de sua arte. Ela representa uma rainha alienígena que “dá à luz” a uma raça nova, diferente, e representada de forma “extraterrestre”, como uma metáfora para pessoas que têm sua existência e dignidade escanteadas socialmente. Os “filhos” de Gaga, além de se aceitarem, aceitam o outro e usam, com orgulho, o apelido de “monstros”, assim como sua mãe, por se verem diferentes e se gostarem mesmo como tal. Essa visão fica clara no monólogo falado por Gaga no início do vídeo, intitulado “Manifesto da Mãe Monstro”:


“Este é o manifesto da Mãe Monstro

No T.A.P.G. - Território Alienígena Pertencente ao Governo, no espaço

Um nascimento de proporções magníficas e mágicas aconteceu

Mas o nascimento não foi finito

Foi infinito

Como os úteros numerados

E a mitose do futuro começou

Percebeu-se que esse momento infame da vida não é temporal.

É eterno

E assim começou o início da nova raça

Uma raça dentro da raça da humanidade

Uma raça sem preconceitos

Sem julgamento

Mas com liberdade sem limites

Mas naquele mesmo dia

Enquanto a mãe eterna pairava no multiverso

Outro nascimento mais assustador aconteceu

O nascimento do mal

E quando ela dividiu a si mesma em duas

Girando em agonia entre duas forças últimas

O pêndulo de escolha começou sua dança

Parece fácil, você imagina

Gravitar instantaneamente e sem vacilar em direção ao bem

Mas ela se perguntou

‘Como posso proteger algo tão perfeito sem o mal?’”


Depois das várias comparações da música à ‘Express Yourself’ de Madonna, foi possível fazer outras associações em relação ao clipe, que traz como inspiração tanto a obra da Rainha do Pop e de Michael Jackson como o filme ‘Metropolis’, referências do cristianismo e a arte de Salvador Dalí. O objetivo da canção é repassado, de forma óbvia, além da história geral do clipe, pelo uso de símbolos como o triângulo rosa, usado nos campos de concentração para identificar homossexuais durante a II Guerra Mundial e ressignificado como um símbolo de resistência LGBTQ+ posteriormente.


(Trechos do clipe de 'Born This Way', de Lady Gaga: é nítida a utilização de símbolos LGBTQ+ como o arco-íris e o triângulo rosa)


A produção irresistível da canção também foi suficiente para firmá-la como um dos grandes hits pop da década que, ainda hoje, não soa datado. Além da consolidação como hino da comunidade queer, houve ainda o sucesso comercial, com seis semanas em #1 na Billboard Hot 100 e a vitória do clipe na categoria “Melhor Vídeo com uma Mensagem Social” no MTV VMA de 2011.


Um álbum diverso, honesto e para todos


O ‘Born This Way’ não chega a ser um concept album, que trata de apenas uma narrativa. É uma obra que aborda diferentes temas de diversas formas musicais, alguns de forma mais pessoal, outros menos, o que faz surgir discussões sobre o álbum ser coeso ou não. A verdade é que, mesmo tratando dessa pluralidade sonora e temética, eles são abordados sob a sensibilidade de Gaga, que no álbum, utiliza as várias referências, seja do pop oitentista ou do rock do Queen e Bruce Springsteen, para expor, com muita honestidade, o que acredita. E ela acredita bastante em muitas coisas.


(Singles da era 'Born This Way' da cantora - variedade de temas e sons)


Uma delas é a já tão citada inclusão. Na faixa ‘Bad Kids’, a cantora fala sobre como está disposta a se aceitar e a aceitar os outros, mesmo com suas diferenças e defeitos. “Não fique inseguro se seu coração é puro / você continua sendo bom para mim se você é uma criança ruim”, diz ela na canção. É uma afirmação aparentemente contraditória, mas que demonstra a visão de Gaga de que ser mal-visto por terceiros ou ter um comportamento imperfeito não torna as pessoas indignas de afeto e compreensão.



“Eu grito, ‘mamãe e papai, por que não posso ser quem eu quero ser?’”, canta ela em ‘Hair’, em uma evidência de sua vontade de desafiar convenções sociais e artísticas em prol da expressão livre do “eu”. Esses elementos são bastante familiares com o contexto da vida dos LGBTQ+, assim como a faixa título do álbum, por conta dos entraves encontrados até mesmo dentro da própria família em relação a “ser quem realmente se é”.


