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Futebol x Coronavírus: como o esporte tentou driblar a pandemia e fracassou

Atualizado: 30 de mai. de 2023


Comemoração de gol no jogo Flamengo x Corinthians | Foto: Andre Durao

Desde que a Covid-19 foi considerada uma pandemia pela Oragnização Mundial da Saúde, a OMS, no dia 11 de março de 2020, e classificaram o lockdown como uma das medidas necessárias para conter o avanço do vírus, os setores sociais se questionaram sobre como lidar com a pandemia. Com a área esportiva não foi diferente: partidas, campeonatos e até mesmo as Olimpíadas de Tóquio 2020 foram adiadas como medida emergencial. A princípio, o futebol não fugiu dessa regra, mas passados 5 meses sem partidas o retorno dos times aos campos aconteceu. Essa volta buscou respeitar as medidas de prevenção necessárias, mas também ludibriar o máximo possível esses padrões sanitários.



A decisão de barrar a continuidade dos campeonatos é algo independente de cada país. Mesmo com as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) de interpelar qualquer tipo de aglomeração, as Ligas Esportivas de alguns países, como Bielorrússia e Ilhas Faroé, não foram interrompidas. Por sua vez, também houve locais que decidiram interromper essas atividades, como o Brasil, e os que resolveram encerrá-las de vez, como a França e Bélgica.


As Ligas que optaram por aguardar um afrouxamento da pandemia para retomar os jogos, buscavam meios de preservar a integridade física de jogadores e comissão técnica do vírus, sobretudo porque o esporte é de contato direto e não há maneiras de coibir esse fato. Por isso, a maioria das medidas adotadas foram: uso de máscara e totens de álcool em gel obrigatórios; ausência de público nas arquibancadas e de crianças na abertura dos jogos no estádio; testagem dos jogadores e comissão; medição de temperatura; diminuição o número de pessoas na área técnica; entre outros parâmetros sanitários.


Um dos primeiros países que autorizaram a volta do futebol foi a Alemanha, que teve seu último jogo antes da parada pandêmica no dia 11 de março. A Primeira-Ministra Angela Merkel permitiu que as partidas voltassem seguindo rígidos protocolos de segurança impostos pela DFL, a Liga de Futebol Alemã, em tradução livre. O primeiro jogo pós parada aconteceu no dia 16 de maio, na volta do Campeonato Alemão pela 26º rodada, com mudanças que foram celebradas e acatadas pelos clubes.


Com a volta de uma das principais competições da Europa, os outros países também resolveram retomar com os jogos, adotando medidas de contenção do vírus ao longo dos meses. Já a volta do público aos estádios foi um acordo proposto por 16 estados alemães para a volta de 20% da torcida nos jogos de todo o país. Com a promessa de distanciamento de 1,5m e uso de máscara, a proposta não foi totalmente cumprida na vitória do Borussia Dortmund no dia 19 de setembro.


Jogo entre Borussia Dortmund x Borussia Monchengladbach no 1º jogo com torcida. Foto: Reprodução/AFP

A situação no Brasil


No Brasil, a volta do futebol foi planejada para o dia 08 de agosto, com as séries A, B, C e D do Brasileirão e também a volta dos Estaduais que foram interrompidos. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) elaborou um guia para auxiliar os clubes sobre o vírus e como lidar com o retorno do futebol. Além das regras básicas de uso da máscara e medir a temperatura, a testagem se limitava aos 23 jogadores relacionados, técnicos e árbitros das partidas com 72h de antecedência, com resultados divulgados na véspera do jogo.


Quando a cartilha foi divulgada já houve críticas sobre uma possível demora na divulgação dos exames, além da falta de transparência sobre uma quantidade mínima de jogadores contaminados para não realizar a partida. A falta de planejamento efetivo da CBF trouxe consequências para o futebol brasileiro, porque de fato: já era previsto que o modelo proposto não seria de mínima eficiência.


