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Foto do escritorThallys Rodrigo

“Guerra Civil”: a câmera não é escudo para o conflito

Longa com Kirsten Dunst e Wagner Moura ignora origens de seu conflito para focar em envolvente jornada emocional


De uns anos para cá, se posicionar sobre um determinado virou um ato diário para muitos, em uma era marcada por discussões - úteis ou não - sobre conflitos da atualidade, inclusive situações bélicas que ameaçam a vida de milhares.


Diante do horror, há quem apoie um lado, há que apoie outro, há quem fique em cima do muro. E há, ainda, quem não opine abertamente sobre o que acham e se resumem observar e reproduzir o que está acontecendo. É isso que buscam diversos veículos jornalísticos, por exemplo.


Porém, diante de assuntos que lidam diretamente com vida e morte, é realmente possível apenas observar e relatar o que é visto, sem se envolver? Há espaço real para a ausência de posicionamento e de subjetividade?


"Guerra Civil" (A24, 2024), novo filme de Alex Garland ("Ex Machina") estreia nesta sexta (18) nos cinemas, questionando esse espaço de suposta neutralidade do jornalismo - e da sociedade, em geral - ao mesmo tempo que mostra as "doenças oportunistas" que se alastram por um estado quando há uma guerra acontecendo bem no quintal das casas. 


No longa, vemos um cenário de devastação nos EUA, após um conflito bélico interno cuja natureza nunca é totalmente esclarecida. O que se sabe é que o país tem um presidente (Nick Offerman), com uma persona semelhante a Donald Trump, que perdeu o apoio de boa parte dos estados do país. Estados esses que agora marcham em direção a Washington D.C. para derrubar o governo de uma vez por todas.


Vivendo em meio a esse caos, os jornalistas Lee (Kirsten), Joel (Wagner Moura), Jessie (Cailee Spaeny) e Sammy (Stephen McKinley Henderson) resolvem aproveitar aquela que pode ser a última oportunidade de entrevistar o presidente antes de sua derrota e provável morte pelas mãos dos estados "rebeldes". Para isso, será preciso cruzar locais dominados por forças militares e ameaças das mais diversas, em uma jornada arriscada e imprevisível.


A principal força do longa se mostra na dualidade entre Lee e Jessie. A primeira é uma fotojornalista experiente e premiada que, em parte, se vê um tanto desiludida em relação à diferença que suas fotos em campos de batalha causam no mundo. Afinal, qual a serventia de arriscar a vida e registrar cenas terríveis se os conflitos armados parecem nunca parar de acontecer? 



Calejada após registrar horrores dos mais diversos, desde corpos empilhados até execuções, Lee tenta explicar, sem muita paciência, para a novata Jessie, o distanciamento emocional que é, em tese, necessário em uma profissão como essa. Jessie tem todo o interesse pelo ofício mas, ao menos no início da sua jornada, ainda é um poço de temor no campo de batalha. 


Traçando juntas um caminho repleto de momentos terríveis até a capital do país, as duas personagens aos poucos desenvolvem uma relação interessante e que, gradativamente, muda o modo de cada uma de ser. Lee se torna cada vez mais afetada pelos horrores causados pela guerra enquanto Jessie fica mais e mais disposta a fazer loucuras para capturar a foto perfeita


O fotojornalismo (e o jornalismo), de forma geral, está bem no centro dos temas abordados por “Guerra Civil”. O longa destaca a importância da profissão ao mesmo tempo que evita idealizações, e propõe, sem oferecer uma resposta, diversas perguntas sobre a natureza do fazer jornalístico e fotojornalístico


É como se expusesse que, mesmo tendo seu papel, a cobertura das guerras também pode ser um desafio à humanidade de quem está por trás das câmeras que fotografam os corpos, as execuções e as barricadas. É um filme recheado de atos de crueldades sendo fotografados pelas lentes de repórteres que, tão ávidos por captar imagens poderosas, tentam deixar empatia e posicionamento pessoal para trás.



Esse é o exemplo mais evidente do tema mais geral que o filme busca abordar: não o que causou a guerra, mas sim o modo com quem está envolvido lida com ela. Em "Guerra Civil", vemos desde a negação, com pessoas vivendo em pequenas cidades ou ranchos como se nada estivesse acontecendo, até um abraço caloroso da violência, seja por sobrevivência ou por mera oportunidade.


No caminho dos jornalistas até Washington, acompanhamos várias figuras e grupos que exercem violência, na maioria das vezes sem saber qual das diversas facções da Guerra Civil elas representam. Entre elas, destaca-se o papel curto, porém extremamente marcante, de Jesse Plemons, como um soldado racista e ultranacionalista que, em meio a uma guerra supostamente desencadeada por ideais maiores, aparentemente luta apenas pelo seu próprio orgulho. 


Sequências tensas e calorosas se alternam no filme, construindo uma ideia constante de insegurança, que, juntamente com o talento e o carisma dos quatro personagens principais, deixa os espectadores frequentemente temerosos pelas vidas deles. Isso se dá, principalmente, em sequências focadas na ação e na tensão dos conflitos, que, devido à direção competente de Alex Garland, são imersivas e cumprem o seu papel.


Seja em sequências de fogo armado ou conversas de cunho pessoal enquanto se observa mísseis ao longe, o trabalho de Kirsten Dunst e Cailee Spaeny ancora o longa, mas Wagner Moura e Stephen McKinley Henderson mostram diferentes lados do grupo, todos eles comprometidos com a profissão e com o desejo de fazer história. 


Assim como as fotos que os jornalistas tanto buscam capturar, diversas imagens captadas pelo fotógrafo do longa, Rob Hardy, são impactantes. Porém, isso não é uma constante, e o visual um tanto “limpo demais” do longa, sem filtros, acaba por dar um visual um tanto artificial ao filme.


Isso acaba por ser ressaltado também por alguns cenários, especialmente em cenas de ação, que se afastam da verossimilhança. É possível que isso se dê por esse ser o primeiro filme dessa escala pela A24 ou simplesmente por uma opção artística difícil de entender.



Além disso, algumas cenas associam imagens de violência e/ou destruição a canções que inspiram conforto ou êxtase, uma escolha que, a princípio, parece não ornar com a narrativa geral de “Guerra Civil”. Certamente o filme não é pró-guerra ou pró-violência, e é possível que a citada sobreposição entre imagem e música busque representar os conflitos dos personagens principais em meio à guerra, mas não deixa de ser uma escolha confusa, ainda que não "azede" o resultado como um todo. 


“Guerra Civil” é mais um acerto de Alex Garland e da A24, mesmo que não acerte em tudo que se propõe a expor. O filme tem uma visão bastante nítida do conflito de fotojornalistas - e do público em geral - em relação à barbárie, apresentando uma trajetória suficientemente sólida dos personagens para fazer refletir, mesmo sem expor, em detalhes, a natureza do conflito em torno do qual o longa gira.


No fim, o que importa é o conflito por trás da câmera dos protagonistas, que, em alguns casos, pode até fazer as vezes de arma, mas nunca de escudo contra os horrores presenciados.


Veredito: 4/5



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