BBB21 tem o maior número de negros no elenco. O que isso significa?
Atualizado: 30 de mai. de 2023
Logo quando a Globo anunciou os participantes da 21ª edição do Big Brother Brasil, um certo espanto se instaurou na minha sala. Nas longas 6 horas em que se estenderam os intervalos comerciais da emissora, pudemos conhecer os 20 integrantes. Entre anônimos e famosos, ou melhor, ‘Camarote’ e ‘Pipoca’, percebemos que quase metade da casa será ocupada por pessoas negras.
Essa é a primeira vez na história do reality que o número é tão alto - mesmo que, como todos sabemos, a população negra represente mais da metade da sociedade brasileira. Nomes como Karol Conka, Projota e Camilla de Lucas surpreendem não só por somarem no BBB, mas também por serem vozes ativas social e politicamente em um dos programas mais assistidos do país.
Dentre os famosos estão: Karol Conká, Pocah, Projota, Camilla de Lucas, Nego Di e Lucas Penteado. Já os inscritos no programa são: Lumena, Gilberto e João Luiz, somando os tais 9 participantes.
A decisão pode ser vista por muitos como apenas uma mudança, algo mais jovial para agradar a “militância” e os lacradores da web - o que não necessariamente seja uma inverdade. Mas essa também é uma decisão histórica, atrasada e ao mesmo tempo justa da produção após 21 temporadas.
Histórico
A felicidade de poder enxergar essas pessoas para quem torcer logo se tomou de um receio mais que pessoal que vi, ao longo dos anos, enquanto acompanhava o programa.
O que rapidamente se tornou motivo de comemoração nas redes sociais por conta da representatividade do feito, logo se tornou também um receio. O BBB tem um histórico de racismo transmitido nacionalmente em horário nobre e apenas 20 temporadas depois busca equiparar os danos que causou ao longo dos anos. Pode até parecer uma frase pesada e uma tentativa de jogar a culpa a culpa desse mal social em apenas um reality show, mas é só olhar para trás.
Desde a primeira edição do programa, em 2001, participantes negros fizeram parte do elenco do BBB. Contudo, é notável lembrarmos apenas de personagens pontuais ao longo dos primeiros anos - como Kleber Bambam, Diego Alemão e outros brancos.
O primeiro 'case de sucesso' envolvendo um participante negro no reality veio com a atriz Juliana Alves, no BBB3, que até hoje se mantém na mídia e já trabalhou em projetos de peso na Globo, como 'Caminho das Índias' e 'Cheias de Charme'. A fama, é claro, não a impediu de sofrer ataques racistas - até hoje - nas redes sociais.
Apenas cinco anos depois da estreia do Big Brother Brasil no país, em 2006, uma mulher negra venceu o programa. Mara foi a vencedora do grande prêmio, considerado um dos mais merecidos do reality, e usou o montante para melhorar suas condições de vida.
Dentro dessa pequena margem de diversidade no programa, a Globo incluiu, em 2011, Ariadna, uma mulher negra e a primeira (e única) pessoa transgênero a entrar na casa. Infelizmente, seu potencial no BBB foi desperdiçado pelo preconceito do público, que eliminou a modelo no primeiro Paredão da temporada, em 2011.
O estigma do negro ser o primeiro eliminado no BBB não acabou por aí. Aline Mattos, do BBB13, também deixou a casa na primeira semana, e ficou com a fama de 'barraqueira' até hoje. Espero que não precise explicar o que esse estigma significa para as mulheres negras.
Antes odiada, hoje um meme consagrado, Adélia do BBB16 foi eliminada com 70% dos votos do público. Ela é uma das participantes que acumulou um alto nível de rejeição, podendo ser exemplificado por Aline Cristina, do BBB5, que manteve ao longo dos anos o recorde no Guinness Book de maior rejeição em um reality show. Foram 95% dos votos em um Paredão contra Grazi Massafera. A ‘X-9’, como ficou conhecida na época por um veículo de mídia, fez o que todos os participantes sempre fazem: jogou a seu favor.
