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Tyler, The Creator escanteia personagens e celebra sua jornada em ‘Call Me If You Get Lost'

Atualizado: 30 de mai. de 2023

por Vítor Oliveira, especial para a TAG Revista

Um skincare bem feito. Uma volta de bike com o sol beijando seu rosto. Apreciar uma bela vista e, quem sabe, chorar um pouco porque a namorada do seu amigo que você estava pegando no sigilo preferiu ficar com ele ao invés de você. Em “Call Me If You Get Lost”, sétimo álbum do rapper e multiartista americano Tyler, The Creator - AKA Wolf Haley, Bunnyhop, Tyler Baudelaire e tantos outros alter egos - somos levados em uma viagem repleta disso e mais um pouco, neste que pode ser considerado o trabalho mais honesto do cantor até então.


Conhecido por sua personalidade expansiva, conteúdo lírico polêmico e senso criativo meio caótico, Tyler Gregory Okonma tem suas origens na cena alternativa de rap em Los Angeles, Califórnia, no começo dos anos 2000. O barulho começou a ser feito com a fundação do coletivo de hip-hop chamado Odd Future (Odd Future Wolf Gang Kill Them All, frequentemente abreviado OFWGKTA). Liderado por Tyler, o grupo era composto por nomes que até hoje são expressivos quando se trata de furar a bolha do rap mainstream, como Earl Sweatshirt, Syd tha Kyd (The Internet) e o queridinho de muitos, Frank Ocean.


Já com alguns trabalhos de estúdio em carreira solo na pista, o rapper ganhou os holofotes do mundo inteiro no ano de 2019 ao apresentar o misterioso IGOR, alterego protagonista da montanha russa emocional de seu sexto álbum homônimo. O disco chegou aos ouvidos e olhos do público com uma sonoridade e identidade visual totalmente diferentes do repertório anterior do cantor, sendo recompensado no ano seguinte como o primeiro trabalho do artista a ganhar um Grammy na categoria Melhor Álbum de Rap.


Na ocasião, embora ninguém curioso ou atento o bastante pudesse ter ideia do que significaria aquilo, também foi a primeira vez em que o título “Call Me If You Get Lost” apareceu. A frase estava inscrita na etiqueta da mala que Tyler carregou consigo durante a premiação, vestido em sua roupa de concierge alá “O Grande Hotel Budapeste”, filme de 2014 do diretor Wes Anderson.


E é justamente de bagagem em mãos, carregando uma maturidade sonora refinada ao longo dos últimos anos e vestido com a coragem de ser multifacetado que chegamos ao destino do novo disco, lançado no dia 25 de Junho pela Columbia Records.




“Call Me If You Get Lost”


Depois de um trabalho inteiramente composto, produzido e interpretado de maneira solo em “IGOR” (2019), O rapper volta com algumas colaborações já conhecidas de álbuns anteriores. Lil Wayne, Pharrell Williams, Domo Genesis e até mesmo Frank Ocean aparecem nos vocais de algumas das 16 faixas do álbum. Desta vez a produção é assinada por Tyler juntamente com James xx e Jay Versace. Ao longo das tracks somos interpelados pelos gritos, interjeições e scratchs (som de vinil sendo arranhado) de DJ Drama, relembrando a vibe das clássicas mixtapes de boom bap dos anos 90. Apesar de reviver essas batidas mais pesadas e cruas, Call Me If You Get Lost também traz participações de nomes conhecidos do trap e R&B modernos, como Lil Uzi Vert, Ty Dolla Sign e Brent Faiyaz. As vozes femininas de Fana Hues e DAISY WORLD também abrilhantam as composições em duas faixas do álbum.


Apesar da ficha técnica dar uma ideia do que podemos encontrar em “Call Me If You Get Lost”, acaba sendo contraprodutivo tentar rotular os estilos sonoros no disco. O Próprio artista deixou claro a problemática de encaixotar tudo o que é produzido por artistas negros como “urbano” ou exclusivamente “rap” em sua coletiva no Grammy de 2020. Por que não um pouco de pop? Neste caso específico, ainda vemos muito do synthpop e as influências de jazz e soul que fomos apresentados em "IGOR". Logo, os fãs mais recentes vão conseguir se manter confortáveis e em casa neste novo território. Apesar da semelhança com o trabalho anterior, em sua maturidade, CMIYGL aparece muito mais como um irmão mais velho de “Flower Boy” (2017), tido em sua época como o material mais sensível do artista até então.


O novo lançamento consolida bem a evolução do jovem barulhento e inconsequente para uma personalidade experiente e sensível. As temáticas sobre conquistas materiais, sexualidade, relações familiares, conflitos amorosos e de ego estão melhor desenvolvidas, deixando de lado quando necessário os personagens que passaram a ser figurinhas carimbadas na construção dos universos de seus álbuns. Na era das playlists e singles, o álbum alcança a unidade atmosférica necessária para fazer sentido você ignorar o aleatório e dar play do começo ao fim aproveitando a jornada.

