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Foto do escritorSamantha Oliveira

O Grammy é racista - mas isso não é novidade

Atualizado: 30 de mai. de 2023


Realizada no próximo dia 14 de março de 2021, a cerimônia anual do Grammy Awards chega a sua 63ª edição. Neste ano, a premiação se envolveu em mais uma polêmica, sendo acusada de falta de diversidade racial entre os indicados. O motivo? O cantor The Weeknd, que vem quebrando recordes na Billboard e indústria musical como um todo, não teve sequer uma nomeação. Ele era o favorito do público pelo seu trabalho artístico no álbum 'After Hours', e se tornou o primeiro artista a atingir o marco de 52 semanas - um ano inteiro - no top 10 da Billboard nos charts.


Histórico


Em uma breve retrospectiva, é possível afirmar que a postura do Grammy diante artistas negros não é mera coincidência, mas sim uma escolha bem pensada entre os jurados - majoritariamente homens brancos. Exemplo disso é que, em 63 anos de existência, apenas 10 artistas negros venceram o prêmio principal, o de 'Álbum do Ano'.


O primeiro a receber o gramofone pelo seu 'Álbum do Ano' foi o Stevie Wonder, pelo seu trabalho no 'Innervisions', em 1974 (a cerimônia americana existia desde maio de 1959). No ano seguinte, o cantor também levou o prêmio, com 'Fulfillingness First Finale' e em 1977, com 'Songs in the Key of Life'. Ele é o artista negro que mais venceu esta categoria. Contudo, sete anos depois outro músico negro seria consagrado com o prêmio: Michael Jackson, em 1984, com 'Thriller', que marcou a história da música mundial.


Não se pode negar a imensurável contribuição de artistas negros no mundo da música. Seja inovando na forma de performar e compor musicalmente - como o guitarrista Jimi Hendrix - ou trazendo letras que refletem as condições sociais de afroamericanos. Exemplos não faltam: Nina Simone, Snoop Dogg, Beyoncé, Prince, entre outros. Todos eles, sem o famoso 'Álbum do Ano'.


Apenas em 2017, Simone, a voz impecável por trás de 'Feeling Good', foi reconhecida pelo Grammy com o Lifetime Achievement. Bob Marley, precursor do reggae no mundo, jamais recebeu um gramofone sequer. E a lenda da música pop, Michael Jackson, recebeu reconhecimento apenas pelo icônico 'Thriler' - que precisou ser um fenômeno mundial em números para chamar a atenção da bancada branca e elitista. O próprio chegou a citar que as pessoas julgavam "sua aparência e não sua música", em relação a outros álbuns de sucesso como 'Bad' e 'Off The Wall'.


E talvez o exemplo mais recente dessa exclusão racista seja o de Beyoncé, que possui um trabalho musical e visual impecável na sua carreira - tanto com o 'Lemonade' quanto com 'Black is King'. A primeira obra, lançada em 2016, denunciava o racismo policial e histórico dos Estados Unidos - uma crítica que obviamente os jurados do Grammy não querem ouvir.


"Mande o Grammy se f*der com essa merd* de 8 nomeações e 0 vitórias", exclamaram Jay Z e Bey em 'Apeshit', demonstrando sua revolta contra a Academia.



Elitismo também é racismo


É importante ressaltar não só o racismo, como o elitismo acerca do Grammy e os gêneros musicais levados em questão. Isso porque, apenas em 2004, um álbum de rap teve sua primeira vitória na categoria: era o 'SpeakerBoxxx/The Love Below', da dupla Outkast. Desde então, se passou um longo período em que obras feitas por artistas negros não venciam a categoria principal, a par de que eram reconhecidas entre subcategorias, como "Melhor Álbum de Música Urbana" ou "Melhor Álbum de Rap". Afinal, por que ritmos geralmente performados por artistas negros, por conta de seu contexto histórico, estariam fadados a receber uma indicação específica, concorrendo assim entre eles mesmos?


O assunto se tornou parte do discurso de Tyler the Creator, em 2020, que questionou o "racismo implícito" do Grammy ao categorizar certas obras. No ano em questão, ele foi premiado pelo álbum de rap 'IGOR'.


"Por um lado eu estou muito grato que o que eu fiz pode ser reconhecido em um mundo como esse... Mas é péssimo que sempre que nós, e eu quero dizer caras que se parecem comigo, fazemos alguma coisa que transcende o gênero ou coisa assim, eles sempre colocam em alguma categoria urbana ou de rap", alfinetou Tyler.


O cantor ainda criticou a categoria 'Urban' retirada posteriormente pela produção do Grammy.


"Eu não gosto dessa palavra 'urbana'. Pra mim, é só uma forma politicamente correta de dizer a palavra com N [referência ao termo racista 'nigga', em inglês]. Então quando eu ouço isso, eu fico tipo: por que a gente não pode ser indicado pra categoria pop? Então eu fico tipo - metade de mim acha que a nomeação de rap é um elogio ambíguo."

