Ezra Miller: a "permissão" que pessoas brancas têm para cometer crimes
Atualizado: 10 de mai.
Nesta quinta (11), a revista estadunidense The Hollywood Reporter noticiou que a Warner Bros ainda está tentando elaborar uma estratégia de resolução para o filme 'The Flash', protagonizado por Ezra Miller. Até agora, 'The Flash' está com data de estreia marcada para 2023, mas o destino ainda é incerto.
Ezra Miller, hoje com 29 anos, se tornou conhecide após interpretar o Flash em 'Liga da Justiça' (2017), tendo também participado da franquia 'Animais Fantásticos' (2016-2022) e dos clássico cults 'Precisamos Falar sobre o Kevin' (2011) e 'As Vantagens de Ser Invisível' (2012).
Se você está na internet e consome minimamente conteúdos sobre o universo da DC, provavelmente já viu o nome de Miller em alguma manchete de jornal seguido de uma acusação por algum crime. Há alguns anos, elu vem protagonizando esse tipo de notícia, o que está preocupando o estúdio responsável pelos filmes do super-herói. O caso mais recente é que Ezra se tornou suspeite de sumir com uma mãe e seus três filhos, de um a cinco anos, que estavam hospedados em sua casa em Vermont, nos Estados Unidos. De acordo com a revista Rolling Stone, a mulher de 25 anos e as três crianças passaram a morar na fazenda de Miller após conhecê-le no Havaí. Na época, ela teria dito que estava fugindo do ex abusivo e que Ezra havia "salvado sua vida".
A mulher teria começado a publicar registros da sua vida na fazenda nas redes sociais. Porém, em julho, os registros pararam de ser publicados e a conta foi apagada. Oficiais de justiça de Vermont tentaram contato com ela duas vezes, em especial por considerar a propriedade de Miller um ambiente inseguro para as crianças — havia armas, maconha e bebidas alcóolicas na casa. Nenhum dos contatos foi bem-sucedido e Miller se tornou um dos suspeitos. A polícia esteve na casa de Ezra na noite do dia 9 de agosto, embora o motivo da inspeção não tenha sido divulgado. No entanto, elu se defende dizendo que a família não mora em sua casa há meses.
Histórico de acusações
Não é de hoje que Ezra Miller acumula problemas com a justiça. Nesta mesma semana, elu foi acusado de furto também em Vermont, mesmo estado em que estava hospedando a família desparecida. De acordo com um relatório, a polícia de Vermont foi notificada por uma residência de Stamford às 17h55 do dia 1º de maio de que várias garrafas de bebida alcóolica haviam sido levadas do local enquanto os donos da casa não estavam presentes.
Em junho deste ano, Ezra foi acusade de agredir e drogar Tokata Iron Eyes, uma fã de 18 anos. As alegações foram feitas pelos pais da jovem, que acionaram a justiça e solicitaram uma ordem de restrição. Segundo a família, elu se relacionava com Tokata desde que ela tinha apenas 13 anos. Ezra teria levado a menina para conhecer o set de de Animais Fantásticos em 2017, por ela ser fã, e teria oferecido maconha, álcool e LSD a ela.
No início de 2022, os pais perceberam hematomas no corpo de Tokata que teriam sido causados pelo ator. A garota também não tinha controle sobre itens com seus cartões de crédito ou as chaves do próprio carro, o que poderia indicar uma restrição por parte de Miller sobre a vida dela. Tokata se manifestou nas redes sociais alegando estar "mentalmente estável", porém apagou os perfis logo em seguida.
