A superexposição das celebridades: quando o interesse pela vida pessoal ultrapassa o artista
Atualizado: 30 de mai. de 2023
O somatório de fatores que leva ao esgotamento de imagem na cultura midiática digital e as consequências do colapso mental das personalidades públicas
Por Bianca Dias, Gabriela Andrade e Maria Clara Batista
“Sou a Senhorita Sonho Americano, desde os 17 anos. Não importa se eu tentei aparecer ou fugir para as Filipinas. Eles ainda vão colocar fotos da minha bunda na revista. Você quer um pedaço de mim?”. É com essa fala que Britney Spears, cantora pop mundialmente conhecida, começa sua música “Piece Of Me”, um relato sobre como é a vida de quem está na frente dos holofotes desde jovem - sendo assim, uma descrição da sua própria trajetória. A fama, status social cobiçado por alguns, e todas as regalias que a acompanham, podem funcionar como algo agridoce para boa parte das pessoas que alcançam o estrelato. Seja perseguidos por paparazzi ou tendo que lidar com a validação do público em todos os aspectos de suas vidas, as celebridades são vítimas das consequências negativas da chamada superexposição.
O poder da mídia desempenha um papel importante nessa problemática, pois ao mesmo tempo em que ela eleva a imagem dos famosos e apresenta para a sociedade o trabalho deles, pode destruir, assediar e intimidar através de fotos e manchetes. Britney Spears e MC Melody são exemplos daqueles que, de alguma forma, tiveram suas vidas interferidas devido à exposição excessiva desde muito novas.
A sexualização da indústria
Tanto a cantora norte-americana Britney Spears, a ‘princesinha do pop’, como a brasileira MC Melody, natural de São Paulo, alcançaram o estrelato ainda na infância. Apesar da fama de ambas ocorrer em proporções diferentes, a superexposição afetou de forma negativa suas vidas. Aos 10 anos, Britney saiu da sua pequena cidade natal, Louisiana, para Nova York, com o intuito de investir na carreira musical. Aos 16 anos, estourou nas paradas mundiais com o clipe de 'Baby one more time', acontecimento que marcou o início da dicotomia entre ser uma adolescente, ao mesmo tempo em que sua imagem era vendida pela indústria midiática como um símbolo sexual.
Já Gabriella Abreu Severino, conhecida como MC Melody, começou a ter sua imagem hiperssexualizada aos 11 anos, através de postagens e vídeos em que a artista aparece com maquiagem carregada, cabelos tingidos, poses e roupas sensuais. Fato esse que em 2019, a conta da cantora no Instagram, que era administrado pelo seu pai, Thiago Alves (o MC Belinho) foi retirada do ar. De acordo com o portal F5, após uma série de denúncias, o Ministério Público iniciou uma investigação sobre "as condições do núcleo familiar da MC Melody".
Sobre o estrelato precoce, Thiago Soares, pesquisador de cultura pop e professor da Universidade Federal de Pernambuco, destaca que a celebrização infantil ficou mais intensificada diante do crescimento das redes sociais digitais:
“Hoje, com o Instagram, Twitter e agora o TikTok, as crianças, muitas vezes com a tutela dos pais, acabam sendo bastante motivadas a fazerem perfis e a trabalharem. Atualmente existe uma rede muito grande de influenciadores mirins digitais que passa por uma monetização e, muitas vezes, por um conjunto de comodificação da infância, para que esse sujeito entre nessa esfera midiática” - Thiago Soares
A fama de MC Melody é fruto desse fenômeno, uma vez que ficou conhecida aos 8 anos através de suas contas nas redes sociais, alimentadas por comentários críticos dos seus seguidores, mas que alavancaram sua carreira. Já o caso de Britney Spears é diferente. O professor ressalta que, com a artista americana, a superexposição ocorreu nas chamadas mídias tradicionais, na esfera do campo da televisão, com sua carreira no programa o Clube do Mickey, que migrou para a música, culminando em um estrelato repleto de problemas, sobretudo na questão familiar e em relação a sua saúde mental.
Preocupação com a saúde mental
A lista de consequências no psicológico das duas artistas ao lidar com a imposição midiática, é longa. Sobre isso, Bruno Nascimento, professor de Psiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco, afirma que um dos efeitos mais notórios do sucesso profissional precoce é o amadurecimento afetivo simultâneo desbalanceado.
