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Foto do escritorMikhaela Araújo

"A Pequena Sereia": um acerto da Disney entre seus remakes live-action

Atualizado: 30 de mai. de 2023

Com destaque para Halle Bailey, a versão moderna da história de Ariel consegue arrancar sorrisos e lágrimas de quem assiste


Ter recebido um criação superprotetora dos pais é a realidade de muita gente no mundo. Pode ter sido a sua, foi a minha. E foi também a de Ariel, personagem conhecida e querida pelo público da Disney desde 1989, ano em que foi lançada a clássica animação “A Pequena Sereia”.


Mais de três décadas depois, a história ganhou um remake em versão live-action e com uma pequena sereia de dreads ruivos, pele preta e uma voz que com certeza deixaria qualquer um obcecado, assim como acontece com o Príncipe Eric.



O fundo do mar também tem diversidade racial


Com estreia nos cinemas brasileiros no dia 25 de maio, sob direção de Rob Marshall (“O Retorno de Mary Poppins”) e roteiro de Jane Goldman (“X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”), o longa é protagonizado por Halle Bailey, que trabalha como atriz e cantora desde a infância. Ela é, com certeza, o grande trunfo do remake, por conta da competência nas habilidades necessárias para interpretar uma personagem como Ariel. Já era de se esperar uma ótima entrega de Halle, principalmente considerando que, quando foi anunciada no papel, a artista sofreu diversos ataques racistas - ataques, esses, que infelizmente ainda estão acontecendo.


Em entrevista ao The Guardian, Bailey falou sobre sua reação às ofensas: "Quer dizer, é claro que eu já esperava por isso. No mundo em que vivemos hoje, apenas ser uma mulher negra já te dá consciência de certas coisas que vão acontecer em sua vida, num geral. Não fiquei surpresa nem chocada com os ataques que recebi", comentou. Segundo a prória, ela aceitou o trabalho mesmo sabendo das consequências por conta da questão da representatividade.

"Se eu tivesse visto uma sereia negra na minha infância... teria sido uma loucura, mudaria toda a minha perspectiva, a minha vida, a minha confiança, minha autoestima. [...] É transformador ver alguém que se parece com você em determinados papéis. Algumas pessoas pensam que não faz diferença, mas essas pessoas geralmente se viram representadas nesses papéis a vida toda. Não significa muito para eles, mas para nós sim" - Halle Bailey

Bailey fez um excelente trabalho em responder as críticas com a sua performance no novo longa. Ela é linda, cativante e carismática, até mesmo quando está sem voz ao trocar o seu dom por um par de pernas. Quando ela canta, então, nem se fala. É praticamente impossível não sentir os pelos do corpo arrepiarem ao ouvi-la cantar "Part of Your World", música que já estava presente na animação de 1989 - interpretada por Jodi Benson - e aparece melhorada na voz da cantora de 23 anos.


É interessante pontuar que as irmãs de Ariel também estão racialmente diversas, seguindo as diferentes raças presentes nos continentes do Globo e as refletindo nos Sete Mares. Sienna King é Tamika, Karolina Conchet é Mala, Nathalie Sorrell é Caspia, Kasja Mohammarc é Karina, Lorena Andrea é Perla e Simone Ashley (sim, a Kate Sharma de "Bridgerton") é Indira.


Musical clássico


As músicas originais do filme de 1989 ganharam novas versões. A cena de "Under the Sea" é um dos pontos altos do live-action, com vocais de Daveed Diggs, que deu voz ao caranguejo Sebastião. Nesta faixa, Bailey também participa, mudança bem-vinda, já que, mesmo querendo ir para o mundo dos humanos, Ariel também tem apego ao fundo do mar.


A trilha sonora do remake ficou nas mãos de Alan Menken, compositor principal do longa original, e de Lin-Manuel Miranda, responsável pela trilha de "Encanto" e conhecido pelo seu musical "Hamilton". Algumas letras originais foram alteradas para adequação ao contexto social atual, como a de "Kiss the Girl", com versos que destacam a necessidade do consentimento na hora de beijar alguém. "Poor Unfortunate Souls", o solo da vilã Úrsula (Melissa McCarthy), também sofreu mudanças para evitar mensagens ruins para o público mais jovem.


O longa tem três novas faixas originais, todas compostas por Rencken e Miranda: "Scuttlebutt", rap divertido cantado por Sebastião e Sabidão (Awkwafina); "Wild Uncharted Waters", interpretada pelo Príncipe Eric (Jonah Hauer-King) e "For The First Time", de Ariel (Halle Bailey).


As músicas interpretadas por atores que não possuem tanta experiência musical, como Jonah Hauer-King e Melissa McCarthy, acabaram deixando evidente a discrepância entre eles e os atores que já são experientes na área.



Ariel habita mares caribenhos?


