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Foto do escritorThallys Rodrigo

“Furiosa”: Passado e futuro no meio do deserto

Atualizado: 30 de mai.

Novo filme da saga "Mad Max" volta no tempo para contar, com qualidade, a história da icônica personagem


Um filme prequel é alvo já esperado para o adjetivo “desastre”. Ou pior, para o desinteresse. Afinal de contas, se o conflito principal da história já aconteceu, de que interessa o passado, para a maioria das pessoas? Quando o resultado da soma já é conhecido, em tese, não faz tanta diferença saber os algarismos que a produziram.


“Mad Max: Estrada da Fúria” (2015) conquistou o público e a crítica justamente por ser um filme que vive no presente. Uma perseguição eletrizante que, a cada minuto, e a cada experiência de quase morte dos protagonistas, atinge quem assiste de forma visceral. Quase não sabemos nada sobre o passado dos personagens do diretor George Miller e não sentimos que precisamos.


Porém, “Furiosa: Uma Saga Mad Max” - que estreia nesta quinta (23) - é uma prova de que arte não é sobre precisar. Não é sobre precisarmos de um porquê para saber mais sobre alguma história ou personagem, e sim sobre um “por que não saber?”, se a ideia for boa. Felizmente, esse é o caso do filme, embora em alguns momentos, seja possível duvidar disso.


Em 2015, com o lançamento de “Estrada da Fúria”, a personagem Furiosa conquistou tanto pelo seu visual distinto quanto pela forte interpretação de Charlize Theron. Implacável, obstinada, habilidosa, mas sempre motivada por uma forte compaixão, instinto protetor e desejo de voltar para casa, garantindo - não só para si - um futuro que, na verdade, reside no passado.


Como já vimos no filme original, o Lugar Verde de Muitas Mães, oásis da infância da personagem, secou e apodreceu. Porém, “Furiosa” mostra o quão importante é retornar a ele para mostrar que a mulher adulta calejada e violenta (mas internamente altruísta e esperançosa), manteve a essência que sempre teve.


O prequel é dividido em várias partes e durante boa parte da primeira metade do filme, Furiosa é apenas uma criança, bem interpretada por Alyla Browne. Roubada do local fértil de onde cresceu, a menina conhece a crueldade absoluta do deserto do universo de Mad Max, quase como uma Eva expulsa do Eden, mas sem ter cometido qualquer erro. Que culpa teve ela diante da crueldade dos homens?



Dementus (Chris Hemsworth) é a figura que a leva cada vez mais para longe de casa. Amante da desordem e da ganância, ele é o total oposto da solidariedade vista na breve introdução da comunidade em que Furiosa cresceu. 


O vilão se torna o responsável por grandes perdas da vida de Furiosa: após perder seu lar, lhe são roubadas as pessoas em que confiou. A menina que só queria o que lhe foi usurpado agora também quer vingança. Nem mesmo o triste passado de perdas de Dementus é capaz de redimi-lo.


O olhar para o passado, aliás, é uma grande temática do longa, com Furiosa sempre buscando retomar não só o espaço, mas também o tempo perdido. Mesmo que retornasse ao Lugar Verde, sua infância, inocência e suas fontes de afeto se foram para sempre. E mesmo assim, até o fim, ela não para de tentar. 


Esse apego insistente pelo que um dia foi e nunca mais será se sobrepõe com o mundo pós-apocalíptico do filme, que guarda poucas lembranças do mundo pré-Mad Max. Se não há perspectiva de futuro, ela é substituído com poucas lembranças do passado e com o caos e a luta por poder como formas de preencher o vazio deixado pelo deserto. 


É em meio a essas lutas manufaturadas por poderosos sem propósito que chegamos ao conflito entre Dementus e Immortan Joe (Lachy Hulme), vilão de “Estrada da Fúria”, que aqui, alguns anos no passado, aparece numa posição ligeiramente melhor perante os olhos do público, apenas porque odiamos mais seu rival. É na Cidadela de Immortan que Furiosa se refugia de Dementus, se preparando para sua vingança e sua volta para casa.



Sempre com a mente no que deixou para trás, Furiosa se recusa a se encaixar no papel misógino das “esposas” de Immortan, disfarçando-se de homem para um dia tentar escapar rumo ao local de sua infância e das pessoas que perdeu. Muitos anos se passam, e é nesse momento que Anya Taylor-Joy passa a encarnar a personagem.


A força da atriz, especialmente em seu olhar, sustenta muito bem a personagem, que, como já alardeado antes da estreia, passa boa parte do filme em silêncio. Olhares e uma forte construção de perfil preenchem, sem deixar qualquer vácuo, a necessidade de palavras. Trata-se de uma interpretação que se sustenta por si só, e também é um complemento muito bem-vindo à atuação de Charlize Theron no filme de 2015. 


É com Furiosa presa na guerra entre Dementus e Immortan que o filme acaba por perder um pouco do gás em seu “miolo”. Uma das várias sequências de ação faz forte referência a “Estrada da Fúria”, mas sem a mesma energia e com um excesso de efeitos especiais incômodo, que também está presente em outras partes do longa e prejudica a imersão, pelo menos em parte. 


Porém, a falta de fôlego da parte central pode ser comparada à estática de um carrinho de montanha-russa no topo de seu trajeto, após a velocidade da subida e antes da arrancada da queda. O filme logo volta a soltar mais vapor que as chaminés da Vila Gasolina e ignorar deslizes visuais rapidamente se torna uma tarefa bem mais fácil, com as sequências de ação também pegando embalo.



O carismático Praetorian Jack (Tom Burke) surge como uma espécie de aliado/amante de Furiosa, e também ajuda a dar peso dramático para a produção e a reforçar a trajetória da protagonista. Ela está em busca de um lar, não só de um lugar físico onde morava. Isso inclui as pessoas que ama. Por Jack, Furiosa abandona, mais uma vez, a chance de retornar ao Lugar Verde, para salvar quem ela quer bem. 


Desde o início até o fim do filme, ansiamos por ver a personagem alcançar um destino que sabemos desde 2015 ser impossível. Mais uma prova de que, quando a história é boa e rica de verdade, vale a pena acompanhar os números que geraram a soma já conhecida. Só torcemos por Furiosa porque sentimos que a conhecemos e só a conhecemos porque a entendemos. 


E são a natureza determinada (e inocente) de “Furiosa”, a força de Anya e a potência do universo construído visualmente por George Miller (mesmo que com CGI deficiente) que nos conduzem por essa estrada, ainda que com solavancos, até o destino final. 


Assim como sua protagonista, o desfecho dessa história de saudade, que se torna uma história de vingança, não foge da crueldade, mas também traz um aceno à esperança. Mesmo que seja atravessado pela violência, como tudo no mundo desolado de “Mad Max”, e mesmo que fosse preciso, literalmente, esperar. Por tanto tempo. E apenas para ter que mudar os planos, mais uma vez. 


“Furiosa” mistura as trilhas do passado e do futuro da franquia nas areias, em uma jornada imperfeita, mas que vale a pena vivenciar. Se “Estrada da Fúria” corre quase sem parar, o prequel toma seu tempo para refletir, emocionar e, em alguns momentos, eletrizar. É potente como um motor a explosão e é agradável como voltar para casa. 


Veredito: 4/5



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