No primeiro fim de semana da volta dos Campeonatos Brasileiros tiveram jogos suspensos de última hora e 37 atletas, que estavam relacionados para as partidas, foram positivados para Covid-19. A falta de profissionalismo da CBF foi duramente criticada pelos jogadores que aguardavam o adiamento das partidas, comprometidas pela falta dos atletas principais.


Apesar da contaminação geral entre os clubes, houve o adiamento de alguns jogos afetados pelo vírus, como Treze x Ypiranga, pela série C. Mas a repercussão maior veio pela partida de Goiás x São Paulo que foi suspensa minutos antes de acontecer. Os jogadores já estavam em campo aguardando alguma decisão da CBF, mas ela não aconteceu. O juiz do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) que impediu o início do jogo, e ao se retratar, a Confederação afirmou que não havia recebido nenhuma notificação sobre casos de Covid-19 no Goiás. O time goiano fez os exames, como pedido, mas obteve problemas com a coleta, o que gerou a necessidade de refazê-los. Com isso, ocorreu a demora no resultado que saiu no dia da partida: dos 10 atletas positivados, 8 eram titulares. O clube pediu adiamento da partida para a CBF, que não atendeu o pedido a tempo.


Jogo entre Goiás x São Paulo foi adiado na volta do Campeonato Brasileiro por surto de Covid | Foto: Reprodução/TV Globo

Em contrapartida, o jogo entre CSA x Guarani, válido pela série B, não foi cancelado. Cerca de 8 atletas testaram positivo para Covid-19, fora os outros que tiveram contato em treinamento, preleção, hotel e etc. O fato é que o adiamento da partida foi requerido pelo time alagoano, mas a CBF não acatou o pedido porque os times já estavam no hotel concentrados para a partida. O Guarani entrou em campo e perdeu a partida para o CSA, mas a verdade é que a derrota já estava decretada antes mesmo do apito final do árbitro.


Revisão dos protocolos


O descaso com a maior primazia do futebol, a saúde dos atletas, tem moldado regras e protocolos sem sentido ao longo de todo ano pandêmico. Logo depois dessa problemática com surtos de Covid-19 e da demora na entrega dos exames, a CBF emitiu uma nota anunciando alterações nos protocolos de testagem como: exames em todos os jogadores inscritos na competição em todos os jogos, e com 72h de antecedência; permissão para clubes utilizarem outros laboratórios com selo de aprovação das entidades de saúde competentes, com reembolso da CBF; envio de resultados antes de 24h (mandantes) e 12h (visitantes) à Confederação para facilitar a troca dos jogadores positivados. Além disso, pediu-se que os clubes sigam à risca o Guia Médico disponível no site da Confederação com detalhes sobre o vírus e como deve ser a manutenção dos locais para prevenir contaminação em massa.


A mudança é óbvia e benéfica para todos os clubes, e até mesmo para o cenário esportivo, mas, como todos sabem, não se controla a natureza, e não há nenhum contrato de restrição com o vírus. Os surtos e os casos isolados continuam pairando nos clubes, muitas vezes sem um controle básico de segurança nem mesmo cuidados efetivos. Poucos clubes passam ilesos quando se fala em surto, como o São Paulo, apenas casos isolados de alguns jogadores específicos e que, na maioria das vezes, tiveram contato além do grupo. Corinthians, Santos, Fortaleza, Náutico, CRB, Remo, São Bento, entre outros clubes de todas as séries do Campeonato Brasileiro, sofreram com o surto da Covid-19 em tempos diversos da pandemia. Em muitos times, isso ocorreu mais de uma vez.


As reclamações sobre futebol dentro de uma pandemia não são seriamente debatidas dentro do meio. A Confederação e os clubes não querem perder patrocínio e dinheiro com a paralisação total do esporte, como ocorreu em março de 2020. O que transparece para a sociedade é que há um acordo não dito sobre não falar, nem se queixar das milhões de mortes ao redor do mundo, e como a doença pode estar afetando a vida física dos atletas através das sequelas deixadas pela doença.


