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Copa do Mundo 2022: Catar se mostra ameaçador para mulheres e à comunidade LGBTQI+

Atualizado: 10 de mai.

O evento mais importante do futebol está acontecendo pela primeira vez no Oriente Médio, especificamente em um país que não aceita pessoas "fora do padrão"


No domingo (20) começou mais uma Copa do Mundo, torneio esportivo organizado pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) para eleger a melhor Seleção do mundo. Esta é a primeira vez que o torneio acontece com o vírus da Covid-19 em circulação.


A última Copa aconteceu na Rússia, em 2018, e teve a vitória da França. O Brasil continua sendo o maior campeão do torneio, com cinco taças (1958, 1962, 1970, 1994 e 2002), e vai em busca do tão sonhado hexacampeonato. A expectativa só tem crescido no país com o passar dos dias.


Pela primeira vez a Copa está acontecendo em um país do Oriente Médio, o Catar. Com a escolha definitiva da sede, foram necessários alguns ajustes para receber bem os jogadores e comissões. O principal, além de construir hotéis, estádios e transporte, foi a data e mês que seria realizada.


De forma inédita, o torneio acontece entre novembro e dezembro. Isso porque o meio do ano - período habitual da competição - sofre com temperaturas elevadíssimas na região. Para preservar a saúde física dos atletas, o comitê organizou um novo mês exclusivamente apenas para o Mundial de 2022.



Como é feita a escolha do país-sede da Copa do Mundo?


Estádio da Copa do Mundo, no Catar | Foto: Reprodução

A escolha do Catar para receber a Copa do Mundo 2022 aconteceu em 2010. O protocolo da FIFA ordena que é necessário escolher os países sede oito anos antes.


Qualquer país pode se candidatar, exceto os continentes que sediaram nos dois anos anteriores. Ou seja, Ásia e América do Norte (Catar 2022 e Canadá, México e Estados Unidos 2026) não podem se candidatar para 2030. A escolha é feita pelos membros do Conselho da Fifa, que analisam vários aspectos políticos e financeiros para aceitar ou não a candidatura.


No ano que o Catar foi escolhido para ser sede, em 2010, a ideia que se tinha do país era o futuro. As obras homéricas e a modernidade em curso já estavam presentes, e o desejo de abrir o país para o ocidente também. Em contrapartida, a sociedade e a unidade política eram completamente antiquárias e as coisas só pioraram nesses quase 11 anos.


Em 2014, o jornal inglês 'The Sunday Times' fez uma investigação que provava que o Catar pagou cerca de 5 milhões de dólares em propina para garantir que o conselho aceitasse a candidatura. Na época, o Comitê negou as acusações e as trocas de e-mails que provavam as irregularidades.


A monarquia absolutista é o que rege o Governo do Catar tendo a figura do Emir Tamin bin Hamad Al Thani como líder. Ele assumiu o trono em 2013, após o pai abdicar. A sharia é uma espécie de legislação que rege o Catar atualmente. O sistema mistura questões de direitos civis, mas sobretudo o que a religião islâmica fala sobre como os comportamentos e costumes que homens e mulheres precisam seguir.



Misoginia e homofobia dominam


Jogadores da Alemanah se manifestaram contra a censura na Copa do Catar em jogo contra o Japão nesta quarta (23) | Foto: Reprodução/Reuters/Annegret Hilse

As leis existentes no Catar são completamente contra as pautas LGBTQI+. O casamento gay é proibido e qualquer tipo de demonstração afetiva entre pessoas do mesmo sexo são condenadas. Segundo a Amnistia Internacional, caso as pessoas sejam flagradas a pena pode chegar a sete anos de prisão.


A organização Human Rights Watch (HRW) acusou recentemente as autoridades policiais do Catar de prender e maltratar pessoas da comunidade LGBTQI+ no país. Elas ficaram encarceradas e sem acesso a um advogado ou qualquer tipo de ajuda.


As forças de segurança prenderam pessoas em locais públicos com base unicamente na sua expressão de género e analisaram ilegalmente os seus telemóveis. Como requisito para a sua libertação, as forças de segurança ordenaram que as mulheres transgénero detidas participassem em sessões de terapia de conversão num centro de 'apoio comportamental' patrocinado pelo Governo, disse a HRW em comunicado.

Os direitos das mulheres são inexistentes no país que prega machismo e misoginia. Todas precisam viver sobre a regra da "tutela masculina", ou seja, não podem aparecer em público desacompanhadas. Nem mesmo o divórcio é considerado normal, já que elas perdem a guarda dos filhos e ficam completamente à mercê do julgamento social.


Este ano o caso de Paola Schietekat ganhou grande repercussão na imprensa internacional. Ela é mexicana e foi trabalhar como economista no Comitê da Copa do Mundo.


Em junho de 2021, ela denunciou que sofreu agressões físicas e sexuais de um homem, que entrou em seu apartamento à força. Paola foi à polícia denunciar, mas a situação se reverteu contra ela. Ela foi acusada de ter feito sexo fora do casamento, segundo a lei islâmica, e foi condenada a sete anos de prisão e 100 chibatadas.


Caso quisesse reverter a pena, ia precisar se casar com o agressor. A vítima precisou expor publicamente a série de abusos que sofreu nas redes sociais até que conseguisse ser ouvida pelas autoridades do México.