Senhoras e senhores, com vocês... Tyler Baudelaire


Em 1857 foi publicado o mais famoso livro do poeta francês, Charles Baudelaire, intitulado “Les Fleurs du mal” (As Flores do mal), um compilado de poemas retratando viagens mundo afora, os prazeres da vida e outros temas considerados imorais, controversos e até mesmo censurados na época, como erotismo explícito e fixação com a morte. Embora tenha declarado em seu Twitter que cada linha do novo disco foi escrita da forma mais pessoal e verdadeira possível, Tyler adota este novo pseudônimo de forma muito pertinente ao rimar a significância de Charles Baudelaire à sua carreira também repleta de controvérsias e reconhecimento crítico tardio.



“Call Me If You Get Lost” abre com a faixa “SIR BAUDELAIRE” trazendo justamente essa imagem e conexão paisagística entre os dois autores, suas obras e experiências. Um sol radiante, um passaporte grosso, viagens ao ar livre e mergulhos em lagos europeus. Já em “CORSO”, faixa seguinte, Tyler adentra em um dos núcleos temáticos do álbum, que mais tarde aparece com mais detalhes na penúltima faixa “WILSHIRE”, fazendo uma espécie de foreshadowing. Aqui somos introduzidos a rimas agressivas em beats de boom bap misturado com sintetizadores sobre a superação (ou não) de um coração e ego partido. Por meio de uma arrogância confessa, ele diz: “Olha, eu peguei a mina de outro cara porque eu sou uma má pessoa [...] no fim, ela escolheu ele. Eu espero que quando eles estiverem transando ela ainda esteja pensando em mim porque eu sou perfeito desse jeito”. Mais a frente na letra a dubiedade desse sentimento de confiança desmorona com a sinceridade de seu estado emocional: “Prestes a gastar milhões apenas para preencher uns vazios [...] Lembra, eu era tão rico, então me comprei algumas emoções novas e um barco novo porque eu prefiro chorar no oceano”.


A mistura de gêneros e mix de emoções característicos do álbum dão as caras pela primeira vez com a faixa de nº 3, “LEMONHEAD”, com participação do rapper 42 Dugg. Trombones apoteóticos introduzem uma narrativa feroz em menos de dois minutos, trazendo desde a ostentação presente no estilo de vida dos rappers a referências ao clássico coletivo de hip hop nova-iorquino Wu-Tang Clan. Ao final da música somos surpreendidos com o que parece ser uma ligação: entra um melodia de elevador alá bossa nova introduzindo a voz grave e serena do cantor Frank Ocean, casualmente divagando sobre a opulência em sua vida, enquanto um coro suave repete “Call on me if you get lost” ao fundo.


Em “WUSYANAME”, quarta faixa do álbum e a mais voltada para o R&B, Tyler declara estar se apaixonando por uma garota, mostrando todas as coisas que eles podem fazer juntos e lugares que podem visitar, até perceber que a mesma já é comprometida. Apesar de ter conquistado fama e riqueza, nada disso aqui parece ser grandioso o bastante para suplantar a frustração do amor que não se pode ter.


A jornada até então


Carros luxuosos, iates repletos de mordomias e mansões com vistas panorâmicas certamente estão no conteúdo lírico de diversos rappers e, não se engane, apesar de experimentar com diversos gêneros e estilos, Tyler, The Creator continua sendo um rapper. No entanto, em meio ao mais do mesmo da ostentação (que tem um espaço exclusivo no faixa interlúdio BLESSED), provavelmente pela primeira vez, ele tira um tempo para avaliar a sua jornada, conquistas e exaltar o seu passaporte como uma das coisas mais valiosas atualmente em sua vida. “Qualquer coisa que te traga um prazer imenso, faça isso, esse é o seu luxo”. Na faixa “MASSA” o simbolismo disso tudo recai na importância de ter saído de Los Angeles aos vinte e poucos com o Odd Future, expandindo horizontes e conhecendo o mundo por turnês.

Tyler revisita momentos de sua carreira fazendo alusões à sua discografia e como foi atravessar todos esses anos passando por mudanças, tanto físicas quanto de perspectiva e gosto em frente às câmeras. Através de um sintetizador melancólico e solos de bateria, o sentimento de incompreensão que muitas vezes sofreu da mídia ganha os últimos versos da música: “Você não consegue se relacionar com essas coisas que eu digo nesses instrumentais. Seja um papo de riqueza ou umas merdas dolorosas. Eu pinto quadros inteiros da minha perspectiva nessa bateria, só pra você dizer “isso não é bom” durante seu intervalo de almoço (da tradução livre drum break com lunch break)”.