O tema é apresentado de forma direta também em ‘Americano’, que com influências musicais e temáticas mexicanas, faz críticas tanto à oposição ao casamento gay nos EUA quanto ao modo como os imigrantes latinos são tradados no país. Mais uma crença forte de Gaga é nos Estados Unidos da América como um lugar que pode e deve ser uma terra de oportunidades, direitos e sonhos, seja para cidadãos americanos dentro do “padrão”, ou não. “Ela é só uma americana, pilotando um sonho”, diz a cantora na letra de ‘Highway Unicorn (Road To Love)’, ansiando por um sonho americano que não seja apenas branco, masculino e hétero.


Também parece evidente a vontade de reconciliar a liberdade emocional, sexual e cultural pregada pela artista com os “poderes celestiais”. O álbum é repleto de referências ao cristianismo, em especial nas faixas ‘Judas’ e ‘Bloody Mary’, que parecem fazer metáforas interessantes entre os personagens da Bíblia e a falibilidade humana. Nessas e em outras, como ‘Born This Way’ e ‘Yoü and I’, Gaga sempre se mostra temente ao Deus cristão, e por outro lado, mostra o apreço que ela acredita que ele tenha por ela e outros seres, independente de como eles sejam.


O álbum trata, assim, de temas universais, como bem e mal, a moralidade humana (ou da falta dela), mas sem buscar um grande e profundo debate teológico. O grande objetivo parece ser mostrar que Gaga, Jesus, Deus e até mesmo muitas pessoas de carne e osso (e sem vestido de carne) vêem além dos preconceitos e etiquetas “mundanas”. “Só há 3 homens aos quais vou servir a minha vida toda: meu pai, ‘Nebraska’ e Jesus Cristo”, afirma a cantora em ‘Yoü and I’.


Como ela orienta aos fãs e ao mundo, através das músicas, Gaga também expressa no álbum a fé que tem em si mesma e no futuro, seja como artista ou como pessoa. Ela celebra aquilo que faz ela ser quem é de várias formas, como o seu idealismo em ‘Highway Unicorn (Road To Love)’; o apreço pela sua vida em Nova York em ‘Heavy Metal Lover’; a revolta com os homens que a diminuem e tentam controlá-la em ‘Scheibe’; ou simplesmente a vontade de ser bem safada e fazer sessão de hipnose com a raba, como em ‘Government Hooker’.


10 anos e muitas coisas para celebrar


Hoje, é possível ver muitos depoimentos de jovens LGBTQ+ que tiveram sua vida e autoestima mudadas positivamente pelo ‘Born This Way’. É o que revela o estudante Gabriel Martins, que reconhece a contribuição do álbum para o fortalecimento da sua autoestima enquanto LGBTQ+ e como pessoa, de forma geral:


"O ‘Born This Way ajudou a me autocontemplar. A letra do primeiro single fala que Deus não comete erros e o ambiente religioso de onde eu vim pregava justamente o contrário, que quem eu era tinha um caráter antinatural e opcional", comenta. "Quando eu finalmente entendi a mensagem de 'Born This Way' foi tipo... agora eu sei quem eu sou e não tem nada de errado nisso. Até hoje, quando ouço o álbum, eu tenho uma epifania, um estalo diferente em relação a várias coisas, não só sobre sexualidade mas em relação a outras questões, como minha identidade e o rumo que eu tento levar pra minha vida. Tomo o álbum pra mim como um cântico de guerra.

Nas redes sociais, é possível ver milhares de declarações semelhantes em relação ao disco. Ainda que fosse um álbum ruim tecnicamente, como dizem alguns internautas, só esse resultado já valeria a pena e demonstraria que Gaga, afinal, conquistou em muitos casos o seu objetivo: expor aquilo que estava em seu peito e convidar o mundo, em especial os LGBTQ+, a fazerem o mesmo e se sentirem à vontade para isso. Com riffs de guitarra, sintetizadores e chifres de maquiagem, Lady Gaga conseguiu o que queria no clipe da faixa-título: pariu uma obra de arte memorável e uma geração muito mais disposta a amar a si mesma.



Ouça o 'Born This Way':




 

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