“Clube dos Vândalos” surpreende com sensibilidade em meio a caótico universo de motoqueiros
O novo filme de Jeff Nichols envolve com o mundo veloz, cruel e dramático de um clube de motoqueiros
As histórias envolvendo o início de um movimento muito forte e que perdura há anos sempre causa curiosidade. Quem foi o (a) primeiro (a) que teve a ideia ou como conseguiu reunir pessoas com interesses em comum. Ou como eles conseguiram fazer com que a cultura permanecesse viva mesmo com o passar do tempo. É a partir desses questionamentos que Clube dos Vândalos se apoia para narrar e nos sensibilizar com a história de um clube de motoqueiros.
O novo filme do diretor Jeff Nichols é baseado no livro de fotografias de Danny Lyon, que viajou durante anos acompanhando o início e ascensão de um grupo de motoqueiros no Meio-Oeste dos Estados Unidos na década de 1960.
No longa, essa premissa inicial se desenrola em vários conflitos e dramas dos personagens principais. Johnny, o criador do clube, tenta manter a ordem no local enquanto projeta a vida que não teve no rebelde Benny. A história é contada a partir da perspectiva de Kathy, companheira de Benny durante anos, e como é a perspectiva de uma pessoa inserida nesse mundo dos motoqueiros.
O filme é estrelado por Austin Butler, Jodie Comer, Tom Hardy, Mike Faist, Michael Shannon, Toby Wallace, Norman Reedus, Boyd Holbrook, dentre outros brilhantes atores.
O longa consegue instigar e fazer com que a gente queira saber o desenrolar da história principal e as secundárias. A sensação que temos é que estamos em uma pesquisa exploratória, exatamente igual ao fotógrafo, que aos poucos vai conseguindo adentrar na vida de cada personagem com detalhes.
O fio condutor do enredo é basicamente uma grande entrevista com a Kathy, que vai narrando com certa tensão e detalhes, sobre os acontecimentos desde quando conheceu Benny até o momento final quando tudo começou a ruir, tanto no casamento como no clube. O roteiro acerta, inclusive, nas imprecisões dela sobre as histórias do passado desconhecido.
O filme é bem construído desde o começo quando mostra as inspirações de Johnny para construir um clube de motoqueiros, algo bastante crível envolvendo Marlon Brando e o clássico O Selvagem (1973), e como foi pavimentada aos poucos essa cultura, agrupando mais pessoas de diferentes lugares e ambições.
Os conflitos estão presentes o tempo inteiro, mesmo quando o filme parece ficar monótono. A vida caótica e boêmia dos personagens principais faz com que o espectador fique vidrado tentando entender e conhecer um pouco mais do que vem a seguir. As cenas violentas não são exageradas nem brandas demais, sendo capaz de chocar mesmo quando sabemos o que vai acontecer no fim.
É muito interessante perceber as diferenças entre eles desde a fundação do clube, a extensão para outros estados, a chegada de novos membros e como os mais velhos se comportam com as mudanças geracionais. A violência se faz mais presente nos Estados Unidos, o tráfico de drogas começa a ser algo rentável e os interesses dos novatos deixam de ser apenas reunir os seus iguais e eles começam a se comportar como gangsters. É visível quando o propósito muda e como essa diferença se torna gritante ao longo do tempo.
A entrada do novo personagem em que considera Johnny a grande referência, como ele viu Marlon Brando no passado, movimentou mais o filme, que perde um pouco o ritmo. A partir da metade, o longa tem falas repetitivas, e idas e voltas sem sentido para o desenrolar da história. O monótono só é quebrado a partir do final, quando tudo retorna a eletricidade apresentada no início. Um ponto que poderia ter ficado mais explícito é a passagem de tempo.
A diferença é visível entre um momento e outro do personagem, mas é feito de forma abrupta e que pode confundir quem tiver mais desatento, com a fase mais baixa do filme. Poderia ter ficado mais explícito, por exemplo, quanto tempo se passou de uma conversa e outra.
A direção de arte do filme é um primor, sobretudo nos pequenos detalhes que transporta o público diretamente para a década de 60 e consequentemente com o passar dos anos. A diferença visível entre quem está inserido e não no clube de motoqueiros, seja nas roupas e cenário, é um ponto a ser elogiado. A fotografia também é incrível, deixando a sensação de que você está na garupa de uma moto com as paisagens ou que presencia as brigas violentas.
Todos os elogios possíveis serão poucos para descrever a atuação do excelente elenco. Os protagonistas brilham, se impõem e são viscerais a todo momento, sem deixar a peteca cair, você acredita naquelas pessoas, se coloca no lugar delas, sente as dores, as felicidades, as angústias, tudo. Eles capturam você para o filme e a gente vai acompanhando ali, como se fosse um deles também.
O trio, quase romântico, formado por Austin, Jodie e Tom, se destaca com leveza, virilidade e afeto na tela. É curioso e bonito acompanhar a tensão que existe entre eles e como tudo é levado ao extremo e literal. Os três carregam toda a dramaticidade do filme, sobretudo a personagem da Jodie, que se vê encantada por um homem e luta para mudar certos comportamentos e não consegue. A frustração e o medo se fazem presentes em cada expressão da atriz.
Por fim, o filme consegue transmitir bem os conflitos entre os diferentes personagens e ao mesmo tempo nos sensibilizar com tudo o que acontece, até mesmo nas decisões controversas. Além disso, se dispõe a conhecer esse movimento que conseguiu sobreviver mesmo com o passar do tempo.
Veredito: 4/5
*Dedico essa crítica a tia Sandra, que nos apresentou um pouco da paixão e união de um clube de motoqueiros. Que estejas em um lugar tranquilo. Ninguém por aqui te esqueceu.
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