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Foto do escritorThallys Rodrigo

“Besouro Azul” tem dois lados, assim como a América

Novo longa da DC conquista com referências latino-americanas, mas é formulaico demais para decolar completamente


Besouro Azul traz Jaime Reyes (Xolo Maridueña) como protagonista | Foto: Warner Bros

A relação de Hollywood com a América Latina é um tanto curiosa, para não usar outro termo. Os habitantes dessa região do globo são ávidos consumidores dos filmes estadunidenses, assim como imigrantes latinos nos EUA. Porém, eles raramente veem a si próprios nas produções. Às vezes, quando veem, se deparam com uma latinidade repleta de estereótipos, que sequer existe na realidade.


“Besouro Azul”, novo filme baseado nos quadrinhos da DC Comics, é um dos esforços mais recentes dos estúdios dos EUA para representar pessoas de origem latino-americana. O longa dirigido por Angel Manuel Soto é focado em Jaime Reyes (Xolo Maridueña), garoto de origem mexicana, e sua família, composta quase que inteiramente de imigrantes.


Em suas duas horas e sete minutos de duração, o longa mescla referências culturais que trazem uma certa inovação a um gênero tão cansado, mas contrapõe isso com detalhes excessivamente familiares.


No fim, será que doses de representatividade e uma Bruna Marquezine são suficientes para garantir a qualidade do filme?


O Sonho (Latino)americano


Quando encontramos Jaime Reyes, ele está retornando para os abraços acalorados de sua família na cidade de Palmera City após cursar a pré-graduação de Direito. O que ele não esperava era que seus entes queridos vinham escondendo dele diversos problemas, incluindo a ameaça de perder a casa.


A busca por uma solução para a vida financeira da família leva Jaime a cruzar o caminho da esnobe e megalomaníaca empresária Victoria Kord (Susan Sarandon) e da sobrinha dela, a idealista Jenny Kord (Bruna Marquezine).


É por meio de seu encontro com Jenny que Jaime acaba entrando em contato com o escaravelho, um apetrecho tecnológico alienígena que escolhe Jaime como hospedeiro, mudando, a contragosto, a trajetória de sua vida.


Ao decorrer da história, Victoria vai fazer de tudo para reaver o escaravelho e utilizá-lo para fins militares, com a ajuda de seu braço-direito Carapax (Raoul Max Trujillo).


A Palmera City que vemos no filme se divide basicamente na parcela elitista e tecnológica, onde está situada a sede das Indústrias Kord, e o bairro de Edge Keys, onde mora a família Reyes.


A família Reyes é o grande foco de "Besouro Azul" | Foto: Hopper Stone/SMPSP/DC Comics

Essa diferenciação basicamente reproduz as diferenças culturais e sociais vistas na realidade por bairros habitados por imigrantes latinos nos EUA, um assunto também ilustrado recentemente em filmes como o musical “Em Um Bairro de Nova York”.


A dualidade também pode ser associada à própria diferenciação cultural entre América Anglo-Saxã (EUA e Canadá) e América Latina.


Edge Keyes é ameaçado por problemas como a gentrificação, como o filme faz questão de explicitar no texto dos personagens latinos.


Em meio a essa consciência social, externada de forma orgânica na trama, temos também diversas referências a produtos culturais e hábitos latino-americanos. Alguns detalhes têm tudo para surpreender e arrancar risadas por conta da familiaridade.



De forma geral, o filme é nitidamente apaixonado pela família Reyes e seus integrantes, desde a matriarca Nana (Adriana Barraza), uma vovó com um passado mais cool do que aparenta, até o tio Rudy (George Lopez), “gênio maluco” sempre ao lado de Jaime.


É do vínculo de Jaime com sua família que vêm os momentos mais emocionantes do longa, que sem dúvidas, tem o coração no lugar certo e consegue gerar nos espectadores uma conexão significativa com os personagens principais.


Obviamente, a experiência latino-americana não é a mesma em todos os países e para todas as pessoas, mas o filme utiliza elementos abrangentes o suficiente para gerar identificação.


Mais uma jornada de herói


Conectado ao escaravelho, Jaime tem que lidar relutantemente com sua nova realidade, com o apoio de sua família e da bem-intencionada Jenny. No papel, Xolo Maridueña confirma o que os espectadores de “Cobra Kai” já sabiam: que possui carisma de sobra, um bom timing cômico e talento suficiente para cenas dramáticas.


O resto do elenco não fica para trás, incluindo nossa conterrânea Bruna Marquezine. Inicialmente, ela pode parecer pouco à vontade na tela, mas a impressão se desfaz no decorrer do filme. Velha conhecida dos noveleiros, Bruna possui presença suficiente para que sua Jenny não seja reduzida a um interesse amoroso inexpressivo.


Além disso, a atriz é auxiliada por um roteiro que lhe dá destaque devido. Inclusive, um momento específico do terceiro ato tem tudo para satisfazer os fãs brasileiros.