Porém, sempre existe um ou outro que ''quebra esse contrato'' para explicitar a realidade. Quando o Brasil bateu 1.840 mortes em 24h, Lisca, técnico do América-MG, em entrevista antes da partida contra o Athletic Club, válida pelo Campeonato Mineiro, desabafa sobre a situação da pandemia e faz apelo à CBF para resolver a situação dos clubes em relação a Copa do Brasil. O técnico teme novos casos nos clubes, que precisam fazer viagens de longa distância para cumprir tabela nos campeonatos.


"Nosso país parou, gente. Não tem lugar nos hospitais, eu estou perdendo amigos, amigos treinadores. É hora de segurar a vida. Aqui no Mineiro tudo bem, é mais perto, mas como vão levar uma delegação do norte para o Sul. Presidente Caboclo, pelo amor de Deus, Juninho Paulista, Tite, Kéber Xavier, autoridades. Nós estamos apavorados" - Lisca

O simbolismo da fala de Lisca vai além do apelo geral para os responsáveis pela continuidade do futebol no Brasil: é uma voz que vai contra a corrente e mostra a realidade que muitos preferem esconder. Enquanto os países se fecham para conter mais uma nova onda, mesmo com a vacina sendo aplicada, o CEO das Olimpíadas de Tóquio afirma que é impossível adiar os jogos e talvez uma das medidas tomadas será impedir que estrangeiros vão ao Japão assistir. A CBF afirmou hoje (10) que a continuidade dos Campeonatos está sendo feita de forma segura e responsável, e ajustará os protocolos para 2021, tornando-os mais rígidos.


O descaso é uma cadeia cíclica


O debate sobre a volta de esportes, no geral, não deveria ser levantado pelo simples fato de estar em curso aquela que talvez seja maior pandemia dos séculos, e a destruição causada na vida de cada indivíduo não está sendo considerada quando se omite fatos. Minutos de silêncio, nome de vítimas nas camisas, entre outras homenagens acabam se esvaziando quando o esporte é visto pela óptica dos empresários: como negócio, e nada mais.


Torcedores aglomeram para comemorar o título do Palmeiras pela Copa do Brasil | Foto: André Porto/UOL

A curto prazo, a cartilha que foi anunciada parece ser razoável, se todos os clubes e jogadores a respeitarem integralmente, mas o que se observa é desrespeito com as normas técnicas e com os milhares de brasileiros que perderam familiares para o vírus. As aglomerações feitas por torcedores e jogadores estão sendo menos culpadas, com a desculpa de que fazer festa é necessário para comemorar títulos e campeonatos, o que só faz crescer a premissa de novas ondas surgindo e o desprezo com os próprios torcedores que perdem parentes e amigos pelo vírus. A estrutura é um círculo vicioso que atinge gravemente os que mais necessitam de auxílio, e essa cota não inclui presidentes de clubes, nem mesmo os jogadores de alto escalão.


Foi anunciado recentemente o lockdown em vários estados brasileiros causado pelo crescimento exacerbado de contaminados, mortos e falta de leitos de UTI para Covid-19 e dentre as proibições impostas pelo fechamento estão as partidas de futebol. O que pôde se observar, mais uma vez, é o quanto as Federações buscam meios para driblar essas determinações com a prerrogativa de que o futebol é um esporte profissional e segue os protocolos sanitários. Já os estados que coibiram as partidas cogitam até transferir os jogos para outros estados. A Federação Paulista de Futebol (FPF), por exemplo, confirmou o jogo entre São Bento x Palmeiras para hoje (24), no Rio de Janeiro, em um acordo feito pela pelo Governo do Estado do Rio, com a Prefeitura de Volta Redonda e a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. Lembrando que o Brasil bateu na segunda-feira (23) o dia mais letal de toda a pandemia com 3.251 mortos em 24h.


Há uma máxima do futebol que se aplica nesse contexto: em partida decisiva os dois lados são neutros, não se deve declarar um favoritismo, porque a camisa que pesa mais no jogo acaba ganhando sem grandes esforços. E o time da Covid-19 tem ganho todas, há 1 ano, dentro e fora de campo.


 

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