Até onde vai o esvaziamento de pautas no Big Brother Brasil?

Com o avanço da tecnologia e com a exposição das redes sociais, o comportamento das pessoas, principalmente de figuras públicas, tem sido observado a cada instante.  Diante de certos posicionamentos - ou a falta deles -, o público tem encontrado formas de "castigar" diante de injustiças cometidas por este alvo. 

De acordo com o coordenador do Núcleo de Estudos em Filosofia Política e Ética (NEFIPE) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Filipe Campello, “cancelar” é uma gíria usada nas redes sociais para o boicote de um produto, empresa ou personalidade pública que teve opinião ou comportamento considerados moralmente inaceitáveis. “Geralmente, é direcionado às pessoas públicas e que dependem da sua reputação para renda”, explicou.

A cultura do cancelamento consiste, basicamente, em fazer justiça social nas redes sociais. Este comportamento vai contra atitudes que antes, ou não eram discutidas, ou eram normalizadas na sociedade. Quem tornaria Diego Alemão ou Marcelo Dourado os vencedores do BBB hoje em dia?

Em 2020, o Big Brother Brasil estreou o grupo "Camarote", onde artistas famosos também poderiam concorrer ao prêmio. Naquela edição, quando o mundo inteiro estava confinado devido à pandemia da COVID-19, todos os olhos se voltaram para o reality show que, até então, não estava conseguindo conquistar o público com as últimas edições.

O participante Petrix foi quem despertou os olhos para o cancelamento na edição quando assediou Bianca Andrade - também conhecida como Boca Rosa - em uma festa, tocando e mexendo em seus seios enquanto a participante estava bêbada.

A atitude criminosa gerou revolta nos espectadores que acompanhavam a casa mais vigiada do Brasil como não tinha acontecido antes. O público pediu a expulsão do brother e até mesmo inquéritos policiais foram abertos para analisar o caso. Para o UOL, naquele mesmo ano, a advogada que defendia o brother chegou a declarar que "não reconheceu que teve malícia em seus gestos". 

Com todo o sucesso daquela edição, entre embates de grupos, pautas importantes sendo discutidas, recorde de votação, memes icônicos e até um quarto branco flopado, a espera pela próxima edição criou uma expectativa no público. 

Karol Conká e o tombo do cancelamento

Em 2021, o país testemunhou um dos mais significativos episódios de cancelamento. Karol Conká, inicialmente uma das favoritas na competição, rapidamente perdeu sua popularidade, resultando na eliminação com um recorde de rejeição de 99,17%. Sua reintegração à vida real foi marcada por um intenso sentimento de medo. Naquele mesmo ano, a cantora foi a convidada especial do programa de Thelminha (vencedora do BBB20), e desabafou sobre reação agressiva do público pelas atitudes, dizendo que ainda sofria muito após sua saída, destacando o medo de sair de casa. 

“Se eu sair na rua, eu vou ficar com pânico. Eu não saí até agora. Não andei na rua, não fui mais em padaria e supermercado. Não vou a lugar nenhum. Conseguiram me arrastar para um barzinho que tinha pouquíssimas pessoas, mas fiquei uma hora e não me senti confortável”, relatou.

No fim do ano passado, Conká participou do programa "Assim Como a Gente", da apresentadora Fátima Bernardes. Durante a conversa, a artista relembrou como foi lidar com a rejeição e o cancelamento. Carlinhos Brown, que também participava, destacou que essa agressividade está, sim, relacionado com a forma com que um artista negro é visto. Fátima relembra o episódio em que o músico foi atacado com garrafadas durante seu show no Rock in Rio, em 2001: 

"O que nós, Karol e eu, passamos, é o resultado de um experimento geracional. Vejo a Karol como uma pessoa elegantérrima, que sabe se defender. [...] Essa resiliência trouxe uma construção em um país que ainda não se enxerga como miscigenado.", disse Brown.

Outra participante que se destacou pelas pautas e foi alvo de cancelamento foi Lumena Aleluia, companheira de Karol no BBB 21. Ela se posicionava em assuntos de extrema importância, e o público via que Lumena errava na forma de "ensinar" e nas palavras que usava.Muitas delas até se tornaram memes na época. A baiana também foi vista como alguém que problematizava assuntos que o público achava que não deveriam ser problematizados. 

Em seu canal do Youtube, a sister chegou a publicar um vídeo onde contava o que aprendeu sobre o cancelamento sofrido no BBB 21. Em um dos trechos, ela destaca: “Quando eu saí do programa, como eu não entendia bem o que tava acontecendo, eu tive alguns processos de adoecimento muito fortes. Dentre eles, pânico, fobias, crises de ansiedade, perda de memória, o que me convocou a buscar ajuda profissional num processo de autocuidado. Foi o que me deu coragem pra assumir uma relação de ressignificar essa experiência de cancelamento”.

Diante dos cancelamentos e de toda discussão feita nas redes sociais, entrar no reality show se tornou um fantasma na vida de famosos que viam o programa como uma porta de visibilidade na carreira e o medo do cancelamento tem sido um desses motivos. Recentemente, o cantor Xand Avião revelou ter medo de entrar no BBB, alegando que acabaria com sua própria carreira se fosse. 

É importante entender que agora a sociedade está discutindo questões de raça, gênero, classe e sexualidade. Nesta edição, é possível perceber que situações de diferentes proporções são classificadas da mesma forma, o que já foi destacado pela participante Giovanna Pitel, que expôs sua preocupação em esvaziar pautas de militância que luta e acha importante. Em um outro trecho, a sister afirma perceber que alguns participantes estão “esvaziando pautas”.  