A alta porcentagem nas votações dentre os brothers retintos é algo comum no histórico do programa. Para listar só alguns: Roberta, do BBB17; e Nayara e Viegas, ambos do BBB18. Todos esses com uma onda de ódio cada vez maior (e, aparentemente, acumulativa) por fazerem o que os demais da casa fizeram, mas sem receber o mesmo nível de apatia do público.
Felizmente, mais de 10 anos depois, outra mulher negra venceu o programa. Gleici Damasceno, do BBB18, conquistou o público brasileiro mesmo com o seu discurso politicamente ativo. Ela, inclusive, representou a sua origem humilde do Norte, mesmo sob as acusações clichês de vitimismo e falsidade. Até hoje é uma das vencedoras mais queridas do reality.
Mas nada preparou o que viria no ano seguinte.
2019
A 19ª edição do Big Brother Brasil merece uma parte apenas sobre ela. Na época, causou o mesmo impacto da temporada atual, batendo o recorde de mais participantes negros na história do reality.
A tentativa de Boninho era justamente trazer diferentes vozes para o programa, e talvez mudar o rosto de possíveis vencedores, como foi o caso de Gleici. Mas rapidamente tudo isso foi por água abaixo, coincidentemente no mesmo ano em que Jair Bolsonaro assumiu a presidência. Teorias? Talvez. Racismo em rede nacional? Sempre. Mesmo com nomes fortes como Danrley Ferreira, Rodrigo França, Elana Valenaria e Gabi Hebling, o BBB deu espaço para discursos abertamente racistas da advogada Paula Von Sperling. E assistir isso foi doloroso.
Quantas e quantas vezes cada um desses participantes foi chamado de vitimista e vítima do racismo televisionado de Paula? A repercussão dos casos era excelente para o programa em termos de audiência, mas extremamente danoso para quem estava lá dentro e quem assistia, com empatia, aqui fora. A fama da advogada só cresceu por seu jeitinho mineiro e inocente, enquanto as pessoas, mais uma vez, eram desumanizadas. A cada semana era perceptível que só se descobria mais e mais de uma face que enfrentamos a vida inteira. E foi justamente essa face que levou R$ 1,5 milhão para casa em uma temporada que se discutiu abertamente sobre cotas, racismo e violência policial. Os “vitimistas” foram eliminados um por um.
Mas o que isso significa, na prática?
Passando rapidamente pelo histórico de Babu Santana no BBB20 e a saúde mental das pessoas negras no reality, o receio de sairmos destroçados dessa temporada que se inicia é mais que tangível. É pedir demais aguentarmos os mesmos comentários, xingamentos e opiniões disfarçadas de racismo novamente. E isso já está acontecendo.
Em uma visão mais otimista, será mais do que interessante - quase didático - acompanhar nove pessoas negras e distintas. Porque é isso que precisamos lembrar para as pessoas. Cada um dos participantes ali têm vivências, pensamentos e opiniões diferentes. São seres humanos, por mais que tentem fazer com que não sejam (lembram do famoso ‘monstro’ da edição passada?). Não é saudável pensar que todos eles agirão da mesma forma falando sobre Wakanda, tranças e estampas africanas. Eles são tudo isso (com orgulho), mas muito mais. E têm o direito de errar, serem criticados, terem uma grande torcida e jogar o BBB como qualquer outro participante.
Endemol
A decisão de Boninho, contudo, não foi muito bem vista por parte do público. É claro que a atitude é algo louvável, e que ele não fez mais que a obrigação, mas a mudança vai além do Big Brother em terras brasileiras.
Nos Estados Unidos, o canal CBS decidiu que a equidade racial aconteceria nos realities shows, incluindo o Big Brother. Cerca de 50% do elenco seria composto por pessoas não-brancas.
O molde parece ter inspirado a Globo, que conseguiu a atenção dos portais de discussão com o feito. Boa ação? Marketing? Nunca saberemos. O formato do Big Brother, pertencente à Endemol, não prevê regras explícitas sobre raça ou qualquer característica dos participantes.
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