Bruna Marquezine fez sua estreia em Hollywood com "Besouro Azul" | Foto: Warner Bros.

Na verdade, o que parece aquém do elenco e da temática abordada é justamente o modo como a “jornada do herói” de Jaime é construída. Embalada por uma ótima trilha sonora eletrônica, a história mostra Jaime se adaptando ao uso da tecnologia alienígena e lutando para proteger a sua família no meio disso.


É uma pena que nesse processo, “Besouro Azul” confirme a impressão que já havia sido passada nos trailers: excluindo o pano de fundo cultural, o filme tem uma história de super-herói genérica que, por si só, não traz coisas novas para esse subgênero.


Diversas sequências e referências visuais parecem diretamente retiradas de filmes já consagrados, como “Homem de Ferro”, “Homem-Aranha” e “Pantera Negra”. O longa também reproduz algumas das mais cansadas tendências de filmes da Marvel Studios.


Entre elas, estão um vilão que é meramente uma versão maligna do herói, com os mesmos poderes e armadura. E sim, o final envolve uma grande luta com efeitos especiais pesados, assim como… quase todas as produções do tipo.


Além disso, há uma nítida má vontade em desenvolver os vilões durante o filme, em especial Victoria Kord. A personagem poderia ser bem mais interessante, caso sua dualidade como capitalista desenfreada e vítima do machismo fosse melhor explorada.


Victoria Kord (Susan Sarandon) é uma das principais vilãs do longa | Foto: Hopper Stone/SMPSP/Entertainment Weekly

A direção de Angel Manuel Soto também poderia ousar mais, ainda que acerte, e muito, nas cenas mais emotivas. Algumas sequências de ação pedem um arrojo que nunca vem.


A impressão que fica é que se temeu uma baixa recepção do público, por conta da abordagem de uma minoria étnica, e que, com isso, a história foi contada e filmada da forma mais “segura” possível, buscando evitar arrojos que pudessem afastar espectadores.


Os efeitos especiais, em sua maioria, tem boa qualidade, demonstrando que é possível ter qualidade técnica sem gastar US$ 200 milhões em cada filme.


Porém, isso não é suficiente para tirar a sensação de que, como filme de super-herói, o longa da DC devia ter ido muito além do que foi.


A América de lá e a América de cá


“Besouro Azul” parece dois filmes em um. Um deles é um filme de herói excessivamente formulaico, que faz o espectador lembrar de obras melhores que as figuras superpoderosas já proporcionaram.


O outro, mais genuíno, é o que está realmente comprometido com a representação latina e hispânica.


O filme se sobressai pela sua abordagem sensível da família Reyes e também do comentário social sobre os imigrantes latinos dos EUA, e para o tratamento de latinos pelo país do modo geral.


Uma cena no terceiro ato, em especial, demonstra um paralelo interessante entre a experiência do vilão Carapax e de outros personagens de origem latino-americana. Através de sequências como essa, o filme ilustra como mensagem, o modo todos os personagens latinos do longa, até mesmo os figurantes, são tratados como inferiores pelo capitalismo e imperialismo estadunidenses.



A trajetória do vilão Carapax (Raoul Max Trujillo) ilustra a abordagem da situação latino-americana no longa. Foto: Reprodução/Warner Bros

Na relação entre as duas Américas, a de cá e a de lá, pessoas inteligentes e com grandes personalidades são constantemente reduzidas a papéis de subserviência.


O longa argumenta que já passou da hora de quem traça suas origens do México “para baixo” ganhar os holofotes. Infelizmente, é nesse mesmo contexto de capitalismo e de choque cultural que “Besouro Azul” perde uma parte considerável da alma que poderia ter.


O filme segue sendo válido, mas está longe de resolver, por si só, a escassez de representatividade latino-americana. Mesmo que apresentasse um nível mais alto de originalidade, esse espaço a ser ocupado é grande demais, e filme nenhum cumpriria esse papel sozinho.


Tomara que mais filmes focados em latinos, dos mais diversos gêneros, continuem sendo produzidos, com roteiros diversos e, se possível, mais ousadia.


Um besouro só não faz verão, especialmente se o voo for um tanto baixo.


Veredito: 3,25/5


Três coisas que também vale ficar sabendo sobre o filme:

  • Não espere ver Henry Cavill e Ezra Miller em filmes da DC daqui para frente, mas Superman e Flash são mencionados no longa e existem neste universo.

  • James Gunn já mandou a letra: Xolo Maridueña e seu Jaime Reyes são bem-vindos no universo DC daqui para frente, mesmo o reboot à vista.

  • Para quem é ansioso, aqui vai: o filme possui duas cenas pós-créditos. A primeira traz um gancho óbvio para uma possível sequência, enquanto a segunda é mais engraçadinha e dispensável.

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