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"CHOQUEI": quando a sede pela velocidade da informação leva à desinformação

Atualizado: 30 de mai. de 2023



Na madrugada do dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia iniciou uma invasão da Ucrânia. Ataques aéreos ocorreram em diversas áreas do país, incluindo na capital, Kiev, além da entrada de forças terrestres.


O ocorrido não foi exatamente chocante para quem estava acompanhando os conflitos entre Rússia e Ucrânia. Putin já havia, inclusive, mencionado que enviaria tropas para as áreas rebeldes pró-Rússia. A surpresa maior nas redes sociais foi um fato curioso: um dos primeiros perfis brasileiros a noticiar o ataque de Putin foi a página do Twitter 'CHOQUEI' (@choquei), que, até então, estava dando notícias sobre Big Brother Brasil, reality show da Globo.



Até mesmo o nome da página carregava a hashtag #BBB22, que foi retirada posteriormente. A 'Choquei' começou uma cobertura detalhada e com uma velocidade impressionante da invasão da Rússia, sempre começando os tweets com um "🚨 URGENTE" - ou similar - para indicar a gravidade do que estava sendo noticiado. No entanto, nenhuma das informações dadas pela página possuem fontes e muitas informações veiculadas não são confirmadas por veículos de comunicação ou fontes oficiais.


A página chegou a veicular, além de diversos vídeos falsos ou antigos, um tweet em que dizia que "dezenas de milhares de corpos" estavam nas ruas de Kiev, capital ucraniana. O post, desmentido pela Lupa, veículo de combate à desinformação, ficou no ar até quase meio-dia do dia 24, quando foi apagado. Mesmo deletado, prints e replicações da publicação foram compartilhados no Facebook como se o texto fosse verdadeiro.


Foto: Reprodução/Twitter

Credibilidade


Apesar de ser alvo de críticas, o perfil só cresce em número de seguidores e engajamento. Autodenominada "fonte de notícias mais rápida da net", a página chama atenção pela velocidade que publica as informações.


Mesmo sem citar suas fontes, a 'Choquei', que pertence ao goianense Raphael Sousa Oliveira, é amplamente compartilhada e acabou conquistando a confiança de uma quantidade considerável de pessoas, como é possível observar através das respostas dos tweets.


"Pelo contrário do que muitos estão acusando a página de fake news, ela está à frente dos telejornais"
Foto: Reprodução/Twitter

"não entendo esse povo chato criticando a choquei, os cara tão fazendo um trabalho de qualidade passando as informações"
Foto: Reprodução/Twitter

Os administradores construíram um grande público a partir da cobertura de fofocas e programas como Big Brother Brasil, o que acabou fortalecendo o laço entre página e seguidores. LEIA TAMBÉM: Um amor irracional: pequeno dossiê sobre a cultura dos fãs


A era da "informação"


Os fatores que mais chamam atenção do público e que levam ao grande volume de seguidores da 'Choquei' são a velocidade e os "furos" supostamente jornalísiticos, mesmo que estes não sejam verdadeiros. Vivemos na era da informação, como conceitou Manuel Castells na sua maior obra, 'Era da Informação', em que ela se espalha em uma quantidade e velocidade enormes.


A internet, as redes sociais e até os grandes veículos de comunicação possuem responsabilidade nos impactos dessa velocidade da informação. Como as pessoas estão sempre buscando ficarem informadas mais rápido, jornalistas se desdobram - e até sacrificam a própria saúde física e mental - para entregar as notícias na maior rapidez possível e impossível.


No entanto, como qualquer profissional de comunicação bem sabe, apurar um fato é uma tarefa que requer tempo e esforço. O ditado popular diz que "a pressa é inimiga da perfeição", pensamento compartilhado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu. Em seu livro 'Sobre a televisão', de 1997, o autor critica os furos e ritmos televisivos, afirmando que existe um elo entre o pensamento e o tempo e que, na urgência, não se pode pensar.


