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Foto do escritorThallys Rodrigo

Os altos e baixos de ‘Amor de Mãe’

Atualizado: 30 de mai. de 2023



Adiamentos, baixa audiência e até uma pandemia. Desde sua concepção, a novela ‘Amor de Mãe’ sofreu diversos problemas, mas na sexta-feira (10), finalmente teve sua exibição concluída. Em meio a reclamações na internet e várias cenas emocionantes, a segunda fase da obra, gravada durante a pandemia da Covid-19, ficou marcada pelas medidas duvidosas tomadas com o roteiro e o nível elevado de violência. Mas será que entre mortos e feridos, no fim, tudo se salvou? Vamos refletir um pouco sobre isso.


Uma novela sem cara de novela


‘Amor de Mãe’ chamou a atenção desde o início por ser “uma novela sem cara de novela”, com um visual que remetia ao cinema, e uma abordagem narrativa mais realista. O diretor José Luiz Villamarim (‘Avenida Brasil’, ‘Justiça’) e o diretor de fotografia Walter Carvalho (‘Central do Brasil’, ‘Carandiru’) utilizaram plano sequência e enquadramentos arrojados para contar a história de três mãe de classes sociais diferentes: Lurdes (Regina Casé), Thelma (Adriana Esteves) e Vitória (Taís Araújo).


A história mesclava elementos sofisticados - como a presença de personagens que tinham ações moralmente reprováveis, mas não eram vilões - com tramas já muito vistas nas novelas, o que criava um clima único. A autora Manuela Dias criou histórias que se entrelaçam de forma bastante surpreendente, como já havia feito anteriormente em sua minissérie ‘Justiça’, de 2016. De repente, o espectador descobria que dois personagens aleatórios eram pai e filho ou tiveram algum problema no passado. Era como se o destino ou o acaso fossem o personagem principal, unindo os outros de forma inevitável.


Essa força do destino remete à tragédia grega ‘Édipo Rei’, onde o personagem-título, sem saber, mata o pai biológico e se casa com a mãe, após ter sido separado deles quando bebê. A autora já assumiu se inspirar em histórias gregas no seu trabalho, e isso é perceptível na trama principal. A busca de Lurdes por seu filho Domênico, raptado e vendido para Thelma, remete à história de Helena, levada de onde morava por Paris, integrante da família real de Tróia. O resultado disso, segundo a mitologia grega, foi a guerra de Tróia, narrada no poema épico ‘Ilíada’, e que é análoga à guerra sangrenta travada por Thelma ao não querer perder seu filho.


O combo entre fotografia inovadora e temas realistas, com uma representação recorrente de violência, apelava a um público-alvo diferente das últimas novelas do horário. A repercussão nas redes sociais entre jovens usuários do Twitter era alta, mas o mesmo não se podia dizer da audiência geral: nos seus primeiros meses, oscilou entre 28 e 30 pontos na Grande São Paulo, índice considerado morno para uma novela das 21h. Assim, ‘Amor de Mãe’ voltou a atrair um público que talvez não se interessasse muito em novelas desde ‘Avenida Brasil’, mas deixou os espectadores mais comuns da Globo meio reticentes.


Primeiros acertos (e erros)


Muitos foram os destaques da primeira fase, exibida entre novembro de 2019 e março de 2020. A proposta de direção gerou cenas bem filmadas, como o plano-sequência do primeiro capítulo envolvendo vários personagens e o primeiro encontro de Camila (Jéssica Ellen) e Danilo (Chay Suede) em cima de um viaduto. Além disso, a história rendia momentos marcantes. Quem acompanhou a novela desde o início provavelmente se lembra da graça absurda da cena onde Thelma e Lurdes acham dinheiro no mar ou do aperto que deu no peito ao ver Sandro (Humberto Carrão) confrontar, Vitória, a mãe que o abandonou. Também eram interessantes as nuances diversas que os personagens possuíam. Raul (Murilo Benício), por exemplo, era um dos “mocinhos”, mas tinha atitudes extremamente elitistas, enquanto Belizário (Tuca Andrada) era miliciano e assassino, mas inicialmente se mostrou verdadeiramente apaixonado e respeitoso com Penha (Clarissa Pinheiro).

