Como morrem as rainhas: um mês sem Paulinha Abelha e a reflexão sobre pressão estética
Atualizado: 30 de mai. de 2023
por Clarice Rabelo, especial para a TAG Revista
“Não há quem te ame tanto Envolvido em seus encantos Não há jeito de não ter o seu amor”
A música “Paulinha”, dedicada à cantora do mesmo nome, abria um momento especial do show da banda Calcinha Preta. No palco, subia ela, Paulinha Abelha, ovacionada pelo público. Com sua imagem no telão, desfilava pela passarela. A canção seguia inteiramente na voz de Daniel Diau, seu parceiro de trabalho. A função da cantora ali, agora, era uma só: ser apreciada - ou melhor, adorada; como uma rainha.
A história conta que a música foi inspirada por uma carta de um fã apaixonado, desiludido após a notícia do casamento da artista com o também cantor Marlus Viana: “Paulinha, por que se casou?” – questiona a letra.
A história mesmo, porém, nunca foi questionada. Paulinha era uma mulher encantadora. Não era somente muito admirada pelo público masculino, arrancando suspiros, como pelo público feminino, influenciando milhares de meninas e adolescentes na sua época. Uma diva, estrela, que não merecia nada menos do que o título de musa inspiradora.
É justamente sabendo da tamanha importância que tinha e do quanto ela era querida e amada por todos, porém, que sua morte dói tanto. Não só pela morte em si, mas os fatores que levaram a isso.
Paula teve sua morte provocada pelo uso de medicamentos e chás para emagrecer. Nesse sentido, não tem como não ficar triste se perguntando: como uma mulher que foi tida como referência de padrão de beleza para muitas, morreu tentando alcançar esse mesmo padrão?
A resposta, por sua vez, não vem fácil.
História e Carreira
“Paulinha Abelha” é o nome artístico de Paula de Menezes Nascimento Leça Viana, nascida em Simão Dias, município de Sergipe, no dia 16 de agosto de 1978. De origem humilde, começou a cantar aos 12 anos, e chegou a trabalhar como feirante para ajudar o pai.
Em 1998, entrou para a banda Calcinha Preta a convite de Daniel Diau, com quem já tinha uma parceria na banda “Panela de Barro”. Paulinha tinha 19 anos. Era um passo enorme para uma garota tão jovem - a quem seria, anos depois, atribuída boa parte do sucesso da banda.
É fato que o grupo musical do Calcinha Preta trazia consigo, desde seu nome, uma proposta mais romântica, envolvente. As músicas, em grande parte com um apelo sexual presente, contavam também com emocionantes performances quase que teatrais nos clipes e shows.
Ensaiadas ou não, cenas como a do cantor Marlus Viana chorando ao apresentar a música “Ainda Te Amo”, junto à Paulinha, ainda povoam a memória afetiva popular e cativam, desde ali, um público específico, mais sujeito ao fator emotivo, muito antes do termo “sofrência” se consagrar como uma espécie de subgênero musical.
“É que eu ainda te amo Te quero demais Não posso te ver longe assim Fugindo de mim Há coisas que não dá pra apagar”
É preciso frisar, entretanto, que o Calcinha sempre foi uma banda sensual. Essa atmosfera do romantismo não seria suficiente sem isso – e não teria o mesmo sucesso se não houvesse um ícone de sensualidade. Com o tempo, a menina do sorriso gracioso agora era, também, uma mulher sensualíssima, que possuía a presença de palco necessária para prender a atenção da plateia de forma memorável.
Uma morena, bonita, de lentes claras, dentro dos parâmetros de “corpão”, que muitas vezes vinha ainda mais valorizado por figurinos ousados que encantavam os fãs. Como não citar, aqui, suas apresentações para a canção “Babydoll”, em que a cantora aparecia de lingerie e plumas junto às dançarinas? Um marco.
Vinha se formando, nesse contexto, a “abelha-rainha” que conhecemos. E é nesse ponto, também, que precisamos abrir um triste parêntesis.
Abelha-Rainha
Na natureza, mais especificamente na sociedade da colmeia de abelhas, é comum ao olhar não-especializado enxergar a abelha-rainha como um ser, de fato, soberano. O título já se coloca como superior às abelhas operárias, por exemplo, tão menores em função e tamanho. Mas basta um olhar atento e uma rápida leitura sobre o assunto para entender que não é bem assim que funciona.
Uma rainha nasce do mesmo tipo de ovo da operária, sua diferenciação vem a partir da alimentação exclusiva de geleia real.
A partir disso, a abelha-rainha se desenvolve e nasce para cumprir um papel bastante direto – e não necessariamente autoritário – de reprodução. Quando ela começa a dar sinais de falha no papel ao qual foi designada, no entanto, começa um movimento de substituição por uma nova rainha. As abelhas operárias, as mesmas operárias que a nutriram e a fizeram rainha, se juntam e matam a “rainha velha” por sufocamento.
