“Funk Generation”: Anitta volta ao funk em álbum mais coeso de sua carreira
por Henrique Tenório, pesquisador e doutorando em Comunicação na UFPE
A presença de Anitta no funk é marcada pela ambiguidade. A cantora que iniciou sua carreira como artista da “Furacão 2000” caminha há mais de 10 anos para um estrelato no pop, onde as estratégias de aproximação e afastamento do funk indicam parte da construção de sua autenticidade artística. Com o “Funk Generation”, sexto álbum de estúdio da carioca lançado na última sexta-feira, Anitta promove um encontro mais consistente entre o anseio da carreira internacional no Pop, sobretudo nos Estados Unidos e América Latina, sua reivindicação de espaço no funk e busca constante por protagonismo na exportação do gênero.
Um funk pop
“Funk Generation” é o trabalho mais coeso da cantora desde o “Bang” (2015), álbum responsável por consolidá-la no pop nacional. Nesse intervalo de aproximadamente dez anos, as tentativas de carreira internacional levaram a muitos lançamentos de músicas avulsas, dezenas de colaborações com artistas de múltiplos gêneros, além dos álbuns “Kisses” (2019) e “Versions of me” (2022) que soam, na maior parte do tempo, como compilados de canções genéricas criadas por compositores e produtores estrangeiros.
Nesse contexto, a produção musical do “Funk Generation” aparece enquanto seu grande diferencial. No grupo de produtores, destacam-se nomes como Gabriel do Borel, o duo Tropkillaz e o grupo Brabo Music, responsáveis por diversos hits nacionais há pelo menos meia década. Junto a eles, trabalham pessoas como Diplo, JULiA LEWiS e o grupo Stargate, figuras de destaque do Pop em língua inglesa e espanhola.
No álbum, as 15 faixas não insistem em tentar tornar o funk mais palatável ou relacioná-lo excessivamente com o reggaeton para que seja reconhecido. Pelo contrário, as batidas presentes em “Funk Generation” remetem ao Miami Bass, popular nas primeiras coletâneas de funk lançadas em vinil no final da década de 1980, trazem o tamborzão carioca do fim dos anos 1990, passeiam pelas influências do funk paulista e descentralizam, mesmo que timidamente, o eixo Rio-São Paulo, com referências ao funk mineiro.
As músicas são curtas e encadeadas sem respiro. Fazendo valer assim a premissa de “Lose Ya Breath”, canção de abertura que, em um jogo de múltiplos sentidos, traz Anitta avisando que seu rebolado vai deixar o ouvinte suado até perder o fôlego. Isso acontece tanto pelo beat acelerado que convoca o baile funk como pista de dança quanto pelo teor sensual e explícito que aproxima as primeiras faixas do álbum ao funk putaria feito por MCs mulheres. Ao mesmo tempo, quando canta em inglês sobre o poder da sua buceta em “Grip”, estabelece conexão com o trabalho de rappers estadunidenses, como Meghan The Stallion e Cardi B em “WAP” (2020). Se antes parecia que um caminho para aproximar o funk ao Pop internacional se daria a partir do funk melody mais romântico, como em “Mil Veces”, o funk putaria é uma alternativa para chegar aos ouvintes de rap estadunidense com outras possibilidades de métricas e beats.
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“Sou bem p*ta e todos sabem”
O “Funk Generation” estabelece uma Anitta ainda mais explícita em suas letras sobre sexo. Não só poderosa, destaca que sabe que é irresistível, desejante e que isso não é problema. Junto a cantora espanhola Bad Gyal em “Double Team” declara que é bem puta, piranha e todos sabem, em “Savage funk” já abre pedindo em português: “fode pra caralho, filha da puta!”.
O erótico aparece enquanto lugar de poder em contrapartida ao olhar masculino heterossexual que hiperssexualiza mulheres na indústria da música e que é reverberado nas críticas que a artista recebe ao longo da carreira. Anitta fala da sua bunda, do seu rebolado e evoca, nos videoclipes já lançados, saberes construídos através da dança nos bailes de funk por mulheres jovens e negras. Não é à toa que “Funk Rave” não só referencia a coreografia do Bonde das Maravilhas como traz as próprias artistas que popularizaram o passo “quadradinho de oito” para uma participação especial.
Ao mesmo tempo, como no videoclipe de “Vai malandra” (2017), Anitta está com a pele enegrecida na capa do “Funk Generation”. A ambiguidade das suas aproximações e distanciamentos do funk está relacionada com a forma que sua imagem, uso de adereços e cor de pele são expostos quando se propõe mais periférica, sensual ou funkeira. Como se para ser mais autêntica no funk fosse preciso também ser mais ambígua racialmente. Não precisa ir longe, em comparativo com a capa do álbum anterior “Versions of me”, que apresenta seis versões do rosto da artista, e nenhuma delas deixa margem para questionar uma possível negritude.
Borrando fronteiras
O novo álbum de Anitta faz com que a aproximação do funk com o Pop internacional seja pensada além das lógicas binárias de esvaziamento ou apropriação do gênero musical. Ela não é a primeira artista a levar o funk para fora do Brasil, mas, sem dúvidas, acentua as possibilidades de exportação quando apresenta o “Funk Generation” como seu primeiro grande lançamento através da Floresta Records, com licença de distribuição e comercialização da Republic Records, selo do Universal Music Group onde também estão Drake, Ariana Grande e Taylor Swift.
O álbum promove o flerte do funk com o Pop estadunidense e latino não pela falta, mas pela mistura, onde, até em músicas de pouco protagonismo como “Love in common”, as fronteiras de onde começa um gênero ou outro estão borradas. E borrar aqui não é o mesmo que apagar, mas pensar em conjuntos de novas possibilidades, que não precisam transcender o funk, mas contribuir no fluxo de transformações que todo gênero musical possui como cultura pulsante.
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