“Não se cumprem etapas gradativas de assimilação de mudanças por vezes radical de vida. O prejuízo na vida afetiva, mental como um todo, é a regra. Embora nem o mais saudável mentalmente esteja completamente isento de perturbar-se, de mostrar-se vulnerável, visto que a angústia, o sofrimento, os aperreios da vida, nos constituem, são parte significativa de nós” - Bruno Nascimento
Traçando um paralelo entre o tipo de abordagem feita pela imprensa brasileira e a norte-americana em relação aos famosos, Patrícia Paixão, ex-presidente da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (Sinjope), ressalta que em toda mídia, seja ela de qual país for, sempre existe a chamada imprensa de fofoca, aquela mídia que cultua as personalidades públicas. “Acredito que com a as redes digitais, a própria exposição dessas celebridades é repercutida nas mídias de várias maneiras. Tanto em programas de entretenimento como em telejornais”.
Um exemplo perfeito de como especificamente a mídia composta por jornais popularescos e revistas que vivem da divulgação, dos passos, rotina, das polêmicas e das dores das celebridades, foi a publicação feita em 2009 por Britney Spears em seu próprio site. A cantora tornou pública uma lista de 75 notícias "ridículas ou falsas" publicadas sobre ela durante o ano. Entre elas, há relatos de que a artista teria sofrido uma crise nervosa durante uma viagem pela Austrália, se relacionado com um produtor cinematográfico indiano e filmado um vídeo no qual mostrava o seio.
O que a mídia acha atraente
A respeito da imbricação existente entre jornalismo e entretenimento no Brasil, Patrícia Paixão destaca que esse misto de pautas, por vezes, confunde o público e não condiz com a proposta de agendamento de grandes veículos de comunicação:
“Lembro quando Renato Aragão fez oitenta anos, houve no Jornal Nacional uma cobertura especial sobre o aniversário dele. Isso é notícia? É relevante para passar no horário nobre? Não. Mas foi vinculado porque Renato Aragão sempre foi o puxador de audiência para a emissora nos fins de semana, com programas de humor durante algumas décadas” - Patrícia Paixão
Com o avanço da forma de comunicação, o caminho para se pautar assuntos relevantes se inverteu. Muitas vezes, as mídias sociais passam a ditar o agendamento do que deve ser vinculado na imprensa: “Hoje há uma expansão, essa convergência midiática acaba eliminando mais as arestas e os limites entre mídias digitais e mídias tradicionais. O que eu acho importante pontuar é que independentemente de celebridades terem milhares de seguidores, muitas curtidas, compartilhamentos nas suas redes sociais, a mídia tradicional deveria se pautar pela ética, pela função social do jornalismo, e não pelo sensacionalismo, nem engajamentos”, destacou Patrícia Paixão; que também ressalta o fato de o direito à liberdade de expressão e de imprensa possuírem limites que a mídia deve seguir e tomar como base.
Thiago Soares pontua que acha prematuro e arriscado culpar exclusivamente a mídia pelo colapso mental que Britney enfrentou no ano de 2007. Para ele, a mídia é um fator agravante para a saúde mental, uma vez que as cobranças constituídas por ela podem agravar fortemente um quadro de instabilidade emocional, mas não o único fator determinante.
“Os processos de celebrização afetaram muita gente nos anos 90, trouxe uma série de pessoas que também viraram pessoas célebres e que não tiveram um colapso. Sabemos que o processo de celebrização intensifica questões de medo, pânico e cobranças que podem agir fortemente na saúde mental das pessoas. No caso dela (Britney), existe uma série de suposições que podem ter influenciado o colapso e a gente não sabe. Obviamente não conhecemos toda a dinâmica da vida de uma pessoa célebre” - Thiago Soares
Quanto à possibilidade de prevenção dos famosos para que a saúde mental seja mantida em meio a superexposição midiática, Bruno Nascimento não é tão otimista. Para o professor, desejar fama, experimentar fama, são por si só, ansiogênicos. “Na saúde mental, não há, ao contrário do que dizem muitos, prevenção primária, ou seja, medidas que, uma vez tomadas, asseguram uma plenitude mental. Viver é muito perigoso, dizia Guimarães Rosa”.
Atualmente, Britney Spears enfrenta um conturbado processo judicial contra o seu pai e também tutor, Jamie Spears. A curatela foi assumida por Jamie há 13 anos atrás e permaneceu até a última quarta-feira (29) quando a justiça resolveu afastá-lo do cargo. As manifestações dos fãs da cantora a favor da remoção da curatela do patriarca sobre a artista (o que deu origem ao movimento social #FreeBritney) surtiu o efeito necessário após anos de protestos constantes.
Segundo informações declaradas por Jamie nos documentos do processo, “os vícios e transtornos mentais de Britney são muito mais sérios do que o público imagina''. Com o poder da curatela, Jamie Spears possuía gestão das finanças da filha, podendo chegar a ganhar quase 80.000 reais por mês, enquanto limitava os gastos de Britney a 10.000. Já MC Melody, que continua investindo na carreira como cantora, hoje conta com 10 milhões de seguidores no Instagram, com o perfil na rede administrado pelo seu pai e produtor musical.
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