A manifestação de Tyler the Creator, durante a cerimônia do Grammy, foi só uma das que ecoaram pela web, apontando o racismo na premiação. O cantor Kanye West, por exemplo, chegou a gravar um vídeo urinando nos gramofones que recebeu ao longo da carreira, fazendo duras críticas ao evento. "Não vou parar", escreveu o rapper na legenda, que também citou a problemática envolvendo a indústria musical e as grandes gravadoras como um todo.


Assista ao discurso



Polêmica interna


Em março de 2020, poucos dias antes da cerimônia do Grammy Awards, a então presidente e diretora executiva do evento, Deborah Dugan, foi demitida. Ela já havia sido afastada, ainda em janeiro, sob acusações de má conduta perante o cargo.


Dias depois, Dugan fez graves acusações contra a Academia da premiação, citando até mesmo um "comitê secreto" que favorece artistas em detrimento de outros. A lista de acusações é extensa, e cita que membros de conselhos "usavam esses comitês como uma oportunidade para promover artistas com quem eles têm relacionamentos", como apurou a revista Variety.


"Os membros desse comitê também manipulam o processo de indicação para garantir que determinadas músicas ou álbuns sejam indicadas quando o produtor do Grammy (Ken Ehrlich) quiser que uma música em particular seja executada durante o show", como afirma a matéria do G1.


The Weeknd


Em 2020, o racismo do Grammy ficou ainda mais latente após o Abel Tesfaye, o The Weeknd ser totalmente esnobado nas indicações. Nas redes sociais, o cantor se manifestou e não poupou palavras para a indústria. Ele havia submetido sua obra na categoria Pop (e não R&B como o evento insiste em estigmatizar) e foi totalmente ignorado nas 83 categorias existentes.


"O Grammy continua corrupto. Vocês devem a mim, meus fãs e à indústria transparência", escreveu Tesfaye no Twitter. Essa foi a primeira de uma série de movimentações do artista para expor a discriminação dentro da grande premiação. Ele mencionou que estava planejando sua apresentação no evento "por semanas", até descobrir que não foi indicado.



"Planejando uma apresentação de forma colaborativa por semanas para não ser convidado? Na minha opinião, zero nomeações = você não foi convidado", tweetou.


Em janeiro, The Weeknd foi ainda mais ácido ao lançar o clipe de 'Save Your Tears', onde surge com o rosto desfigurado por plásticas cantando em uma festa e sendo totalmente esnobado. Em um dado momento, ele segura um balde de champanhe - que tem a aparência de troféu - e joga o objeto fora. Obviamente, o público associou a indireta ao Grammy.


Veja o clipe



O cantor Zayn Malik, ex-One Direction, também se mostrou indignado com a postura do Grammy. Ele nunca recebeu uma indicação e o seu mais recente trabalho não estava no período de elegibilidade para a premiação de 2021.


"Foda-se o Grammy e todos os associados. A menos que você aperte as mãos e envie presentes, não há nenhuma consideração para indicações. Ano que vem, enviarei uma cesta de doces para vocês", escreveu.

Quase ao mesmo tempo, The Weeknd retorna à imprensa para ressaltar seu boicote ao Grammy. "Por causa dos comitês secretos, não permitirei mais que minha gravadora envie minha música para o Grammy", disse em declaração ao The New York Times na última quinta-feira, 11.


Resposta do Grammy


Após a repercussão mundial envolvendo The Weeknd, o presidente interino da Academia da Gravação, Harvey Manson Jr, se pronunciou publicamente, em entrevista à Variety.


"Realmente depende do corpo de votação que você decide. Temos oito vagas de indicação para preencher [referente às quatro grandes categorias: 'Melhor Álbum', 'Música', 'Disco' e 'Novo Artista], cinco em outras, e os eleitores votam em seus favoritos", iniciou.


Manson Jr foi questionado pela ausência de The Weeknd nas indicações, e comentou sobre a suposta dificuldade de 'encaixar' o artista em um gênero específico. "Analisamos todos os anos e fazemos ajustes e revisões no processo; Fizemos isso este ano, no ano passado, vamos fazer no ano que vem."


"O processo existe para que possamos continuar monitorando a excelência. Eu estava na 'sala principal' este ano e observei. As pessoas que estavam lá são profissionais da música - eles são excelentes (...). Eles estavam ouvindo criticamente cada música que passava por suas mesas - ou mesas virtuais - então não acho que isso mostre uma falha no processo", defende.

O presidente interino conta que, ao todo, foram 23 mil candidaturas apenas para avaliar a premiação - um recorde na Academia. "Não consigo me lembrar de uma época em que já tivemos tanta variedade de gêneros e diferentes tipos de músicos e músicas", comenta.


Como muitos costumam a acusar, ficar sem uma indicação ao Grammy e se indignar com isso não se trata de “não saber perder”, mas sim denunciar um sistema que não reconhece trabalhos importantes no mundo da música atual. Mesmo quebrando recordes e sendo aclamado pela crítica especializada, a história de Nina Simone, Beyoncé e tantos outros se repete, agora com The Weeknd. A diferença é que, com as vozes cada vez mais ativas denunciando o racismo na indústria, o Grammy ainda insiste em quebrar o seu próprio “recorde” diário de racismo e discriminação contra os artistas.


 

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