Bourdieu estava mais que correto já tratando sobre a TV, mas o que o autor citou se torna ainda mais fundamental quando falamos sobre internet. Por conta dessa busca frenética pela velocidade, até veículos de informação podem acabar errando ao tentar transmitir informações, como ocorreu no caso do infeliz acidente de Marília Mendonça - antes de ser divulgado seu falecimento, grandes jornais noticiaram que a cantora estava viva e bem, apenas com base na assessoria, sem checar com autoridades oficiais como os bombeiros.


Portanto, é de se imaginar o potencial estrago de uma página de fofoca que aparenta não ter nenhum compromisso com a verdade e está muito mais interessada em curtidas e compartilhamentos.


Chegamos à um contexto de hiperinformação, em que recebemos mais informação do que nosso cérebro consegue processar. No artigo 'A competência crítica em informação como resistência: uma análise sobre o uso da informação na atualidade', Anna Brisola e Nathália Romeiro falam que essa sobrecarga, além de nos exaurir, também nos deixa mais vulneráveis e influenciáveis. Isso aumenta ainda mais quando estamos com medo - por exemplo, à beira de uma guerra - e o pensamento crítico diminui ainda mais, o que explica o crescimento de páginas como a 'Choquei'.



O formato importa


A falta das fontes das informações veiculadas na 'Choquei' não dizem respeito somente à ausência de credibilidade, mas acabam atribuindo à própria página o crédito pela apuração das notícias. Afinal, misturadas às mentiras, também estão fatos que são retirados de veículos jornalísticos.


Isso invalida, de certa forma, todo o trabalho de pesquisa e investigação da veracidade realizado por jornalistas, que, como dito anteriormente, não é nada fácil.


Por outro lado, o crescimento de páginas como a 'Choquei' atualmente nos traz uma reflexão sobre os formatos que os jornais tradicionais veiculam as informações. A fácil escrita, apesar de alarmista, chama atenção das pessoas - fatores que podem ser observados na maioria das notícias falsas que circulam nas redes. Num momento em que a internet ganha cada vez mais força, é importante pensar sobre como entregar as informações corretas de forma que elas realmente cheguem nas pessoas.


Um exemplo positivo disso ocorreu nesta mesma madrugada do dia 24. O streamer Casimiro, grande sucesso da internet dos últimos anos, convidou o especialista Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais, para explicar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia e tirar dúvidas de quem acompanhava a live na Twitch. A intenção do streamer, que tem cerca de 2 milhões de seguidores na plataforma, foi tranquilizar seu público e passar informações corretas - justamente o contrário do que a 'Choquei' estava e segue fazendo.


Casimiro e Tanguy durante live da Twitch | Foto: Reprodução

Campo de batalha


É preciso reconhecer que é difícil combater a desinformação. É um trabalho longo e árduo, principalmente no cenário capitalista, onde o dinheiro importa mais que a verdade. A 'Choquei' foi uma das citadas na denúncia da "milícia digital", conjunto de páginas de fofoca que foram acusadas de receber recursos financeiros de famosos e políticos para influenciar a opinião das pessoas sobre diversos assuntos.


Inclusive, é uma das páginas que posta com frequência sobre Renan Bolsonaro, filho mais jovem do presidente Jair Bolsonaro, numa aparente intenção de aumentar a popularidade do rapaz. Em 2022, a página chegou a veicular um "furo", que depois se provou falso, de que Renan estaria na edição deste ano do Big Brother Brasil. O post, como a maioria dos veiculados no perfil, teve milhares de curtidas e até foi usado como fonte em outros veículos.



Não são só perfis de fofoca que colocam o dinheiro acima da verdade. Sabemos do contexto complicado em que vivemos, com grandes jornais submetidos à empresários e políticos poderosos, mesmo que não explicitamente, a céu aberto.. Nesta situação, se torna essencial o apoio cada vez maior à veículos sérios e comprometidos com a reflexão, que resgatam a função social principal do jornalismo: informar a verdade.

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