Após esse processo, percebi que, apesar de meus diplomas acadêmicos, preparação profissional, independência financeira e apesar de trabalhar para o governo do Catar, sou vulnerável a violações de direitos humanos por instituições arcaicas e abusivas, e incapaz de encontrar proteção em meu consulado, escreveu no Facebook.

Após a repercussão, Paola conseguiu sair do Catar no ano passado, mas não houve nenhum tipo de punição contra o agressor. A Secretaria de Relações Internacionais do México confirmou que o processo contra ela foi "concluído".


Porém, a economista relatou que ainda está sendo acusada em um processo na Procuradoria e espera que as questões sejam resolvidas em breve.



Proteção aos torcedores


Apesar das polêmicas e violações de direitos humanos, o emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani, garante que os torcedores serão bem recebidos no país. "As portas [estão abertas] a todos os simpatizantes, sem discriminação", disse perante os membros das Nações Unidas, no dia 20 de setembro.


Ele enxerga que a Copa é o evento ideal para apresentar o país ao ocidente e também para mostrar quem são, "não apenas como economia e instituições, mas também a identidade de nossa civilização".


A FIFA está confiante na segurança e nos acordos feitos no país em combate a discriminação contra minorias. Em contrapartida, censura e silencia qualquer menção a símbolos da comunidade LGBTQI+ e do movimento de Direitos Humanos. As promessas de que bandeiras e camisetas com arco-íris seriam permitidas não foram cumpridas.


No início da semana, a Bélgica precisou mudar o padrão do segundo uniforme após proibição da FIFA. A palavra "Love" estava na gola das camisas. Segundo a Federação Belga, o uniforme só conseguiu a liberação após a promessa de mudança.


"O desenho da camisa foi inspirado nos famosos fogos de artifício do festival de música Tomorrowland e representa os valores comuns de diversidade, igualdade e inclusão", disse as explicações na época.


Nesta terça (22), o jornalista Victor Pereira foi hostilizado pelas autoridades por estar com uma bandeira de Pernambuco, que tem um arco-íris. Ele teve seu celular tomado e só foi devolvido quando ele apagou o vídeo em que registrou o ocorrido.



Os países europeus costumam usar uma braçadeira do 'OneLove', campanha que promove dar visibilidade a diversidade no esporte. Porém, a Federação também censurou as Seleções. Os capitães que quiserem promover a ação, terão que se submeter ao faixa da FIFA, preta e com o escrito "não à discriminação".


Além disso, a organização deixou avisado que caso alguém desobedeça terá punição. Os jogadores podem receber um cartão amarelo antes do início do jogo ou multa. Nessa segunda-feira (21), o público estava na expectativa para saber como as Seleções iam se comportar diante as proibições. Antes do primeiro jogo do dia, um comunicado foi enviado à imprensa.


A Fifa tem deixado muito claro que imporá sanções esportivas se nossos capitães usarem as braçadeiras no campo de jogo. Como federações nacionais, não podemos colocar nossos jogadores em uma posição em que possam enfrentar sanções esportivas, incluindo cartões amarelos, por isso pedimos aos capitães que não tentem usar as braçadeiras nos jogos da Copa do Mundo

Harry Kane, capitão da Inglaterra, não utilizou a tradicional braçadeira do 'OneLove'. Porém, puxou todo o time para se ajoelharem em campo rapidamente. A ação é um protesto antirracista que acontece nas partidas que os ingleses jogam.



A Seleção do Irã também surpreendeu em não cantar o hino do país em forma de protesto. A ação já tinha acontecido em outras partidas e pode continuar ao longo do campeonato, caso eles também não sejam censurados.


"Vocês nem imaginam o que esses rapazes estão vivendo a portas fechadas nos últimos dias", disse o treinador Carlos Queiroz. Ele informou que a situação política afetou diretamente o time.


Para quem não sabe, o país vive uma onda de protestos há dois meses após a morte de Mahsa Amini. A garota de 22 anos foi morta após a polícia acusar ela de "uso inadequado" do hijab, o véu islâmico.


Desde o início da revolta das mulheres, cerca de 380 pessoas morreram, sendo 47 crianças. As informações são do Iran Human Rights Watch. Desde então, feministas do mundo inteiro estão apoiando os protestos das iranianas, que sofrem com a misoginia e autoritarismo do país.


É importante destacar que a comunidade árabe e muçulmana sofre com preconceitos causados pelo imperialismo ocidental há decadas. A realidade do Catar, que possui um estado fundamentalista, não reflete os princípios do islamismo. O muçulmano e cientista religioso Atilla Kus explica que "qualquer prática que tenha a ver com a religião islâmica deve ocorrer através da livre vontade, pois o contrário é hipocrisia, o que o Alcorão abomina".


Ou seja: o que está acontecendo hoje na Copa do Mundo no Catar é prejudicial tanto para o islamismo, a imagem da comunidade muçulmana, como também para a prática esportiva e social no maior evento do esporte mais popular do mundo.


Inseridos nesta situação geopolítica, a proibição da FIFA de coibir qualquer tipo de manifestação política se mostra arbitrária e sem senso da realidade. Porém, percebe-se que os interesses financeiros do futebol estão acima das questões humanas e sociais.


Apesar de negarem, sabemos que o esporte foi e continua sendo utilizado para trazer e ampliar debates importantes. Impedir que este tipo de temática seja conversado dentro do mundo futebolístico só afasta ainda mais os torcedores e oprime quem vive no esporte. Mesmo com as proibições, os jogadores e as Seleções mais politizados continuam protestando e temendo as represálias da FIFA e Confederações.

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