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Dos doramas aos shows no Brasil, mulheres +50 mostram que também podem ser fãs

Como a paixão mútua pela cultura sul-coreana transcende gerações e une fãs no Brasil


Por Nycolle de Moraes e Letícia de Azevedo, especial para a TAG Revista


Imagina encontrar uma nova paixão em uma fase inesperada da vida? Foi o que aconteceu com Ângela Melo, moradora do Rio de Janeiro, de 58 anos. A aposentada relata que  tudo começou na igreja, quando, durante uma conversa casual com uma outra integrante, contou o seu interesse pela Coreia do Sul e por uma famosa igreja sul-coreana. 


Naquele papo entre as duas, o assunto sobre doramas surgiu e a aposentada deu uma oportunidade à indicação feita pela companheira de igreja. "Gangnam Beauty" foi o primeiro que assistiu. A produção retrata a história de uma personagem que sofria bullying e fez cirurgias plásticas para se sentir mais confiante, contudo os seus problemas não param de aparecer e ela enfrenta novos desafios.


Ao assistir o drama, logo se encantou com a história romântica e a representação da cultura sul-coreana, mas foi um ator específico que capturou seu coração: Cha Eun-woo.


Aos 22 anos, ele não era apenas um talentoso ator, mas também um modelo e cantor, integrante do grupo de K-pop Astro, gerenciado pela Agência Fantagio. Ângela ficou especialmente tocada pelo personagem protetor que Eun-woo interpretou, e logo no segundo episódio estava completamente apaixonada pelo jovem artista.



A passagem do ator e cantor pelo Brasil no último fim de semana, para um show solo, trouxe uma surpresa que acalorou as discussões nas redes sociais: a composição surpreendente do público na Arena. O sucesso do dorama 'Beleza Verdadeira' (Netflix) fez com que o espetáculo em São Paulo atraísse um grupo inesperado: fãs com mais de 40 anos, mostrando que a inserção na cultura sul-coreana transcende gerações.


Em 2023, ocorreu a polêmica manchete da Folha de S. Paulo que rotulou as fãs do grupo Backstreet Boys como "trintonas". Inclusive, a TAG Revista conversou com mulheres de 20 a 40 anos que enfrentam críticas apenas por serem adultas e apaixonadas por seus ídolos. Em comum, todas elas compartilham o mesmo desafio: o preconceito


A discussão retratou especialmente a disparidade de gênero, onde homens podem expressar livremente a sua paixão por futebol, super-heróis ou qualquer outro hobby sem serem desvalorizados. Com o acalorado debate nas redes sociais, ficou ainda mais claro que não existe idade certa para ser fã. Mas, essa regra também é aplicada para o público mais velho?  


Essa nova liberdade vem acompanhada do preconceito e elas são frequentemente alvo de comentários depreciativos, sendo chamadas de "velhas demais" para gostar de ídolos jovens. Este comportamento, também conhecido como etarismo, é uma forma de discriminação baseada na idade e tem implicações profundas na autoestima e no bem-estar emocional dessas mulheres. 


De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse é um problema global que afeta a saúde mental e física das pessoas mais velhas, exacerbando sentimentos de exclusão e isolamento. 


Com a recente passagem do astro sul-coreano pelo Brasil, usuários do X (antigo Twitter) atacam e debocham das fãs que acompanham o artista através de suas produções audiovisuais só por serem mulheres mais velhas, reforçando que o etarismo contra o público acima dos quarenta anos continua mais presente do que nunca.



Os doramas saíram da bolha 


Figurinos impecáveis, o cenário perfeito e uma trama bem escrita tem se tornado a escolha de muitos brasileiros nas plataformas de streaming com os famosos k-dramas ou doramas, como também são conhecidos. 


De acordo com uma pesquisa conduzida pelo Ministério da Cultura, Esportes e Turismo, abrangendo 18 países e realizada pela Fundação Coreana para Intercâmbio Cultural Internacional entre setembro e novembro de 2020, revelou que o Brasil ocupou a terceira posição no aumento de audiência por doramas coreanos em comparação com o período pré-pandêmico. 


"Dorama" nada mais é do que uma simples abreviação da palavra "drama" é usada para se referir a séries televisivas dramáticas produzidas no Japão e em outros países asiáticos. Contudo, as produções que ficaram conhecidas no Brasil foram criadas na Coreia do Sul. 


Composto por, aproximadamente 15 a 20 episódios, os estilos variam entre comédia romântica, fantasia, ação, drama e cenário escolar, onde tratam questões como bullying, desigualdade social e pressão familiar, bem similar as novelas brasileiras.


Diretamente de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, Cristiane Craveiro, de 50 anos, conta que descobriu o mundo dos doramas através de sua filha mais nova com Descendente do Sol (2016), trama que retrata  a história do capitão Yoo Shijin, das forças especiais, que se apaixona pela cirurgiã Kang Moyeon. 