Nas redes sociais, os internautas concordam com a sister, apontando que essa é a edição da banalização de temas sociais importantes. Em uma busca pela ferramenta do X (antigo Twitter), uma usuária diz: “O tema desse BBB é literalmente esvaziamento de pautas, nunca vi tanta pauta importante sendo esvaziada em tão pouco tempo”. 

Em entrevista para o portal Notícia Preta, a  comunicadora e historiadora Lívia Teodoro, que discute pautas de raça, sexualidade e gênero, explica que o termo “esvaziamento” refere-se ao momento em que debates sociais importantes, como gordofobia e machismo, são utilizados com o intuito de autopromoção ou como uma distração frente a questões genuinamente cruciais.

Cancelamento x esvaziamento

Na última semana, a internet voltou os olhos para Alane, que se envolveu em um confronto direto com Juninho. Segundo a bailarina, o motoboy a assediou durante a  festa na última sexta-feira (02) e a situação repercutiu na casa mais vigiada do Brasil e nas redes sociais. Segundo alguns internautas, a sister distorceu o fato para se apresentar como vítima de toda essa situação.

Em conversa com alguns aliados, a sister confirmou que se sentiu assediada. Ao escutar a fala da paraibana, Beatriz comentou: “Amiga, ele mesmo confirmou. Falou da Leidy e acabou com ele mesmo. Não precisa falar mais nada”. Nas redes sociais do participante, a equipe chegou a publicar um vídeo mostrando o que, de fato, teria acontecido. 

O debate sobre discursos preconceituosos, incluindo homofobia, misoginia e racismo, deve ser realizado com seriedade e comprometimento, inclusive com responsabilização legal quando necessário. “O Big Brother Brasil 24, como uma poderosa lupa social, expõe questões cruciais de nossa sociedade, como gordofobia e assédio, tornando-se um campo de batalha para debates relevantes. Contudo, é crucial distinguir quando essas pautas são utilizadas indevidamente, transformando-as em meras ferramentas de jogo“, explica Lívia.

Juninho foi eliminado na última terça-feira (6) com 60,35% dos votos e o paredão contra Alane fez com que Beatriz e Isabelle, que também estavam na berlinda, se tornassem invisíveis na votação. Contudo, sua eliminação não se deu pela acusação da participante. Durante o discurso, o apresentador Tadeu Schmidt destacou: 

“(...) Vamos deixar uma coisa bem clara. Se alguém tivesse jogado fora das regras, este Paredão nem estaria acontecendo. A gente já teria tomado uma atitude. O resultado aqui é como o resultado de um Paredão qualquer. Não é fruto de um fato isolado, mas de um conjunto de variáveis. Esse é um duelo que não tem um vencedor óbvio, absoluto. Está tudo gravado, todo mundo reviu as imagens com calma, mas há espaço pra interpretação. É menos certeza, é mais opinião (...)”.  

“CALMA, CALABRESO”

Outro esvaziamento de pauta que gerou polêmica dentro da casa e memes fora, rendendo até música e fantasia de carnaval, foi quando o participante Davi usou a palavra "calabreso" – um meme antigo do humorista Toninho Tornado – contra Lucas Henrique. O brother foi confrontado por todos na casa e recebeu acusações de gordofobia por conta de MC Bin Laden. 

Após a confusão, Leidy Elin, Marcus Vinicius e Giovanna decidiram abordar Davi para discutir o significado da palavra "calabreso". Leidy questionou se o termo tinha conotações gordofóbicas: "O que significa 'calabreso'? Não finja que não sabe... Estão dizendo que 'calabreso' é um insulto relacionado ao peso da pessoa", afirmou. Davi se defendeu e explicou: "Eu não o chamei de gordo, apenas de 'calabreso'. É uma brincadeira comum em Salvador. Não tem a intenção de ser ofensivo... Deixe-o interpretar como quiser", respondeu o brother. 

Em entrevista ao podcast PodPah, o dono do meme chegou a explicar que a ideia de flexionar os gêneros das palavras cotidianas para o masculino surgiu após uma brincadeira com um amigo que frequentemente estava de ressaca. Porém, como diz o ditado: “uma vez na internet, pra sempre na internet”, os internautas chegaram a restaurar um vídeo do próprio MC Bin Laden  utilizando o meme para dizer como cumprimenta os amigos.  

Assim como os participantes andam esvaziando certas pautas dentro da casa mais vigiada do Brasil, esse comportamento também tem acontecido do lado de fora. Na última segunda-feira (6), a equipe do participante Michel publicou um vídeo no X (antigo Twitter), alegando que Davi teria sido gordofóbico com o professor. 

Em nova atualização da plataforma, os usuários corrigiram a informação apontando que o vídeo foi cortado para tirar de contexto o que estava sendo dito para "levantar uma pauta séria por motivos levianos". Isso pois a suposta frase gordofóbica dita por Davi na verdade é referente às vantagens alimentares da dinâmica de grupos (XEPA x VIP) no programa e a mudança de Michel após ganhar a pulseira VIP. 

“O Big Brother Brasil 24, como uma poderosa lupa social, expõe questões cruciais de nossa sociedade, como gordofobia e assédio, tornando-se um campo de batalha para debates relevantes. Contudo, é crucial distinguir quando essas pautas são utilizadas indevidamente, transformando-as em meras ferramentas de jogo“, explica Lívia para o portal Notícia Preta. 

A historiadora também destaca que, quando questões importantes para mulheres, pessoas negras, gordas e com deficiência são usadas apenas para ganho pessoal, isso pode levar a grandes retrocessos, afetando diretamente as pessoas desses grupos.