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Foto do escritorRayane Domingos

A resistência vem através dos palcos

O teatro é uma das manifestações artísticas mais antigas do mundo. Com o início datado na Grécia Antiga, a civilização edificou essa arte como uma das mais significativas e importantes expressões culturais do seu povo. Todo esse legado teatral sobreviveram a séculos de mudanças, e até hoje o teatro carrega a essência cunhada pelos gregos. Ao mesmo tempo, a cena teatral tem sido mais desvalorizada ao passar dos anos, seja pelo público ou pela falta de incentivos financeiros e estruturais que sucateiam os palcos por todo o país.


O começo de tudo


O teatro no Brasil chegou através do Padre José de Anchieta, no século XVI, que utilizava a encenação como método para catequizar os indígenas na época da colonização portuguesa. O fato do Padre utilizar esse recurso para doutrinar as tribos a aprenderem uma nova língua, além de pregar o cristianismo de maneira agressiva, só demonstra o quanto a arte foi uma arma de colonização importante para os invasores. Com a fuga de D. João VI de Portugal para o Brasil, em 1807, o Rei resolveu trazer artistas das diversas áreas para entreter a realeza durante a estadia no país. Inclusive, assinou um decreto para estabelecer construções de teatros na então capital, o Rio de Janeiro, e foi assim que se edificou o Teatro Real de São João, em 1813. As apresentações não se limitavam a apenas peças teatrais, mas também a concertos de músicas eruditas, uma preferência de D. João VI.


João Caetano foi um importante ator durante os anos de 1830 nos palcos brasileiros. Sendo muito solicitado pelos dramaturgos da época, ele montou sua companhia de teatro e interpretou diversas vezes as peças de William Shakespeare, como Hamlet em 1835. Durante a reconstrução do Teatro Real de São João, após diversos incêndios, o espaço foi batizado em sua homenagem, em 1930, quando também ocorreu a inauguração de uma estátua em sua homenagem, que se encontra em frente ao que chamamos hoje de Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro.


No século XIX, Gonçalves Magalhães foi um importante dramaturgo, com diversas peças, que contavam com a presença de Caetano e fizeram bastante sucesso na época. ‘’Antônio José ou O Poeta e a Inquisição’’ foi a primeira peça do gênero tragédia escrita por Gonçalves e encenada em 1838. Ainda no século XIX surgiu o gênero teatral comédia dos costumes, baseado em humor e sátiras que retratavam a sociedade da época. O mais importante dramaturgo da época foi Martins Pena, que ficou mais reconhecido após a encenação de ‘’O Juiz de Paz na Roça’’, em 1838.




Assim como a literatura e as artes plásticas, o teatro também acompanha os movimentos artísticos da época. E com o surgimento do realismo, fica em evidência a temática de se sobrepor à burguesia, mostrando as incoerências políticas e econômicas com caráter crítico, e retratando as desigualdades sociais já existentes, sobretudo com as consequências da Lei Áurea. Nesse período, vários artistas se destacaram utilizando essa narrativa com destaque para Machado de Assis com a peça ‘’Quase Ministro’’ e José de Alencar com ‘’O Demônio Familiar’’.


Reconhecimento da arte no país


Já o teatro moderno no Brasil foi consolidado a partir do século XX com a encenação de ‘’O Vestido de Noiva’’, em 1943, de Nelson Rodrigues. As Companhias Teatrais também surgiram nessa década e se multiplicaram ao longo dos anos em vários estados do país. Teatro de Arena, Teatro do Estudante do Brasil, Teatro de Comédia e Teatro dos Sete foram alguns dos inúmeros grupos que se reuniram e revolucionaram a forma de se produzir e atuar nos palcos, sobretudo com peças com críticas sociais importantes e de oposição política.


Com o período da Ditadura Civil-Militar instaurado no país, todo movimento artístico, seja teatro ou cinema, foi rechaçado pelos militares que enxergavam a arte como uma arma poderosa de libertação e união popular. Diversos ataques foram proferidos dentro e fora dos palcos, o exemplo mais lembrado é pela encenação de Roda Viva, de Chico Buarque, em 1968, que pessoas ligadas ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiram o Teatro Ruth Escobar e agrediram os artistas e quebraram o cenário. A violência era um pilar base do regime, que não tolerava críticas e até mesmo a liberdade artística dos dramaturgos. Esses que sofriam com o boicote as peças também por parte do público que concordava com os militares, ou tinha medo de ser preso e torturado nos porões do DOI-CODI após prestigiar alguma obra.



Logo após a retomada de direitos civis, a abertura política no país fez abrir o leque de gêneros e dramaturgos que inauguraram o teatro contemporâneo no Brasil. Celso Nunes com a peça ‘’Patética’’, em 1981, contava sobre a morte do jornalista Vladmir Herzog, a qual foi proibida por sete anos. As companhias ainda eram presença marcante nos palcos e novos métodos teatrais iam sendo utilizados, como o Teatro do Oprimido com Augusto Boal, que tinha como objetivo democratizar os meios de produção teatral e integrar pessoas menos favorecidas nesses espaços. As peças de comédia e musicais se tornaram muito comuns de serem encenadas, sobretudo porque muitas exibições internacionais se apresentaram no país.


Lei Aldir Blanc


Ao longo dos anos, se observou como os incentivos fiscais são essenciais para apoiar as artes no país, seja com a Lei de Incentivo à Cultura, a antiga Lei Rouanet, ou com a Lei Aldir Blanc, que busca auxiliar artistas que sofreram com a pandemia do novo Coronavírus. O decreto prevê pagamento de três parcelas de R$ 600 reais aos trabalhadores dos setores culturais e também para os espaços artísticos, micro e pequenas empresas culturais, como escolas de dança, teatros e circos. Esses lugares precisam utilizar o dinheiro para realizar atividades aos alunos ou a comunidade, e logo após prestar contas ao Governo Federal quando for determinado a reabertura das atividades. Esse direito foi oferecido tardiamente, após diversas manifestações de artistas para sancionar a Lei que ainda estava em trâmite na Câmara dos Deputados, sem apoio efetivo do governo para agilizar os processos. Inclusive, o nome cunhado foi em homenagem ao cantor e compositor Aldir Blanc que morreu em 2020, se tornando mais uma vítima da pandemia.


Quem vive de teatro no Brasil sabe dos altos e baixos que os palcos proporcionam. Não só os artistas, como também as pessoas que produzem e montam compreendem a dificuldade que vem se tornando latente. A desvalorização não é recente nem mesmo repentina, e o que se pode observar é quanto o conservadorismo brasileiro junto a falta de reconhecimento do público estão minando, aos poucos, o teatro no Brasil. Prova desse retrocesso que vem sendo implementado no país foi o cancelamento da peça ‘’O Evangelho Segundo Jesus, a Rainha do Céu’’ em Pernambuco, no ano de 2018, durante a Mostra de Teatro Alternativa do Festival de Inverno de Garanhuns. O boicote ocorreu porque a atriz principal, Renata Carvalho, interpretaria Jesus como uma travesti. O Governo de Pernambuco lançou nota explicando que a polêmica provocou prejuízos financeiros ao evento, e por isso, a peça foi cancelada.


Viver de arte no Brasil é estar eternamente na corda bamba, com problemas que surgem para cair de um lado e o público que puxa do outro, fazendo os artistas estarem em estado de alerta por todo tempo. Subverter e entreter são motivações que ainda fazem os teatros estarem de cortinas abertas na espera de contar mais uma história.


 

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