Apesar de tudo isso, a novela aos poucos foi apresentando alguns sinais de cansaço ou de falhas estruturais: a busca de Lurdes por Domênico andou em círculos durante muito tempo; as coincidências aplicadas na história passaram a ser tantas que deixaram de surpreender e passaram a incomodar; temas de grande relevância como a educação pública e a preservação ambiental foram expostos de forma didática demais, beirando a chatice; e personagens que poderiam render muito, como Wesley (Dan Ferreira), foram assassinados muito cedo. Outra questão que irritou parte do público (com razão) foi a troca exagerada de casais. Pares que funcionavam, como Betina (Isis Valverde) e Magno (Juliano Cazarré), acabaram, e deram lugar a romances não tão carismáticos, como o de Betina e Sandro.


Em meados de março de 2020, a audiência geral da novela aos poucos aumentava, e isso se deu muito provavelmente por conta de alterações na proposta da novela. O objetivo de apresentar personagens humanizados continuava, mas Thelma e Álvaro (Irandhir Santos) pareciam cada vez mais com vilões tradicionais de novela. Além disso, algumas técnicas de filmagens menos tradicionais deixaram de ser utilizadas e histórias mais sutis deram lugar a situações mirabolantes e pouco justificáveis, mas que movimentavam a trama, como as dificuldades financeiras e profissionais enfrentadas por Vitória. Aqueles que antes haviam gostado da história torceram o nariz, mas a audiência crescia entre o público geral. Além do conflito entre as características que assumiu, a novela ainda teve que adotar mais uma, em decorrência da Covid-19.


No meio do caminho tinha uma pandemia


Com a escalada crescente de casos de COVID-19 no Brasil, as gravações de ‘Amor de Mãe’ foram interrompidas e a novela só voltou a ser gravada em agosto. O número de capítulos a serem filmados foi reduzido pela metade, de 50 para 23. A fase final foi finalmente exibida, quase um ano após a interrupção. Infelizmente, não deu pra dizer que a novela sobreviveu bem às adversidades. A impressão que se tem é de que a autora escolheu condensar os acontecimentos dos mais de 50 capítulos que haviam sido projetados inicialmente na nova quantidade, ao invés de repensar as histórias para uma conclusão mais curta. O que se viu foi uma sequência de capítulos repleta de acontecimentos bombásticos, mas com pouca coerência lógica e que também não despertava mais impressões tão positivas dos espectadores.


A segunda fase da história deu um pulo de 6 meses no tempo, uma solução narrativa que por si só, pode dificultar a compreensão da motivação dos personagens. Afinal, os atos de uma pessoa mudam muito com o tempo e as “pessoas” de ‘Amor de Mãe’ corriam o risco de não serem mais as que havíamos conhecido. E realmente não eram. Alguns casos foram os de Thelma, que virou uma assassina sanguinária em pouquíssimo tempo, e Davi (Vladimir Brichta) e Érica (Nanda Costa), que engataram um romance do nada. Pela correria, histórias que rendiam muitos capítulos, como a prisão e soltura de Álvaro e Penha (Clarissa Ribeiro) foram expostas em um único capítulo.


Os espectadores também se viram incomodados com o peso que a trama assumiu. ‘Amor de Mãe’ sempre foi uma novela pesada, mas a quantidade de sofrimento e violência adotada na reta final jogou contra a novela e seu público. Vários assassinatos e sequestros dominaram a história, incluindo o de Lurdes, cuja morte forjada levou a história para outro patamar do desnecessário. A novela ganhou o apelido de Pavor de Mãe nas redes sociais, e com razão.


