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A homofobia tem nome, escudo e cântico: a repressão a pautas LGBTQI+ no futebol

Atualizado: 10 de mai.

*Atenção: esse texto pode ser sensível para algumas pessoas. Alerta gatilho para suicídio, violência e homofobia. Caso precise de ajuda, por favor, ligue para 188 e fale com o CVV (Centro de Valorização da Vida).


German Cano, do Vasco, heterossexual, comemorou gol contra o Brusque levantando a bandeira LGBTQI+ em 2021. Foi penalizado com um cartão amarelo por retirar a bandeira do escanteio | Foto: Rafael Ribeiro/Vasco

O futebol moderno nasceu na Inglaterra no século XIX, e não demorou para que a popularidade do esporte crescesse de maneira estrondosa. Desde então, alguns assuntos foram debatidos e outros escanteados propositalmente, tanto por quem joga, quanto por quem torce.


É comum o pensamento de que os atletas não tem uma visão crítica do mundo e que não falam sobre as problemática sociais por não ter contato direto com elas, como a homofobia. Mas a maioria esquece de refletir o papel da estrutura machista, homofóbica e misógina do futebol na vida dos jogadores.



A história de jogadores que pertencem a comunidade LBGBTQI+ no futebol é repleta de eventos trágicos. Justin Fashanu, jogador inglês, é um desses exemplos desastrosos. Ainda atuando, em 1990, ele assumiu gay em uma entrevista ao The Sun. A repercussão foi muito negativa e desencadeou uma série de violências contra ele.


Justin Fashanu | Foto: Reprodução

Em 1998, foi acusado de abusar de um jovem de 17 anos. Interrogado pela polícia, ele chegou a fugir com medo. Após investigações, nada foi provado contra o atleta. Justin cometeu suicídio no dia 03 de maio daquele ano e, em carta, afirmou que ser gay é algo muito difícil.


"Me dei conta de que eu havia sido condenado. Não quero mais ser uma vergonha para meus amigos e minha família. Ser gay e uma personalidade é muito difícil, mas não posso reclamar disso. Queria dizer que não agredi sexualmente o jovem. Ele teve sexo consensual comigo, no dia seguinte, me pediu dinheiro. Quando eu recusei, ele falou 'espere e você vai ver só'. Se esse é o caso, eu ouço vocês dizerem, por que eu fugi? Bom, a justiça nem sempre é justa. Senti que não teria um julgamento justo por conta da minha homossexualidade. Espero que Jesus me dê boas vindas e que finalmente eu encontre a paz" – Justin Fashanu

As vítimas dos primitivos no futebol


Richarlyson | Foto: Reprodução

No dia 24 de junho, o ex-jogador Richarlyson concedeu uma entrevista reveladora para o podcast “Nos Armários dos Vestiários”, do GE.


Ele se assumiu bissexual. Para quem não sabe, o atleta sofreu durante toda a carreira com xingamentos da torcida em relação a sua sexualidade.


“Eu acho que é desnecessário às vezes você se rotular. Tem uma questão mais importante, tem gente morrendo, o Brasil é o país que mais mata homossexuais. [...] Eu não queria ser pautado por causa da minha sexualidade, de eu ser bissexual. Eu queria que as pessoas me vissem como espelho por tudo aquilo que conquistei dentro do meu trabalho” – Richarlyson

Como o próprio gosta de ressaltar, é importante lembrar o quanto ele foi um atleta exemplar pelos clubes que passou, fora os títulos que conquistou. Com o São Paulo: Mundial de Clubes (2005) e três Campeonatos Brasileiros (2006, 2007 e 2008). No Atlético Mineiro: Libertadores em um time extremamente competitivo em 2013. Além dos prêmios individuais.



Mas o que mais chamava a atenção da torcida era a sua sexualidade. Richarlyson sempre evitou falar sobre o assunto, mesmo sofrendo com os xingamentos. O atleta era achincalhado pelas arquibancadas em qualquer situação.


Em 2011, quando o Palmeiras demonstrou interesse em contratar Richarlyson a torcida organizada, Mancha Alviverde, protestou no portal da Academia de Futebol. Eles carregaram uma faixa com os dizeres: "A homofobia veste verde".


Outras torcidas organizadas divulgaram manifestos contra a contratação do atleta por motivos completamente homofóbicos: "Ricky é muito afeminado e jogou por muito tempo no inimigo".



O podcast também trouxe uma entrevista com Igor Benevenuto, que se assumiu gay. Ele se tornou o primeiro árbitro da Fifa a “sair do armário”. Ele desabafou sobre a infância difícil quando sonhava em ser jogador e contou que precisou criar um personagem.


“Para sobreviver na rodinha de moleques que viviam no terrão jogando bola, montei um personagem, uma versão engessada de mim. Futebol era coisa de 'homem', e desde cedo eu já sabia que era gay. Não havia lugar mais perfeito para esconder a minha sexualidade. Mas jogar não era uma opção duradoura, então fui para o único caminho possível: me tornei árbitro” – Igor Benevuto

Igor toca em um ponto que qualquer pessoa que tenha o mínimo de consciência sabe: há muitas pessoas da comunidade LGBT no mundo do futebol. Os motivos para que elas continuem se escondendo são inúmeros e todos passam pelo caminho torturante da violência.



Engana-se quem acredita que apenas a torcida pressiona os jogadores a reprimir ainda mais a sexualidade. Presidentes, diretores, técnicos, os próprios jogadores, todos fazem parte da mesma estrutura homofóbica.


Para os ignorantes, a partir do momento que o atleta se assume como parte da comunidade ele perde todo o talento, força, garra e qualquer outra característica “nata” de um hétero que abraça a masculinidade tóxica. Como consequência dessa descriminação, a maioria dos atletas só se assumem quando estão no fim da carreira – ou até depois dela.


O medo de ser agredido dentro e fora de campo, pelos companheiros e adversários, e de todas as formas imagináveis, vai minando ainda mais a possibilidade dos atletas se verem livres das amarras.



Até quando o silêncio dos clubes?


Outra instituição que colabora para a homofobia no futebol é o próprio clube de cada time, que evita falar realmente sobre o assunto. Campanhas pontuais em datas comemorativas não são o suficiente para se debater um tema considerado tabu.


A falta de um ambiente inclusivo e de respeito para os atletas, e entre os próprios, mostra que o debate social no meio não vem avançando ao longo dos anos. Enquanto todos envolvidos fingirem que não há jogadores LGBTQI+ nos vestiários ou na direção de um clube, o futebol vai continuar sendo um pilar de violência para a comunidade.


É importante destacar que a fundação das torcidas LGBTQI+ em alguns times brasileiros é um grande avanço. Mas ainda há um temor em relação a outras organizadas e torcedores comuns.


Uma das mais antigas torcidas brasileiras é a Coligay, do Grêmio, criada na década de 1970. Em pleno regime militar, os torcedores iam prestigiar o time e sofria com torcedores conservadores. A organização chegou ao fim dois anos depois.


Pequenos grupos ainda se reúnem por quase todos os estádios brasileiros para torcer pelo time do coração. Mas infelizmente sem nenhum tipo de segurança que garanta a plena liberdade.


Apesar da imensa coragem de Justin, Richarlyson, Igor, Jake Daniels e outros trabalhadores do futebol em falar abertamente sobre a sexualidade, o mundo real retrocede a cada dia.


Enquanto os clubes, torcidas e jogadores empurrarem os atletas para dentro do armário, o futebol vai continuar sendo sinônimo de violência e repressão para a comunidade.

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