"Duna: Parte 2" é para quem tem fé
Atualizado: 4 de mar.
Novo filme da saga é cheio de pontos fortes, mas pode dividir opiniões
Ter fé em algo envolve muito mais do que vontade. Envolve o contexto em que se vive, como as oportunidades e recursos que estão disponíveis. E envolve, é claro, a natureza desse "algo". É convincente ou conveniente o bastante para mim?
Esse contexto é válido na religião e também - por que não? - no cinema. Não adianta tentar gostar de um filme em que você não acredita. E é irônico que "Duna: Parte 2" fale tanto sobre fé, seus usos e consequências, e dependa tanto da fé do público na visão do diretor.
O filme de Denis Villeneuve dobra a aposta do primeiro, seguindo um ritmo e ideias parecidas. Quem não aprovou a Parte 1 não vai embarcar por completo agora, mas quem gostou tem tudo para se agradar mais uma vez, agora com um filme mais empolgante e mais rico tematicamente.
A arte de viver da fé
"Duna: Parte 2" começa pouco depois do fim do primeiro filme, com Paul (Timothee) e sua mãe Jessica (Rebecca Fergunson) sendo recebidos (a contragosto) pelos Fremen no planeta Arrakis. O império dos dois está destruído, e o patriarca da Casa Atreides, o duque Leto, está morto, assim como seus aliados. Tudo que sobrou foi a sede de Paul por vingança e a luta de Jessica pela sobrevivência.
Entre os Fremen, povo indígena do planeta, Paul e Jessica dividem opiniões. Há quem os veja como forasteiros que representam uma ameaça e há quem veja Paul como a reposta de uma antiga profecia sobre um escolhido que transformaria o desértico planeta Arrakis em um local verdejante, incluindo o chefe local, Stilgar (Javier Bardem).
Jessica logo percebe que abraçar a crença dos Fremen e convencer ao máximo de pessoas possível de que Paul é o escolhido é a chave da sua sobrevivência. Paralelamente, Paul reluta em aceitar o modo como a mãe decide usar a fé do povo local em benefício próprio, e inicialmente está mais dedicado a assimilar a cultura Fremen e à sua paixão por Chani (Zendaya).
Porém, à medida que o cerco em torno de Paul e dos Fremen se aperta, necessidade, sede de vingança e a própria fé fazem com que Paul aos poucos abrace a profecia e se transforme, aos poucos, no Muad'Dib, desempenhando um papel de líder político e religioso local.
Do outro lado do ringue, os Harkonnen, responsáveis pela queda da casa Atreides, tentam resistir à investidas dos Fremen nas operações de extração do poderoso minério spice, mas sucessivas derrotas fazem surgir uma nova figura no comando: o psicótico Feyd-Rautha (Austin Butler), que tem tudo para se apresentar como um inimigo poderoso de Paul.
Em meio a isso, o Imperador Galático (Christopher Walken), causador de toda situação, observa tudo de longe, ao lado de sua sagaz filha Irulan (Florence Pugh). Estariam eles ameaçados pela ascensão de Paul?
Em meio a todos esses nomes extravagantes de planetas, povos e pessoas, "Duna: Parte 2" é uma história sobre poder, manipulação, fé e controle. De um lado, temos Paul dividido entre seu desejo pessoal de vingança e seu apego à cultura dos Fremen, relutando em ser visto como um messias e a utilizar essa visão para alcançar o que quer.
Sua mãe, Lady Jessica, passa por uma das transformações mais interessantes do longa, ora acreditando fielmente nas profecias Fremen, ora dizendo declaradamente que as utiliza como um instrumento. Em meio à isso, Paul tem visões que o levam crer que assumir seu papel como messias irá causar devastação e morte em toda galáxia.
O conflito do personagem leva a refletir sobre como as religiões são estabelecidas e como elas se popularizam. Muitas vezes, diante de cenários de grande necessidade de opressão de povos pela mão de outros povos. Porém, seriam seus profetas e messias seres divinos, humanos, ou ambos?
Suas ações, mesmo quando questionáveis, podem ser justificadas por serem parte de um plano maior? Nosso mundo não responde essas questões de forma objetiva, e "Duna: Parte 2" também não. Mas a maneira como o filme expõe a pergunta é bastante interessante.
A presença da fronteira entre crença e manipulação, e entre interesse pessoal e coletivo também está presente na figura da Madre Superiora (Charlotte Rampling), figura do culto Bene Gesserit que aconselha o Imperador.
Através de um exercício obscuro de fé ela decreta o fim de de algumas linhagens inteiras enquanto ajuda a conservar outras. Mas isso é algo feito em prol do coletivo ou da sobrevivência de sua própria organização? Mesmo se for em prol de um bom futuro para todos, vale sacrificar quem é do presente por isso? Ficam os questionamentos em Arrakis.
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Os pilares de Arrakis
Em sua trajetória, "Duna: Parte 2" segue bastante da cartilha do primeiro filme, mas com mais movimentação e senso se espetáculo. Cenas de ação bem filmadas ajudam a quebrar a monotonia que se mostra um tanto forte em algumas sequências, especialmente se tratando de um universo tão distante do nosso, e que requer a apresentação de vários termos e conceitos desconhecidos.
A narrativa do filme, por vezes, parece um tanto entrecortada, com uma certa aceleração na trajetória de Paul em busca da confiança dos Fremen. Porém, a trajetória dos personagens como um todo consegue ser passada de forma orgânica, mesmo que, por vezes, um tanto maçante.
Ainda falando sobre roteiro, alguns subplots do filme parecem um tanto deslocadas, deixando pontas soltas que não são resolvidas e que parecem ganchos para sequências.
É o caso da grande revelação sobre a origem de Lady Jessica e também da missão de Lady Margot (Léa Seydoux) com Feyd-Rautha. Quem sabe com "Dune Messiah", terceiro filme da trilogia planejada por Denis Villeneuve, a gente entenda melhor de onde vieram e para onde vão essas histórias.
Soluços da história à parte, assim como o primeiro longa, a "Parte 2" também traz como importante destaque seu elenco. Timothée Chalamet, considerado um ator "pressão baixa" por alguns, consegue convencer bem com as nuances de Paul, enquanto Zendaya, Javier Bardem e Rebecca Fergusson também têm grandes momentos.
Outro destaque é Austin Butler como o Feyd-Rautha, vilão quase cartunescamente cruel, mas que cumpre muito bem seu papel, além de contar com um visual criativo e bem realizado.
Além disso, o apuro visual da fotografia de Greig Fraser continua, com destaque para as cenas que se passam no Sul do planeta Arrakis e no planeta Geide Prime, lar dos Harkonne. As sequências em preto e branco em situadas em uma arena, no aniversário de Feyd Rautha, são um deleite visual a parte.
Acredita ou não?
"Duna: Parte 2" prega para convertidos e dá continuidade de forma coesa e satisfatória à visão de Denis Villeneuve sobre a história. É um filme bem encenado, bem produzido e bem pensado, ainda que, talvez, não seja o grande clássico instantâneo que muitos esperam.
Quem ainda não tem fé no diretor, achou o primeiro um sonífero ou nunca gostou da história não deve encontrar tantos motivos para se empolgar com esse novo longa. Porém, um pouco de paciência e de crença artística podem transportar o espectador para um mundo visualmente e tematicamente rico. Posso não ser o mais fervoroso dos crentes nos dois filmes, mas acreditei o suficiente. E você?
Veredito: 3.9/5
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