Essa foi a porta mágica que permitiu a Cristiane mergulhar de cabeça no vibrante mundo do entretenimento sul-coreano. De repente, ela se viu imersa em uma espiral de dramas emocionantes, engraçados e românticos, já que explorou todo o catálogo da Netflix e do Viki (serviço de streaming responsável pela distribuição de conteúdos midiáticos, principalmente da Ásia, como série de televisão, filmes e programas de variedades da Coreia do Sul, Tailândia, Filipinas, Japão, Taiwan e China). 


A paixão por doramas e outros produtos culturais é uma forma de conexão emocional e social que transcende a idade. Para além das risadas e do entretenimento que as grandes produções trazem, também existe um lado que frequentemente fica escondido: a distração nos momentos difíceis. 


"Sempre que estou um pouco triste, procuro assistir a algum dorama de comédia; é onde consigo me distrair bastante. Tem doramas que te fazem repensar a vida, não é? Como Dra. Cha (Netflix), ali você aprende como não desistir do que quer fazer, ela estacionou, parou de estudar e voltou já bem mais velha, depois de criar os filhos e teve que enfrentar muito preconceito para vencer, então isso me fortalece bastante, me anima.", contou. 

“Só vi um monte de balofa e velha indo no show do Cha Eunwoo”


As mídias do show do cantor em São Paulo viralizam nas redes sociais, contudo, grande parte dos comentários eram acompanhados de falas debochadas. Em uma das imagens publicadas por um fã clube, comentários como: "esse show foi no asilo", "meu deus o baile da terceira idade" e "o Eunwoo achando que ia sair levando duas belas mulheres brasileiras pro hotel de novo pensou errado pois dessa vez só tinha idosas" marcaram a publicação. 



Foto: Reprodução/X

Criticar, debochar ou desvalorizar um indivíduo por suas preferências culturais é não só injusto, mas também contribui para uma sociedade que deveria valorizar a diversidade e a inclusão. O etarismo pode servir, também, como porta para uma gama maior de preconceitos. Assim como homens não têm idade para ser torcedores, fãs de heróis, mulheres também não têm idade para ser fã do que gostam. 


De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) a meia-idade começa à partir dos 45 anos e termina aos 59 anos, e é nesse meio tempo que acontece a maior incidência de depressão nas mulheres que, também, são as maiores afetadas pela condição. Indivíduos de 55 a 64 anos são os que apresentam os índices mais elevados de depressão: 13,2%. Mas esse percentual vai a 18% quando são consideradas somente as mulheres.


Para quem acha que as “noonas” (mulheres mais velhas, em coreano) de hoje chegaram agora, estão muito enganados. Sandra Yokomizo, de 50 anos, moradora de Sorocaba, São Paulo, já está nesse universo desde os anos 90. Nessa época já fazia parte de um grupo que dançava coreografias sul-coreanas, que são populares e bem comuns hoje em dia com a popularização do k-pop. “Depois de madura, os dramas preencheram minha vida com coisas boas e evitaram que eu entrasse em depressão”, diz Yokomizo. 



Um dos pontos levantados pelos fãs mais novos, utilizados como desculpa para o show de etarismo nas redes sociais, é que as fãs mais velhas estariam “tomando” o lugar de quem já conhece o ator desde o início da carreira musical no grupo de k-pop, ASTRO, mas aí é que se enganam. As fãs mais velhas podem até ter chegado através da produção da Netflix, mas se tornaram Arohas (como são chamadas as fãs do boygroup ASTRO) tanto quanto as demais.


“Primeiro conheci ele como ator, depois fui conhecer as músicas e amei o estilo, a voz. O show foi maravilhoso, apesar de super lotado e muito desconfortável. Mas ter a oportunidade de vê-lo, valeu a pena todo o perrengue”, relata a fã que esteve presente no evento que lotou o Vibra São Paulo.


Joelma de Souza, uma carioca de 58 anos, que também marcou presença no show do astro sul-coreano em São Paulo, explica: “Fui no show do Eunwoo porque sou fã do trabalho dele. A cada filme, eu procuro saber dos atores, se faz parte de algum grupo musical, se eu gostar, passo a seguir”. A administradora de empresas conta que algumas pessoas estranham seu gosto por música coreana, mas ela explica que é questão de gosto e isso é completamente normal:


“A vida é feita de momentos, idade é apenas um número. Se a idade fosse empecilho para esse tipo de experiência, teria uma faixa etária máxima e, como não tem, é para qualquer um curtir”. Sandra completa: “Estamos em uma idade que temos que aproveitar. Algumas, como eu, já criaram os filhos e querem aproveitar! Outras, podem não ter filhos, mas agora tem condições de pagar por algo e usufruir disso, sem se preocupar com opiniões que não agregam”. 

