O demônio não precisa lhe obrigar a assistir 'Invocação do Mal 3'

Podemos dizer finalmente? Após cinco anos de hiato desde o último 'Invocação do Mal', a terceira e mais controversa parte da franquia original estreia nos cinemas para os fãs de horror ou curiosos que desejam levar um susto. 'Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio' vem após longas derivados do assustador universo criado pelo diretor James Wan, que encabeçou os dois primeiros projetos, lançados em 2013 e 2016.

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Dessa vez, o famoso casal Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga) não investiga uma casa que range ou guarda-roupas endemoniados. Muito pelo contrário: ainda usando do artefato de ser 'baseado em fatos reais', o caso abordado no filme é bem mais crível para os céticos de plantão.

O acontecimento em questão trata de Arne Cheynne Johnson, que em 1981 esfaqueou 22 vezes Bruno Sauls em Connecticut, nos Estados Unidos, durante um ato de fúria - ou possessão, como ele mesmo alegou. O jovem, que na época tinha apenas 19 anos, foi o primeiro cidadão nos Estados Unidos que alegou durante o tribunal estar possuído por entidades demoníacas. "The devil made me do it" que, em tradução livre, seria "o demônio me fez fazer isso". Está aí o mote para o título do longa.

Elenco

Seria muito fácil rasgar elogios para Patrick Wilson e Vera Farmiga. Se os enredos não fossem tão pesados e obscuros, eu poderia arriscar dizer que eles já estão "confortáveis" nos papéis. Mas não é bem assim que funciona. Vê-los em versões mais velhas, e dessa vez com problemas maiores, exigiu mais tempo de tela que eles entregaram com muito prazer.

No filme, Arne é interpretado pelo irlandês Ruari O'Connor, que convence no papel de bom moço que não machucaria ninguém. Contudo, é apenas isso que sabemos sobre ele. O tempo de introdução do personagem, que é o grande mote do filme, é curto para que consigamos de fato nos apegar e acreditar nele. A grande companheira do rapaz Debbie Glatzel (Sarah Catherine Hook) não convence no amor quase devocional ao boy encapetado, nem mesmo antes do demônio mandar ele fazer qualquer coisa. Apesar disso, a interpretação dela não compromete o andamento da trama.

Mas quem conquista a tela mesmo é o pequeno Jullian Hilliard, que interpreta David Glatzel, de apenas 8 anos. Depois de mostrar todo o seu talento em 'A Maldição da Residência Hill' e 'WandaVision', o menino volta para uma das cenas de exorcismo em crianças mais convincentes do terror atual - com referências a clássicos como 'O Exorcista' (1973) e a famosa tensão de misturar assuntos sobrenaturais com personagens tão novos.

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Abordagem

Existiam duas formas que Michael Chaves - o diretor que substitui James Wan no projeto - poderia abordar o tema. Poderíamos ver um pouco mais do que assistimos nas obras anteriores - como Lorraine dizendo "algo muito ruim aconteceu aqui" e várias sessões de exorcismo - ou algo mais arriscado e real, já que estamos falando de temas palpáveis e familiares, como imprensa, julgamentos e assassinatos a sangue frio. Algo bem no estilo 'O Exorcismo de Emily Rose' (2005), em que acompanhamos o julgamento e os acontecimentos em forma de flashbacks em momentos verdadeiramente assustadores.

Infelizmente, Chaves não escolheu nenhum dos dois caminhos. Talvez para mostrar que o sofrível 'A Maldição da Chorona' (2019) poderia lhe definir, o diretor quis mostrar serviço sem perder a qualidade do universo de terror mais famoso dos cinemas. Assim, o cineasta levou Ed e Lorraine Warren para uma trilha de investigação, buscando provar que sim, o demônio mandou Arne assassinar aquele homem com 22 facadas.

O caminho percorrido, ao longo das 1h50 de filme, faz um certo sentido se confiarmos até demais nos dons de Lorraine e no amor que une Arne e a namorada, Debbie Glatzel. O amor, aliás, é o mote por trás de todo o filme - seja pelo casal jovem que crê um no outro ou na química inegável e quase goals entre a dupla de demonologistas.

Em 'Invocação do Mal 3', o público percebe ainda mais a união quase divina dos dois e se apaixona ainda mais por eles. Somos convidados a crescer, desde o primeiro filme até agora, com essa família um tanto peculiar, percebendo como nasceram seus traumas e como a vida passou por eles entre um caso sobrenatural ou outro.

Momentos marcantes

Os elementos que os dois primeiros filmes da saga 'Invocação' apresentam ao público, nesta sequência são deixados de lado. Por conta da opção da produção em abordar optar nesse acontecimento mais real e próximo, digamos assim, não somos apresentados a nenhuma grande figura sobrenatural que irá marcar nossos pesadelos à noite - como foi o caso de Annabelle e a Freira, ou até mesmo o Homem Torto do segundo filme. Aqui é tudo mais real, mas os seres humanos não assustam tanto quanto deveriam.

[ALERTA SPOILER: a partir daqui, leia por sua conta em risco]

Agora, conhecemos uma mestre no satanismo que invade as casas e ataca até mesmo a família Warren. Apesar do seu rosto pontudo e feições quase fantasmagóricas, não é um rosto que será lembrado, seja por demorar demais para aparecer ou simplesmente não ser tratada como alguém marcante.

O mesmo acontece com a maioria das cenas de ação do filme. Em geral, costumávamos sair do cinema (em um saudoso mundo pré-pandêmico) comentando sobre AQUELA cena da Freira ou até mesmo aquele jumpscare que de fato cumpriu seu papel. Aqui, não. É vero: ainda somos colocados em situações onde um bicho ou outro vai pular de repente da tela (quase com um tempo calculável para os mais experientes em terror), mas nenhuma delas renderá comentários posteriores com grandes empolgações.

Felizmente, existem duas exceções que merecem sim reconhecimento pelo roteiro, coordenação e direção das imagens. A cena de introdução, quando o casal Warren tenta exorcizar o pequeno David, que se contorce e quebra todos os ossos do corpo com uma força sobre-humana. O bom e clássico contorcionismo, misturado a atuações convincentes, dão um ótimo tom de entrada. E também durante a investigação, para tentar encontrar a tal satanista, Ed e Lorraine se veem dentro de um escuro e nojento necrotério. A médium, concentrada nos seus poderes - aqui elevados até demais com a desculpa da ficção - se conecta com o corpo de uma jovem morta, enquanto um outro cadáver tenta acabar com Ed. O clima fúnebre da ala de corpos ajuda? Bastante. Mas isso sim valeu a pena assistir e quase fechar os olhos de medo.

[FIM DO SPOILER! Pode ler tranquilamente]

No geral, 'Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio' não deixa o público triste ao subir os seus créditos, mas também não incita a vontade de assistir novamente ou pesquisar mais sobre o caso. A presença dos poderes sociais como a imprensa e a justiça poderiam ser outras opções de "vilões" para uma trama mais cética, mas foram deixadas de lado por escolha do roteiro e direção. Apesar disso, é um filme que não deixa arrependimentos se a expectativa não for alta (como lamento dizer que era a minha). Pagaria para ir ao cinema? Apenas sendo muito fã ou se o demônio realmente me obrigasse a fazer isso.

Veredicto: 3,5/5

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