LEIA TAMBÉM: O Grammy é racista - mas isso não é novidade
Ainda em junho, Ezra Miller recebeu uma ordem de restrição após ser acusade de assediar uma criança não-binária de 12 anos. O site Daily Beast informou que a mãe e a criança alegaram que Miller ameaçou sua família e agiu de forma inadequada em relação a criança. Segundo eles, Ezra estava na casa do vizinho de baixo e começou a importunar a família, abrindo a jaqueta para revelar uma arma, além de se voltar para a criança, incomodando-a com elogios, abraçando-a desconfortavelmente e tocando seus quadris, pedindo que ela o seguisse no Instagram. Ao Daily Beast, a criança contou que ficou com medo e nervosa, porque Ezra voltou a incomodar a família em outras ocasiões.
Na época da notícia, Ezra Miller debochou da polícia em publicações no Instagram. Foragide, elu usou as redes sociais para fazer uma série de provocações às autoridades, apagando o próprio perfil em seguida. "Você não pode me tocar, estou em outro universo" e "mensagem de outra dimensão" foram frases que apareceram nas imagens postadas.
Em abril de 2020, Ezra protagonizou uma outra polêmica após um vídeo seu viralizar. Um filmagem mostrava elu sufocando e derrubando uma mulher no chão na cidade de Reykjavik, na Islândia.
O vídeo foi originalmente postado no site Reddit por um usuário identificado como groovylps, que se diz amigo da mulher que sofreu a agressão. Segundo ele, sua amiga pediu para fazer uma encenação com Miller. No entanto, elu não teria gostado e levou a sério.
É possível ouvi-le falando “Você quer brigar? É isso que você quer?” enquanto uma mulher levantava a guarda de brincadeira. Ezra, no entanto, segurou o pescoço dela e a derrubou. Elu não chegou a ser preso, mas foi expulse do local.
Confira o vídeo em questão:
O "terror" do Havaí
Ezra começou a ficar conhecide como o "terror do Havaí" após cometer vários atos criminosos no estado. Numa viagem que elu fez em abril deste ano, Miller foi para a prisão em Hilo, cidade do Havaí, por causar confusão e briga em um bar. As acusações incluíam "conduta inapropriada e assédio" e elu foi liberado no mesmo dia após pagar fiança no valor de US$ 500 (aproximadamente R$ 2.580 na cotação atual).
"Ezra Miller ficou agitado quando os clientes no bar começaram a cantar karaokê. Ele gritou palavras obscenas e pegou o microfone de uma mulher de 23 anos cantando karaokê e depois atacou um homem de 32 anos com dardos. O dono do bar pediu a Miller para se acalmar várias vezes, sem sucesso," afirmou o departamento de polícia sobre o caso.
Dias depois do ocorrido, Ezra também foi acusade por um casal, não identificado, de ameaçá-los de morte e roubar alguns de seus pertences, como cartões bancários e documentos. O processo foi encerrado por um juiz e o motivo não foi citado pelo representante do casal.
LEIA TAMBÉM: As premiações ainda continuam desprezando artistas LGBTQ+ — e Lil Nas X é a prova disso
Ainda em abril, Miller foi novamente acusado de agressão em segundo grau. Segundo a polícia, elu arremessou uma cadeira em uma festa e acertou a testa de uma mulher, que levou pontos pelo ferimento. Ezra teria ficado com raiva após ter sua retirada do local solicitada pelas pessoas da festa.
Na época, um usuário do Twitter divulgou um vídeo do momento em que Ezra Miller recebe voz de prisão. Elu alega que foi agredide para servir de "arte de NFT" Em seguida, pede para que os policiais lhe digam seus nomes e mostrem suas credenciais. Então volta a afirmar que havia sido agredide por outras pessoas que se identificavam como nazistas.
A falta de consequências
Mesmo com todas essas prisões, acusações e polêmicas em seu histórico, Ezra Miller participou de refilmagens de 'The Flash' em 2022. Elu teria participado regularmente das filmagens marcadas nos últimos meses, "aparentemente sem nenhum incidente," segundo o The Hollywood Reporter.
Ezra frequentemente é flagrade vivendo sua vida tranquilamente logo após seus crimes serem noticiados pela imprensa, não demonstrando nenhum tipo de arrependimento ou preocupação. Em fotos divulgadas pelo Daily Mail na última quarta (10), Ezra sorri calmamente da varanda da casa de sua mãe em Vermont.
