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Construindo sorrisos

por Vinícius Souto, especial para a TAG revista



Vinte e três pontos na sutura de cada lado, milhares de sorrisos construídos, todos

juntos ao meu, contando histórias que jamais serão esquecidas por alguém, principalmente, por mim. Sou um arquiteto de sorrisos, colecionador de projetos

incríveis e muitos outros inacabados que marcam toda a minha carreira em um

corpo mutável e que é só meu.


Eu estava inconsciente na mesa de cirurgia, mas podia imaginar cada ponto sendo costurado em meu peito. Esse foi o projeto mais importante que construí, que durou vinte e três anos para estar pronto e o primeiro ponto trouxe no colo o Caíque de 2004 para formar o sorriso que queríamos dar ao longo desses anos tão difíceis que passamos juntos. Os pontos seguinte vieram com os vestígios do que fomos por tanto tempo: um garoto dissidente frente a um cistema heterocentrado que nos tornou a maior (r)existência nos dias de luta para destruir toda segregação que nos impedia de viver fora das margens.



No décimo ponto, pequenos sorrisos foram atrelados uns aos outros. A primeira

roupa no gênero pertencente, as primeiras vezes em que seu nome ecoava nos

espaços, assim como ouvir os pronomes “ele/dele”, o primeiro corte de cabelo e o

primeiro ensaio fotográfico sendo quem sempre escondeu. Naquele momento,

foram esses pontos que (trans)bordavam seu peito de felicidade. E eles seguiam

traçando cada sorriso dado em meio a tantos outros que carregavam lágrimas e

doses de 4ml de amor juntos.


O vigésimo primeiro ponto foi de encontro a um sorriso que ia de um lado ao outro, carregado de orgulho e alívio. Caíque segurou em minha mão todo esse tempo e naquela manhã de oito de dezembro estava a nos olhar com os olhos marejados de amor e carinho por termos sobrevivido a tantas dores que nos arrancavam o ar e apertavam as costelas e o peito. O fim do nosso relacionamento mais tóxico e abusivo acabava ali, na mesa de cirurgia.


O vigésimo segundo ponto trouxe universos infinitos, construídos por tantos sorrisos que queriam ver o meu, que mensurar ou quantificar é algo impossível. Carrego em meu peito universos que desconheço, mas tão sorridentes que agora compõem o meu maior ato de gratidão e liberdade. Os sorrisos que vocês não encontram em minha boca estão formados por todes aqueles que acreditaram no Caíque de 2004, o abraçaram e o acolheram para que vivesse confortável em todos os outros amanhãs de nossas vidas.



O último ponto. O vigésimo terceiro é um ponto aberto para o Caíque do futuro. É

aqui que a gente vai enlaçar e encontrar todos os sorrisos que já demos juntos e tudo o que vamos conquistar lá na frente é resultado de todas as histórias suturadas até aqui. Somos frutos de projetos construídos com tantos universos sorridentes, que o seu eu do presente se (re)faz todos os dias para que você (trans)borde todo amor suturado em seu peito e na ausência dele, conte com todos os sorrisos que construímos e fomos construídos ao carregá-los conosco todos esses anos.


 

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