O rapper entrega um pouco da relação com sua mãe, Louisa Whitman, sendo ela um porto seguro na época em que viralizou com as letras vulgares de seus primeiros discos. No primeiro interlúdio do álbum, “MOMMA TALK”, ouvimos na íntegra esse lado super protetor no áudio que foi usado na campanha de divulgação de CMIYGL, onde outdoors espalhados em diversos lugares mostravam o número 1 (855) 444-8888 junto ao título do álbum. No voice memo, recurso narrativo geralmente utilizado para causar um efeito mais intimista, podemos ter uma noção de como foi a infância do jovem Tyler.


Continuando nesse sentido de precisar endereçar problemáticas de seu passado, na música “MANIFESTO”, vemos a resposta ao seu histórico com a cultura do cancelamento. O silêncio nas redes durante o ápice do movimento Black Lives Matter, em 2020, por parte de algumas personalidades do hip hop como Kendrick Lamar, J Cole e o próprio Tyler foi imensamente criticado. Na época, uma onda de protestos invadiu os Estados Unidos por conta do assassinato do afro-americano George Floyd, executado pelo policial branco Derek Chauvin. Tyler também usa a música para pedir desculpas à cantora Selena Gomez, quando em 2011 publicou uma série de tweets com conotações sexuais pesadas sobre a artista que tinha acabado de completar 18 anos. “Eu era jovem, tuitando coisas erradas sobre Selena. Não quis ofender, vou pedir desculpas quando eu a encontrar”.


Por vezes questionado se conseguiria versar sobre assuntos mais sérios e pessoais em seus trabalhos, seja sobre política, movimentos sociais, racismo ou até sua sexualidade, o rapper confessa estar longe de ter as respostas corretas. O mais provável é que permaneçam as inseguranças, a autocrítica e o instinto de não se acomodar nos mesmos erros e convicções de sempre.


Um lado mais doce


Talvez “Call Me If You Get Lost” atinja seu ponto alto nas duas composições mais longas do álbum: “SWEET / I THOUGHT YOU WANTED TO DANCE”, na qual Tyler repete a tradição de reservar a décima faixa de cada álbum para encaixar duas músicas em uma, e "WILSHIRE", na qual testemunhamos o desenrolar do love affair que monta o clima de coração partido no disco. Por sua duração, cada track possui uma característica narrativa que nutre ainda mais o clima de fofoca novelesca do álbum, ainda mais se continuarmos a assumir que tudo o que está sendo dito aqui, como garante o artista em seu Twitter, é realmente sobre a sua vida e não um personagem inventado.



Os quase dez minutos de cada faixa dão a oportunidade de ouvirmos ritmos e sonoridades diferentes dentro do espectro R&B e soul modernos explorados no disco. Em "SWEET" os sintetizadores caleidoscópicos e baterias dão um ar soturno de flerte e conquista às escondidas. A qualquer momento parece que a cantora Kali Uchis vai invadir a música perguntando "can I get a kiss?", tal qual na colaboração de 2017 na música “See You Again”, no álbum “Flower Boy”.


A composição de “SWEET” lembra bastante a vibe do hit “Leave The Door Open”, da dupla Silk Sonics, composta por Bruno Mars e Anderson Paak, se alinhando com uma tendência musical de retorno aos clássicos que estamos presenciando na música pop nesses últimos tempos. Na segunda parte da canção em “I THOUGHT YOU WANTED TO DANCE,” vemos novamente a personalidade frustrada, confusa e angustiada de um Tyler arrependido de criar conexões que não podem ser inteiramente correspondidas apesar de seus esforços. A melhor parte do álbum certamente está no encerramento, onde os beats descem e a cantora Fana Hues ganha espaço com sua voz suave, dando justamente a outra perspectiva da história narrada em “WILSHIRE”. Nesta última, o tom confessional e melancólico da aventura romântica proibida vai do começo ao fim.


Em sua última faixa, “SAFARI”, o álbum se despede da mesma forma onírica e apoteótica com a qual se apresentou. Os instrumentos de sopro dão um ar de créditos subindo e a percepção de que a viagem já chegou ao fim.


Neste último trabalho do rapper temos uma amálgama das suas melhores produções, sendo um ótimo ponto de partida para quem quiser conhecer o artista. Apesar das semelhanças estéticas, certamente essa não será uma era tão memorável quanto IGOR, repetindo até mesmo algumas camadas de sonoridade já exploradas antes. Ainda assim, “Call Me If You Get Lost” abre espaço para experimentação, vez e outra, pisando muito timidamente em territórios sonoros mais tropicais como algo semelhante ao samba jazz. Seja no estilo que for, é inegável a atmosfera que o disco possui, e essa é uma ótima qualidade para a obra: ser capaz de te ambientar em um clima específico logo de cara e te transportar para o lugar que ele quiser.


Nota: 4,5/5


 


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