“Fui xingada, ofendida e até ameaçada de agressão física”


O encanto de Ângela por Eunwoo e tudo relacionado ao artista, desde as músicas até os dramas, só aumentava. Ela mergulhou de cabeça neste novo universo, encontrando uma nova alegria e entusiasmo que coloriram seus dias com novas cores e emoções. Contudo, não foi uma caminhada tão simples. 


Mesmo sendo uma mulher muito ativa, por um incidente da vida, ela sofreu uma queda e fraturou uma vértebra, o que resultou em duas cirurgias. Durante o processo de reabilitação, conheceu o artista, que a ajudou emocionalmente. 


Esse não foi o único obstáculo enfrentado. Ângela também teve complicações cardíacas que quase a deixaram em estado crítico e acabou desenvolveu uma disritmia, o que a fez entrar em coma. "Minha filha colocou a música do drama, o que me fez acordar. Por isso, minha família tem tanto respeito por ele. Todas as fãs que conheço têm histórias similares com ele."


Enquanto tinha o apoio de sua família, amigos e membros da igreja, do outro lado, enfrentava preconceitos.


"Quando fui ao Facebook à procura de páginas para segui-lo, sofri preconceito pela idade que eu tinha. Falavam que nunca tinham visto uma velha gorda gostar de um grupo de k-pop, e na ocasião achei que era uma infantilidade. Minha família, amigos e membros da igreja sempre me apoiaram, ajudaram e incentivaram, até mesmo na abertura de páginas. Fui xingada, ofendida e até ameaçada de agressão física por meio do WhatsApp e nas redes sociais, mas isso só reforçou minha determinação."

Além disso, Ângela incentiva os fãs a nunca desistirem de seus sonhos e sempre priorizarem a própria felicidade, ressaltando a importância de não se deixar abater por quem menospreza seus interesses, pois cada pessoa tem o direito de buscar aquilo que lhe traz alegria e realização, acreditando que o apoio genuíno vem de quem valoriza a sua felicidade, independentemente das paixões que você escolhe seguir.


"Cha Eunwoo não me faz feliz; eu já sou feliz, e ele apenas completa minha felicidade. Seja fã em qualquer área da sua vida e se dedique com amor. Faça tudo por você e lembre-se de que você é a pessoa mais importante da sua história. Mantenha-se firme em seus interesses e paixões, e permita-se ser feliz e realizada", aconselhou.  


O amor de fã que uniu mais de 85 mil pessoas em um só grupo 


O que começou com uma simples conversa, se transformou em uma página com mais de 85 mil seguidores que compartilham do mesmo amor. Ângela conta que a ideia surgiu a partir do desejo de contribuir ativamente, além de ser uma fã comum, devido à importância das votações para a reputação dos artistas na Coreia. Foi, então, que nasceu o grupo do WhatsApp para ensinar como baixar os aplicativos e tutoriais para as votações, que iniciou com apenas 16 membros.


Com o passar do tempo, mais fãs se juntaram, e as veteranas começaram a ajudar as novas participantes do grupo. Ângela delegou tarefas, chamou as fãs para serem administradoras e abriu grupos individuais para cada aplicativo. Essa comunidade se tornou o "Fã Grupo Força Tarefa CEWBR", nome dado pelo marido de Ângela. Agora, são 18 administradoras, com total de 85 mulheres, a maioria acima de 35 anos, a mais velha tem 68 anos. 


Ângela conta que há várias histórias de fãs que tiveram que superar adversidades para acompanhar o ator. Algumas fizeram lives com maridos ou familiares para seguir seu ídolo tranquilamente. E uma das administradoras até dormiu na fila do Vibra para garantir um lugar privilegiado e representar o nome do Força Tarefa.


Com a vinda do artista para o Brasil, a dona da página explica que teve que mobilizar todo o grupo para organizar a logística, incluindo a compra de ingressos, transporte, estadias e alimentação. Elas receberam muita ajuda de familiares e amigos para tornar esse sonho possível. 


"Muitas fãs enfrentaram dificuldades de locomoção, problemas de saúde e questões financeiras, mas se esforçaram ao máximo para estar presentes e prestigiar nosso garoto. A organização envolveu promoções, marketing e uma coordenação minuciosa para garantir que todas pudessem participar desse evento tão esperado."


O resultado foi positivo e as integrantes do Fã Grupo Força Tarefa CEWBR conseguiram marcar presença no show do artista sul-coreano em São Paulo no último fim de semana mostrando que não há idade para ser fã. 


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1 comentário


angela melo
angela melo
05 de jun.

Nunca deixe que as circunstâncias te limite e nem os preconceito te oprimem seja você sempre Alegre e plena em se amar não pelo que você tem mas sim pelo que você é.

Angela Melo.

#Chaeunwoo te amar e muito bom 🫂

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