A questão racial
Homens brancos cisgênero que são astros do cinema ou da música têm seus erros e crimes frequentemente perdoados ou até mesmo desconsiderados sob alegações de inocência mesmo com falta de provas suficientes, como aconteceu com Johnny Depp. No caso de Ezra, elu se identifica como pessoa não-binária, ou seja, está dentro do "guarda-chuva" transgênero. Porém, infelizmente, Ezra não tem sua identidade respeitada ainda é tratade no masculino, como é possível observar na grande maioria das matérias dos veículos jornalísticos, publicações na internet e até mesmo relatórios policiais. Ou seja, para a sociedade transfóbica que ainda vivemos, Ezra ainda é lide como um homem.
Se formos fazer uma lista de casos de atores, diretores ou produtores que foram acusados de algum crime e não tiveram suas carreiras encerradas por conta disso, teremos uma boa quantidade de nomes. Woody Allen, por exemplo, ainda é considerado por grande parte do público como um dos maiores diretores da atualidade, mesmo tendo sido acusado de molestar a filha de sete anos de sua ex-companheira, a atriz Mia Farrow, nos anos 90.
Outro caso é do de James Franco, que em 2021 assumiu ter assediado sexualmente alunas de uma escola de atuação que administrou nos EUA. Ele alegou que sofria com "vício em sexo". Recentemente, Franco foi escalado para interpretar Fidel Castro no longa 'Alina de Cuba', que irá contar a história da "filha rebelde" do líder cubano. Também vai estrelar 'Me, You', drama focado no período pós-Segunda Guerra Mundial. Ao ser confirmado em 'Alina de Cuba', a crítica feita foi por ser um homem não-latino interpretando Fidel. Aparentemente, quase ninguém mais lembra do crime confesso cometido pelo ator.
Por outro lado, o ator Will Smith segue sofrendo consequências desproporcionais ao episódio ocorrido durante a cerimônia do Oscar em março deste ano. Na ocasião, Will deu um tapa em Chris Rock, após um comentário sobre sua esposa, a atriz e apresentadora Jada Pinkett.
Apesar da extensa carreira de sucesso do ator, tanto Netflix quanto Sony pararam a produção de dois longas com Will Smith que estavam em desenvolvimento, por conta da polêmica do Oscar. A Academia do Oscar também proibiu o ator de de participar de qualquer evento ou programa da Academia, “incluindo, mas não limitado ao Oscar”, durante 10 anos. Smith também foi citado como a celebridade mais odiada de 2022 segundo uma pesquisa do site Ranker, um dos maiores bancos de dados de opiniões dos EUA. Há algumas semanas, ele publicou um vídeo pedindo desculpas diretamente à Chris Rock, mas não vem fazendo outros tipos de aparições públicas.
Enquanto isso, a Warner ainda está considerando três alternativas para lidar com o problema que se tornou Ezra Miller, dada a repercussão e pressão dos fãs da DC. A primeira seria esperar que elu busque tratamento profissional e dê entrevistas falando que se arrepende do seu comportamento errático na imprensa; a segunda seria não incluir Miller na divulgação de 'The Flash' e apenas substituir o papel num projeto futuro sobre o personagem; a terceira, por fim, seria descartar 'The Flash' completamente.
Quando observamos esse tipo de situação, em que são dadas diversas chances a pessoas brancas que foram acusadas de diferentes crimes enquanto um ator negro renomado tem sua carreira praticamente afundada por conta de um tapa, cabe a reflexão: até onde vai a "permissão" da branquitude para cometer atos criminosos e não sofrer as consequências disso? E eu nem comecei a falar sobre a violência policial e diferença de tratamento do sistema judicial com pessoas pretas. Mas isso já é assunto para outro texto.
Comments