Um ponto interessante na nova adaptação da história da sereia que quer ser humana é o contexto histórico presente no longa, que praticamente não existe na animação original. Aqui, as características do Caribe são mais fortes, e há, inclusive, menção temporal ao século XIX - até o Império Brasileiro é citado. Uma sequência de Ariel descobrindo o mundo dos humanos através de uma feira com música e dança caribenhas é bonita e divertida, e a escolha da sereia ser negra faz ainda mais sentido.

A Rainha Selina, interpretada por Noma Dumezweni, é cheia de classe e ao mesmo tempo, gentileza. Inclusive, não dá para deixar de destacar que Dumezweni fez o papel de Hermione Granger nos teatros, na peça “Harry Potter and the Cursed Child” - mais uma personagem clássica que, na primeira adaptação, era branca, para o terror dos racistas apegados ao passado.


Os figurinos e ambientação do filme fogem mais do eurocentrismo, diferente da animação de 1989 - considerando que ainda estamos falando sobre uma produção completamente estadunidense. As vestimentas de Ariel arrancaram críticas ferrenhas de vários fãs da personagem, que sentiram falta de vestidos brilhosos e extravagantes.


De fato, alguns figurinos da personagem poderiam ser mais ousados, mas não chega a atrapalhar tanto a obra. Senti falta de pelo menos um grande vestido digno de uma princesa, principalmente nas cenas finais do longa entre Ariel e Eric.


Mas nem tudo são flores. Apesar do ponto positivo na maior representatividade, o longa também apresenta problemas nesse sentido, como a falta de atores que são, de fato, do Caribe. Daveed Diggs tenta emular um sotaque diferente do seu que fica forçado, não fica natural. Um exemplo de sotaque real de um americano-caribenho é o de Rihanna. Mas, aparentemente, para um grande estúdio dos EUA como a Disney, colocar pessoas negras no elenco já é "muito". Como assim ser negro não te torna automaticamente apto a imitar sotaques de outras áreas do mundo que não são a sua? E não é culpa do elenco em si, mas sim da equipe de produção e do próprio estúdio.


Carisma dentro e fora do oceano


Um ponto forte da trama é a química entre os personagens de Halle Bailey e Jonah Hauer-King. Os atores, que também se dão bem fora das telas, tem uma ótima interação entre si no filme. O personagem de Eric é diferente aqui, com mais profundidade nas suas características, que o aproximam ainda mais de Ariel e fazem com que a relação dos dois se torne ainda mais apaixonante - a forma que o roteiro encontrou para Eric descobrir o nome de Ariel quando ela está sem voz é realmente cativante.


Ainda sobre relações, a de Úrsula (Melissa McCarthy) e o Rei Tritão (Javier Barden), que são irmãos, é pouco explorada, deixando um certo vazio na história. Melissa McCarthy não foi a melhor escolha para o papel. Na animação, a Bruxa do Mar é uma personagem fluida em todos os sentidos, mas McCarthy não consegue transmitir isso e está quase que travada. Já Vanessa, a versão humana de Úrsula, foi interpretada de forma primorosa por Jessica Alexander, uma grata surpresa. Já sobre boas atuações que não são surpreendentes pelo histórico e experiência do ator, Javier Barden está ótimo como o Rei Tritão, conseguindo passar diversas emoções de um personagem complexo apenas com o olhar.



As vozes de Sabidão (Awkwafina), Sebastião (Daveed Diggs) e Linguado (Jacob Tremblay) funcionam, mesmo que os visuais realistas causem certo estranhamento à primeira vista. Os três, principalmente Sabidão e Sebastião, são, assim como na animação, o grande alívio cômico da história, arrancando risadas da audiência em diversos momentos.


Diversão e emoção nas telas


De forma geral, o remake consegue atualizar a história para a modernidade ao mesmo tempo que é extremamente fiel à animação original, com alterações que, mesmo sendo pequenas e pontuais, fazem a diferença. Com cerca de 30 minutos de duração a mais que o filme de 1989, o live-action consegue contar o enredo de forma menos apressada sem se tornar cansativo.


Alguns problemas existem - além dos já citados, o CGI também é estranho em certas cenas, como na batalha final contra a vilã -, mas, como um todo, o filme é visualmente bonito, os personagens conquistam, e a história diverte e emociona na mesma medida, usando a nostalgia ao seu favor sem arruiná-la (como aconteceu no terrível "Pinóquio", lançado em 2022, e em outras versões live-action da Disney).


É possível afirmar que o longa está entre os melhores remakes live-action dos clássicos da Disney, ainda que não supere "Mogli - O Menino Lobo" (20216). Se você quer duas horas de entretenimento que funciona para a família toda, a nova versão de "A Pequena Sereia" provavelmente é a resposta que você procura.


Veredito: 3,7/5

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