Um dos maiores focos de reclamação está na exploração do sofrimento dos personagens negros, tendência midiática praticada em diversas novelas, filmes e série, que já estava presente antes da nova fase, mas se intensificou no fim. Desde o início da novela: Wesley (Dan Ferreira), Rita (Mariana Nunes), Marconi (Douglas Silva) e Lucas (Nando Brandão) foram assassinados. Camila passou a novela inteira sofrendo e sendo violentada de diversas formas, numa trajetória que a autora definiu como uma escolha para mostrar a força da personagem. Mas será que é realmente preciso que isso aconteça para demonstrar a força de alguém? Será que pessoas pretas tem que ser fortes o tempo todo e aguentar tudo de ruim até na ficção? A resposta, Manuela Dias, é não.



Outro ponto a se lamentar é a já citada personagem Vitória Amorim. Ela deveria ser a volta triunfal de Taís Araújo ao protagonismo no horário nobre - depois da experiência horrível em ‘Viver a Vida’, em 2009 - e no início realmente foi. Era uma personagem complexa e forte, que mesmo diante de algumas soluções duvidosas de roteiro, não recebeu de sua intérprete uma performance nada menos que perfeita. Com a volta da novela, o que se viu foi Vitória se desdobrando entre fiapos de história que pertenciam muito mais a outros personagens do que a ela mesma. Entre eles, uma abordagem extremamente vergonhosa e superficial da violência doméstica e uma “disputa” por seu filho adotivo com a mãe biológica dele, que foi feita de forma corrida e rivalizou de forma injusta duas mulheres negras, provocando sofrimento para ambas.


Somado a isso, estava a retratação de casos graves de contaminação (e quase morte) por Covid-19. Mostrar a realidade é um instrumento importante de conscientização pública, mas também provoca estafa nos telespectadores que já são bombardeados diariamente com o assunto. Foram vistos na novela os mesmos protocolos vistos na vida real, como a presença de máscaras, e também personagens infectados pela doença, mas também houve um nível de desserviço ao mostrar os personagens falando que já estavam imunizados contra o coronavírus por já terem contraído (o que não é verdade), e situações absurdas como Érica e Davi se beijando através de uma placa de acrílico.


Destaques e um balanço geral


Lurdes Santos da Silva, protagonista absoluta de ‘Amor de Mãe’, é uma “mulher do fim do mundo”, como diria Elza Soares. Lutou até o fim para ter seu filho de volta, criou os outros filhos em meio a muitas dificuldades e encantou o público o tempo todo. Em sua volta às novelas, Regina Casé fez uma composição incrível e emocionante para a personagem, que ativou a memória afetiva de muitos espectadores, que lembraram de suas mães e avós. Ela era o coração, a alma e os ossos da novela. Sua casa e sua família aqueceram o coração desse país. Independente das decepções com a novela, Lurdes já é uma das personagens mais icônicas da teledramaturgia deste século.




Também não dá pra ignorar o elenco incrível da novela, com destaque para alguns nomes em específico: Jéssica Ellen brilhou mesmo com a trajetória questionável da personagem Camila e merece um grande futuro nas telas; Enrique Diaz conquistou todos com seu hilário Durval; Malu Galli levou Lídia muito além do clichê de mulher rica e fútil; Irandhir Santos imprimiu uma marca única em Álvaro; Humberto Carrão não merece outro adjetivo que não “incrível”. Por fim, aquela cujos elogios já viraram lugar comum: Adriana Esteves, que mesmo quando o roteiro ameaçou isso, não fez de Thelma outra Carminha, mas algo totalmente diferente. O talento dela não cabe numa linha e muito menos num parágrafo.


No fim, aquela que poderia ter sido uma das maiores obras da história deixa um legado confuso. As qualidades técnicas e dramatúrgicas são inegáveis e demonstram o potencial que Manuela Dias tem e que pode oferecer em obras futuras. A trilha sonora perfeita, a fotografia linda, e o nível de realismo técnico podem servir de referência para novas produções da Globo, mas é inegável que por razões relacionadas ou não à pandemia, a novela se perdeu. Muitos clamam por um “Snyder Cut” da novela, revelando o que ela seria sem as mudanças pandêmicas, mas a verdade é que ele não existe. Todas as novelas são frutos de seu tempo e ‘Amor de Mãe’ é fruto de um momento que deixou muita coisa boa pelo caminho.


Veredito: 3/5


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