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"A Paixão Segundo G.H." faz retrato intimista e valoriza texto de Clarice Lispector

O filme estrelado por Maria Fernanda Cândido faz uma boa adaptação de um clássico da escritora



"Minha voz é o modo como vou buscar a realidade; a realidade, antes de minha linguagem, existe como um pensamento que não se pensa, mas por fatalidade fui e sou impelida a precisar saber o que o pensamento pensa." - Clarice Lispector, no livro.


Uma grande imersão existencial e reflexiva sobre a vida e a si próprio. Esta frase resume quase nada do filme A Paixão Segundo G.H, longa baseado na grande obra da escritora Clarice Lispector. Diferente do esperado, a produção opta por uma adaptação do texto, e não necessariamente da história que é narrada.


A Paixão Segundo G.H é o novo filme do diretor Luiz Fernando Carvalho, que retorna às telonas após um hiato de 20 anos, mas com muitos trabalhos consagrados na televisão, como em 'Capitu', 'Dois Irmãos', e 'Meu Pedacinho de Chão'. O longa é estrelado por Maria Fernanda Cândido, e com raras aparições da atriz Samira Nancassa.



A sinopse é a mesma do livro consagrado de Clarice. G.H é uma escultora da elite carioca, que após demissão da empregada, decide arrumar o apartamento. Ela se depara com o quarto antes ocupado pela trabalhadora e entre reflexões sobre organização, encontra uma barata. A partir de então, ela reflete sobre o mundo, a sociedade e até sobre a própria identidade.


"A perda de tudo o que se possa perder e, ainda assim, ser [...]"


Por ser um livro clássico de Clarice, automaticamente há uma expectativa até um pouco exagerada por parte dos fãs, sobre como será feita a adaptação. O fato de ser protagonizado por Maria Fernanda e ter a direção de Luiz Fernando, gera ainda mais efusividade entre os cinéfilos. Porém, tudo isso pode ser quebrado nos primeiros minutos do filme.


De fato, o longa é um grande monólogo e com narração em off da própria atriz, que emociona ao declamar páginas e mais páginas do texto. Mas isso não significa que o filme é ruim.



Adaptar uma obra tão densa e existencialista de Clarice é um grande desafio. Optar pelo caminho mais "simples", de pegar a obra, escalar grandes nomes e tentar encenar a partir de um trabalho tão imersivo e reflexivo, poderia descaracterizar o texto da escritora. 


A direção quis inovar de alguma forma, pelo menos para quem vai na expectativa de ver uma história linear e comum com princípio e fim delimitados a cada capítulo do livro. Esta ousadia não só permeia a qualidade do longa, como também atiça a curiosidade de quem assiste para saber o que vai acontecer na próxima cena.


"Por te falar eu te assustarei e te perderei? Mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia"


Um dos problemas do filme não é necessariamente por ser longo, são 2 horas, mas sim porque o formato faz com que ele fique monótono e até cansativo. Por ser basicamente um monólogo, e por ter muitas cenas narradas, em um momento você se percebe inquieto na cadeira do cinema, na espera de um momento de clímax, o que não acontece necessariamente no momento que é aguardado. 


Mas apesar disso, o filme é muito bem dirigido, com muita delicadeza e reflexão na medida correta. A trilha sonora, com muitos instrumentais dão um tom mais dramático, além da belíssima fotografia. A atuação de Maria Fernanda Cândido é esplendorosa, sensível e muito emocionante. Além das cenas em que ela está presente, a narração também é muito bem interpretada. 



O filme propõe ao telespectador que ele enxergue na Maria Fernanda, a personagem, G.H, mas também a Clarice. E esta sensação permeia todo o longa: em alguns momentos você se conecta na narração a tão ponto que pode confundir e achar que na verdade é a escritora que lê todo o texto. O que eu não enxergo como algo negativo.


Por fim, o filme A Paixão Segundo G.H traz a sensação de que você também está refletindo como a personagem, e se afundando nas inseguranças, reflexões e ideias tortas da escultora sobre a vida e sobre si mesma. A vontade ao sair da sala é entrar em uma livraria e ler todas as obras de Clarice para enlouquecer com este intimismo profundo.


Caso queira dois conselhos: o primeiro é que opte por assistir no cinema, a experiência vai ser ainda mais imersiva e positiva. A segunda é que evite assistir enquanto come, pode causar um pouco de enojo. 


Nota: 3/5


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