‘NUMANICE’ de Ludmilla e a narrativa do relacionamento sáfico no pagode
Atualizado: 30 de mai. de 2023
por Nycolle de Moraes e Samantha Oliveira
Era 2020 quando a ideia de propor a namorada em casamento passou pela cabeça de Dayanne Soares. Mas, como sempre dizem, o amor é paciente e a jornalista carioca resolveu esperar.
Parecia que o momento certo nunca chegaria - afinal, momentos certos tem esse ar de inexistentes - até que, dois anos se passaram, e um show de pagode mudou tudo.
Mas não foi qualquer show de pagode - por mais que isso já seja argumento suficiente para se declarar ali mesmo. Era o de Ludmilla, o que tornou tudo ainda mais especial para o casal.
“Esse ano a gente descobriu que ia ter o show da Ludmilla, ela trabalha fim de semana e esse show caiu numa quinta-feira. Era a oportunidade perfeita e eu já tinha pensado nisso", relembra, em entrevista à TAG.
A história ganha um tom místico quando a prima da companheira de Dayanne sonhou com o tal pedido. "Ela acordou e me mandou mensagem de manhã falando: ‘Amiga, eu sonhei com você dando aliança pra ela. Seria lindo se você desse enquanto a Lud canta Maldivas. Aí, eu pensei: ‘É um sinal, preciso fazer isso hoje’”, contou.
Assim, no dia 31 de março de 2022, ao som da icônica Maldivas, Dayanne deixou de ter uma namorada e agora anda ao lado da sua noiva. “Eu pedi, ela aceitou e foi lindo. Lindo do nosso jeito. Foi maravilhoso. Do jeito que tinha que ser e que eu esperava que fosse”, descreveu.
E vamos de background
O cenário romântico e representativo de Dayanne é só mais um dos milhares que Ludmilla carrega consigo ao narrar, sem ser nas entrelinhas, seu relacionamento com a atual esposa, Brunna Gonçalves, em suas composições.
Não dá para já chamar a cantora carioca, inicialmente vinda do funk, de pioneira no que faz, mas é correto reconhecer alguns marcos importantes desde que o 'Numanice' veio à tona.
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Considerado um dos grandes sucessos do pagode atual, o projeto foi lançado em 2020, em uma tentativa arriscada, mas certeira, da ex-MC Beyoncé de mostrar sua versatilidade.
Além de ser uma mulher negra no pagode - um gênero predominantemente dominado por homens cisgênero - Ludmilla também falou sobre o relacionamento com outra mulher (que também pode ser chamado de sáfico) e a rotina desse casal.
O que é 'Numanice' e qual a importância dele na música?
No cenário musical brasileiro, é possível contar nos dedos as mulheres que se destacaram no pagode, como as eternas Leci Brandão e Beth Carvalho.
Contudo, a indústria do pagode ganhou um novo nome, que vem conquistando
seu espaço já há algum tempo: Ludmilla. Foi em 2021 que a cantora decidiu apostar no projeto Numanice e lançou o primeiro mini álbum. Ao todo, foram seis faixas gravadas ao vivo em formato de show, sendo quatro de autoria própria e duas versões novas de canções já conhecidas pelo público.
Fruto da Baixada Fluminense, periferia de Caxias, no Rio de Janeiro, Ludmilla começou a cantar aos oito anos de idade nos pagodes da família e não demorou muito para engatar em sua carreira ainda muito jovem, sendo conhecida como ‘MC Beyoncé’ com o hit de 2012 'Fala Mal de Mim’. A rainha dos passinhos já mostrou sua versatilidade na indústria musical por diversas vezes, se destacando entre o pop, R&B, reggaeton, axé, afrobeat e muitas outras vertentes musicais que deixam visível o talento para as suas famosas “canetadas”, como assim chama as canções que compõe.
A artista traz para o campo do pagode letras que mostram a visão da mulher e suas perspectivas, como prazer feminino e o amor sáfico. A importância e representatividade desse tipo de produção aumenta quando levamos em conta que Ludmilla é uma mulher negra, periférica e assumidamente sáfica.
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O resultado
Logo após a estreia, a primeira edição do ‘Numanice’ foi um sucesso de público e recebeu críticas favoráveis, além de todas as faixas terem conquistado o Top 200 Brasil do Spotify. O site ‘E Mais Goiás’ elogiou o projeto e a versatilidade da artista em suas diferentes atuações no projeto. Em um dos trechos, o jornalista Murillo Soares diz que
O projeto, além de mostrar versatilidade na voz da cantora, explora outros talentos dela enquanto artista. Como dito, ela compôs mais da metade do EP, mostrando que tem mais profundidade, maturidade e criatividade.”
A voz de Ludmillla junto ao pandeiro e cavaquinho deu tão certo que, em janeiro de 2022, o Numanice ganhou mais dez faixas inéditas - todas compostas pela artista. Entre paixão e muito samba, Ludmilla não se limitou em suas canetadas e deu voz a canções que falavam sobre o amor entre duas mulheres. Maldivas e 212, por exemplo, foram dedicadas exclusivamente para a sua esposa, Brunna Gonçalves, com quem é casada desde junho de 2019.
Falando em charts, Ludmilla esteve, em maio deste ano, no ranking das 20 músicas femininas Latinas no gênero solo brasileira mais reproduzida no Spotify em 2022, ocupando a 11ª posição, com Maldivas. Dois meses depois, o show Numanice ganhou espaço em Salvador, reunindo mais de 30 mil pessoas em prol do mesmo objetivo: curtir uma boa música na terra baiana. E isso Ludmilla entregou.
O que não imaginavam é que os números ultrapassariam até mesmo Beyoncé que, até então, tinha sido a artista negra solo que reuniu o maior número de pessoas na Bahia quando esteve de passagem pelo Brasil em 2010, com a tour ‘I Am World Tour’.
Passados poucos meses, em junho deste ano, o Numanice continua fazendo sucesso e estourando bolhas como ninguém. Prova disso é a apresentação de Ludmilla no programa Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo, em que ela fala explicitamente sobre seus momentos com Brunna. A ocasião, inclusive, repercutiu nas redes sociais.
Ela representa
Para Dayanne que, assim como Lud, é negra, periférica e faz parte da comunidade LGBTQIA+, a cantora é mais do que uma voz potente no pagode.
"Tudo que ela vem fazendo nesse gênero me impacta de forma muito especial. Primeiro: por ela ser uma mulher bissexual e casada com outra mulher, ela representa os relacionamentos lésbicos quando canta música de amor entre mulheres da forma mais linda", pontua.
E ela não se limita a falar somente sobre o amor, mas canta o sexo, ela canta a rotina, canta os sonhos que sonhamos e a vontade de casar com a mulher que amamos, sem medo, ela canta pra nós o que a gente tem medo de dizer com tanta força às vezes, por tantos dilemas que precisamos enfrentar", explicou.
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