Numa triste analogia - que se aplica de certa forma, também, ao gênero feminino como um todo - assim foi com Paulinha. Aqueles que a incumbiram ao posto de musa, cobravam que se mantivesse essa imagem. Cercada pela pressão estética, a artista já dava sinais, há muito tempo, que estava sufocando.
Apesar de, com o tempo, ter abandonado o uso das lentes de contato claras e arriscado menos nos figurinos, Paulinha se mantinha uma mulher vaidosa e preocupada com a autoimagem. Em 2020, Paulinha publicou em seu canal do YouTube o processo de realização de três procedimentos estéticos no rosto: lipo de papada, bichectomia e preenchimento do queixo.
Contudo, estes não seriam os únicos procedimentos que a cantora realizaria ao longo da carreira, que já contava, por exemplo, com uma lipoaspiração e implante de silicone
em 2009, menos comentados na época. Nas redes sociais, parecia feliz e realizada. Encontrava certa resistência, porém, em declarações do tipo “você marcou minha infância”, que denotavam a passagem dos anos, mas sempre se esquivava da situação de forma bem-humorada.
Em sua última entrevista, dada ao Programa de podcast “PodPah” no dia 8 de fevereiro, ainda que visivelmente abatida, Paulinha ria e brincava com esse e outros fatos junto aos demais membros da banda. Ela havia sentido um “passamento” (desmaio) poucos minutos antes de ir ao ar.
Três dias depois, Paulinha seria internada, falecendo no dia 23 de fevereiro de 2022, aos 43 anos.
Uma perda inestimável para o forró e a música brasileira de forma geral.
Todavia, para além da tragédia do acontecimento, o laudo médico iria revelar a gravidade dos fatos: cerca de 16 substâncias foram encontradas no corpo da cantora. O exame toxicológico indicou que Paulinha fazia uso de medicamentos para emagrecer, além de redutores de apetite receitados pela nutróloga que a acompanhava. Tais drogas, que possuíam tarja preta, foram descritas como “potencialmente hepatotóxicas” pelos médicos, ou seja, danosas ao fígado. Isso afetou de forma direta sua morte, pois dentre as 4 doenças identificadas, uma delas foi a hepatite medicamentosa, além de insuficiência renal - que também está relacionada ao uso de medicamentos.
O que podemos tirar de seu luto, porém, não está restrito à Paula. A verdade é que à mulher não é dado o direito de envelhecer. O direito de se sentir confortável na própria carne. O direito natural e biológico de padecer, de estar igualmente sujeita à gravidade e ao tempo como qualquer outro ser vivo. Antes de qualquer coisa, são oferecidos creme para as rugas, tinta para os cabelos brancos, cirurgias de preenchimento, lifting, cosméticos e procedimentos dos mais variados que distanciam cada vez mais mulheres da condição humana, e as aproxima de qualquer outro produto. Paulinha havia sido engolida pelo mercado da beleza. Mercado este que muitas vezes a própria Paulinha esteve de vitrine.
Ainda assim, o que mais choca não é só ver o padrão estético se contradizer e se perpetuar, mas saber que existe o aval de diversos profissionais de saúde para que isso aconteça. A cantora do Calcinha Preta possuía pleno acompanhamento médico e seguia orientações de uma dessas pessoas no uso dos inibidores, o que torna toda a situação ainda mais absurda e imperdoável. A luta, agora, é para responsabilizar esses profissionais por meio de condenações formais de homicídio e estelionato, caso sejam considerados culpados pela Justiça.
Se isso for feito, será não só uma forma de justiça pela sua partida prematura, como um passo que se dá contra essa pressão estética.
Repercussão
A morte de Paulinha levantou bastante o assunto sobre essa busca exagerada por uma perfeição inexistente. Na internet, são diversos os movimentos que já tentam levantar esses questionamentos – como o movimento #BodyPositive, cujo objetivo é criar um ambiente saudável de percepção corporal. A ideia busca, através da reprodução de conteúdos mais plurais que se relacionam com o público de forma mais direta e verdadeira, evidenciar corpos e tipos físicos geralmente excluídos da grande mídia.
Dessa forma, gerando mais conforto e aceitação da grande maioria que não se sente representada pelos padrões de beleza impostos. No entanto, apesar de uma ótima iniciativa, o movimento ainda parece ter mais efeito a longo prazo. Por isso mesmo, é necessário que, muito mais do que levantar hashtag, medidas práticas e objetivas sejam tomadas.
É preciso que profissionais de saúde sejam responsabilizados, digitais influencers sejam intimadas e estruturas mercadológicas apontadas diretamente. Caso contrário, meninas irão continuar se odiando, mulheres irão continuar morrendo e o capitalismo continuará lucrando com isso.
Nesse 1 mês de partida de Paulinha, a mensagem que fica é: protejam nossas rainhas.
Descanse em paz, querida.