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Foto do escritorMikhaela Araújo

"Meu Nome É Gal" é um retrato bonito da intimidade de Gal Costa

O filme protagonizado por Sophie Charlotte acerta justamente em não querer abarcar o que ninguém conseguiria


Foto: Divulgação

A maior cantora do Brasil. A mãe de todas as vozes. Quando se fala isso, já é sabido que se está falando de Gal Costa, ou Maria da Graça, Gracinha, Gau. A artista baiana que presentou o mundo com sua voz e música e infelizmente nos deixou em novembro de 2022. Porém, a sua cinebiografia já estava sendo feita há alguns anos - aproximadamente seis -, e serve hoje como homenagem, memória e presente.


"Meu Nome É Gal", que estreia nesta quinta (12) nos cinemas brasileiros, já começa acertando na escolha temporal da história que quer contar, diferente de outras cinebiografias, que pecam por querer resumir uma vida inteira em apenas algumas horas. Dirigido por Dandara Ferreira e Lô Politi, o longa acompanha apenas alguns anos da trajetória de Gal, porém, alguns dos mais importantes, tanto para ela quanto para a história do Brasil. Entre 1967 e 1971, Maria da Graça se tornava e se solidificava como Gal Costa, e o nosso país vivia, ao mesmo tempo, um de seus períodos mais obscuros e teneborosos: eram os primeiros anos do regime de Ditadura Militar.


O foco narrativo é justamente no desabrochar de Gal como artista, depois de sair do ninho que nasceu - Salvador -, num momento complicado, que praticamente a obrigou a se colocar como uma das mais revolucionárias e importantes cantoras do país. No filme, o público consegue acompanhar uma jovem que "só queria cantar", sem tantas ambições, mas dá de cara com outros deveres, que sabemos que ela fez questão de cumprir, como fica evidente no fim da produção.


A serenidade e o prazer do coletivo


Foto: Divulgação

Sophie Charlotte, que intepreta Gal, é, defitivamente, o maior trunfo de "Meu Nome É Gal". O fato dela não ser exatamente igual à Maria da Graça é o que permite que a atriz explore a personagem de outras formas, ficando mais à vontade para encarná-la. A serena voz de Sophie como Gal em conversas é positivamente característica e, quando precisa cantar, o faz muito bem.


Por outro lado, enquanto Sophie não se parece tanto fisicamente com quem está interpretando, a afirmação não se aplica aos seus colegas de elenco. Muitos nomes importantes na vida de Gal - e na música brasileira - aparecem ao longo do filme e a maioria têm grande semelhança com os atores que os interpretam, em especial Dandara Ferreira como Maria Bethânia e Rodrigo Lélis como Caetano Veloso. Entre as outras atuações, os grandes destaques são Dan Ferreira como Gilberto Gil e Camila Márdila como Dedé. Chica Carelli, que interpreta a mãe de Gal, é uma das melhores partes do longa, com uma humanidade e sensibilidade impressionantes.


O filme começa acompanhando a chegada de Gal ao Rio de Janeiro, quando vai morar com muitos desses nomes citados antes. Caetano, Gil, Dedé, Rogério Duarte, Tom Zé, Macalé, entre outros. Nesse momento, há um senso de coletivo forte e um prazer, no fazer música, nas experimentações e na descoberta do novo. Aqui há também alguns clichês de cinebiografias: o primeiro não, a descoberta por um produtor - interpretado por Luis Lobianco -, o primeiro álbum.


Mas há de se comemorar o que não ficou clichê, apesar das chances de o ser, como por exemplo a sexualidade e o desbunde de Gal e seu grupo de amigos. Não há uma "fossa" com drogas, muito presente em outras cinebiografias nacionais - apesar do filme chamar bastante atenção para o cigarro que está sempre na mão da cantora -, não há abordagem forçada da sexualidade de Gal, é bastante natural e fluido. Para falar sobre a infância, o longa não mostra ela inteira, apesar dos takes interessantes de flashbacks para uma Gracinha criança. Descobrimos bastante dessa fase dela, por exemplo, em uma cena em que a mãe a visita e vai morar com ela de forma inesperada. É um dos arcos mais bem construídos do filme.


Mesmo com o foco em Gal, a produção faz questão de não deixar seus outros personagens como meros coadjuvantes descartáveis e sim pessoas importantes na vida da protagonista. As trocas entre Gal e seu círculo social no filme parecem genuínas e são repletas de carinho, refletindo até mesmo nos olhares. Provavelmente, os elos criados entre o elenco contribuíram para isso.


A inexistência de grandes altos e baixos funciona e evita que "Meu Nome É Gal" caia em erros comuns em filmes biográficos. Não há fundos do poço longos nem picos de sucesso de Gal. A obra mostra a vida da artista, que é, no fim, uma pessoa, um ser humano, que tem uma vida como todos nós.


"Então o show não vai acabar"


Foto: Divulgação

Em sua segunda parte, quando começa a abordar os momentos mais complicados - Caetano e Gil presos e exilados, cerco militar se fechando e Gal ficando mais sozinha -, o filme acaba perdendo um pouco seu foco. Aqui, a alegria sai e dá espaço para a tensão. Não sei se essa tensão não combina com as diretoras, mas a sensação é que algo não encaixa.


Porém, isso não é um fator que chega a estragar o filme. É aqui que vemos Gal entendendo o que precisa fazer, que precisa agir, se posicionar, e mostra como isso é também cansativo, principalmente psicologicamente. O longa está sempre lembrando ao público que o momento era de opressão e medo, mas nunca abaixando a cabeça - como Gal fez. É praticamente impossível não se emocionar com as cenas finais, principalmente ao assistirmos após a nossa estrela dar adeus a este plano físico.


"Meu Nome É Gal" é uma das cinebiografias recentes mais bonitas e sensíveis do cinema nacional. Ele é direto e simples, ao mesmo tempo que aborda diferentes camadas da artista e da nossa história como país através da vida de Gal, sem deixar nunca ela fora de foco. É lindo observar Gal tomando sua vida para si e conquistando sua autonomia.


Em seu fim, deixa evidente que nunca haverá o fim de Gal, a mulher fatal, estratosférica. É importante como homenagem e como manutenção da memória. Ah, e é um fato: quem é fã, vai ser emocionalmente tocado - e não é esse o maior motivo para termos cinebiografias de artistas tão importantes? Vale a assistida.


Veredito: 3,7/5

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