"O Dublê" brilha de leve, sem se acidentar
Mistura de comédia e ação com Ryan Gosling diverte, mesmo sem tantas inovações
Após chamar tanta atenção com sua Kenergy em "Barbie", Ryan Gosling tem uma nova missão: fisgar mais uma vez o público com seu arsenal de carisma, piadas e fios loiros, agora em uma história focada em um profissional cujo próprio trabalho, ironicamente, é não ser notado.
"O Dublê" ("The Fall Guy", 2024) estreia nesta quinta-feira (02/05) nos cinemas com a promessa de unir ação, comédia e romance em uma trama leve, baseada em uma série de TV americana da década de 1980 sobre o universo dos dublês. Assim como a maioria dos bons trabalhadores do ramo, trata-se de uma obra que cumpre o seu papel, mas sem alcançar o estrelato.
Em meio às aventuras e desventuras de Colt Seavers, protagonista vivido por Gosling, o filme arranca risadas pisando em um terreno relativamente seguro. Tudo parte da jornada de Colt em busca do astro de filmes de ação do qual ele é dublê em diversos filmes, uma premissa simples e efetiva.
O que não é nada simples é a vida do dublê que dá nome ao filme. Logo ele, pago para ser invencível, tem que lidar com um acidente de trabalho, que mina sua confiança e põe um entrave na sua relação apaixonada com a aspirante a diretora de cinema Jody (Emily Blunt).
Quando o arrogante astro Tom Ryder (Aaron Taylor-Johnson) desaparece em meio às filmagens do primeiro filme dirigido por Jody, Colt é chamado pela produtora Gail (Hannah Waddingham) para encontrar Tom, e se vê enredado em uma teia de criminosos, ao mesmo tempo que tenta recuperar a confiança de sua ex-namorada. Diferente dos filmes em que atuou como dublê, as armas apontadas para ele agora não são mais de mentira e as explosões não são controladas.
Por meio da jornada de Colt, “O Dublê” busca divertir em várias frentes, com uma abordagem cômica das atividades de dublês e figurantes em um set de filmagem. As sequências nos sets do longa de Jody são interessantes, sejam elas cômicas, focadas em ação ou num mix de ambos. Em geral, é refrescante ver um filme com essa escala de orçamento focado no processo de produção de filmes.
O humor do filme reside bastante também com a ironia em um profissional acostumado a enfrentar “perigos falsos” de repente se deparar com riscos bastante reais. Às vezes, o filme recorre até mesmo à metalinguagem, debatendo de forma cômica métodos de filmagem e escrita de roteiro. Aqui e ali, elementos do filme dentro do filme vazam para a “vida real” dos personagens do longa e vice-versa.
O arsenal de piadas dentro do filme é variado, indo desde a vida dos próprios dublês, até “All Too Well”, hit choroso de Taylor Swift, passando por hilárias referências a “Duna”. O filme tem no humor um ponto positivo, com uma energia muito semelhante a outros filmes do diretor, se aproximando mais da perspicácia pop das piadas de "Deadpool 2" (2018) que do resultado morno de "Trem Bala" (2022).
LEIA TAMBÉM: Review - "A Paixão Segundo G.H." faz retrato intimista e valoriza texto de Clarice Lispector
Mesmo assim, a tentativa de se espelhar em um modelo de filme tradicional, que agrada a todos os públicos, atrapalha “O Dublê”, e a obra acaba por não se destacar tanto quanto poderia. Em determinado momento, a história se torna previsível, assumindo um formato excessivamente familiar.
Há uma certa crise de identidade no filme, que em diversos momentos parece tirar sarro de clichês cinematográficos, apenas para, mais tarde, reproduzir diversos clichês, seja um desencontro romântico, uma cena de ação exagerada ou um discurso onde o vilão explica o plano. A “autoconsciência” da produção acaba por soar limitada.
O comprometimento insuficiente da história com a originalidade e com a consciência sobre os elementos batidos de filmes com grande orçamento freia o brilhantismo de “O Dublê”. Isso também tem relação com o destaque dado à ação, que se destaca de verdade em poucas sequências, como as que concluem a história do longa no set de filmagens.
Na maior parte da produção, não se alcança o mesmo destino de “Atômica”, filme de David Leitch famoso pela energética coreografia de lutas. E mesmo com um bom arsenal de piadas e um elenco carismático, a história apresenta sinais de cansaço diante das pouco mais de 2 horas de duração.
Ainda assim, a qualidade do elenco ajuda a dar sustentação à experiência. Ryan Gosling se solidifica mais uma vez como um bom protagonista cômico, ainda que a jornada emocional do personagem tenha soluços por ser contada, em grande parte, por meio de diálogos expositivos óbvios e pouco charmosos.
Emily Blunt, sempre com uma presença forte, ajuda a dar ainda mais corpo a um papel bem escrito, sem ser limitada a ser apenas “a namorada” do personagem principal. Os dois não possuem uma química tão explosiva, mas são um par satisfatório e pelo qual dá para torcer sem pestanejar.
Há também um certo destaque para Winston Duke, que interpreta Dan, coordenador de dublês e amigo do protagonista e Aaron Taylor-Johnson, que passa boa parte do filme sumido, mas, quando aparece, deixa um gosto de quero mais com a graça que traz para o personagem.
Trata-se de um elenco bem sintonizado, associado a uma história efetiva - ainda que excessivamente convencional - e muito bom-humor, construindo um cenário sólido de celebração aos dublês, profissionais tão invisibilizados, e à produção de filmes de uma forma mais ampla.
Com esses elementos e uma mistura de gêneros diversos, “O Dublê” tem o potencial de conquistar boa parte dos espectadores. Resta saber se as quedas pelo caminho não vão tirar o protagonismo do filme aos olhos do público.
Veredito: 3,5/5
Comments