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"O Mal que nos Habita": Quando o medo é o lobo do homem

Atualizado: 12 de jul.

Terror argentino choca com gore e possessões, apesar de se perder no caminho


O protagonista Pedro em "O Mal que nos Habita" | Foto: Divulgação

Filmes de terror não existem sem o medo. Sejam aqueles que apostam em sustos ou no suspense, esse sentimento tão básico do ser-humano sempre está em destaque nas câmeras. Aliás, é esse mesmo medo que, talvez de forma contraditória, atraia tanto as massas para obras desse gênero.


"O Mal que nos Habita" ("Cuando acecha la maldad", 2023), novo filme do diretor argentino Démian Rugna, certamente estimula o espectador a sentir medo. Porém, o filme vai além e abraça esse sentimento como seu conceito central, demostrando como o temor que sentimos das coisas ruins pode justamente ser o estopim para que elas aconteçam. Quase como uma profecia autorrealizável.


“Ó raça humana, nascida para voar mais alto, por que você cai assim com um vento fraco?”*


Os irmãos Yazurlo em "O Mal que nos Habita" | Foto: Divulgação

O filme começa seguindo dos irmãos Pedro e Jaime Yazurlo, que moram em uma fazenda em uma área rural remota. Após escutarem tiros à noite, eles decidem investigar ao raiar do dia o que aconteceu, e encontram um corpo mutilado em uma propriedade próxima.


Aos poucos descobrimos que o mundo cinematográfico em que os irmãos Yazurlo existem não é como o nosso. Lá, as pessoas são assoladas por uma espécie de possessão demoníaca, que se manifesta como uma praga. Esse mal afeta terrivelmente o corpo de quem atinge, desfigurando a pessoa em questão e sendo altamente contagioso. Para evitar que ele lhe afete, é preciso cumprir algumas regras, como não usar pólvora para matar pessoas possuídas e não sentir medo da morte.


Os irmãos acabam por descobrir que Uriel, morador de uma fazenda local, está possuído/infectado. Contrariando as regras para lidar com a possessão, eles ajudam seu revoltado vizinho Ruiz, a tirar Uriel da casa e levá-lo para longe, esperando que o mal que habita nele se afaste deles.


Porém, ao fazer isso, todos aos poucos percebem, que o mal não foi embora. Cada tentativa desesperada de se afastar da possessão demoníaca e de sua influência maligna parece deixá-la ainda mais perto, demonstrando o poder de influência do medo.



"Abandonai toda a esperança vós que aqui entrais"*


Foto: Divulgação

Toda a introdução do filme é muito bem sucedida em gerar curiosidade sobre a forma de possessão demoníaca presente no filme e como ela afetará os personagens. Ao invés de recorrer a diálogos expositivos para explicitar a natureza da possessão demoníaca, o início do filme apenas a introduz como algo já conhecido pelos personagens e já bem estabelecido no universo.


Além disso, a perspectiva de ação demoníaca como uma epidemia também é bastante interessante, amparada em sequências que exploram bem o body horror. O modo como a possessão afeta o corpo de Uriel é extremamente nojento e criativo, em um ótimo trabalho de maquiagem e efeitos práticos.


O que não falta no filme, aliás, são bons efeitos nas cenas de gore, que, com uma ou outra exceção, são impactantes, bem-feitas e bastante perturbadoras. A violência e o mal no filme, inclusive, não poupam nem as crianças, e algumas cenas envolvendo elas certamente vai chocar parte do público. Porém, essas sequências fazem sentido no contexto do longa e não são um mero instrumento de choque.


Pode não parecer, mas essa é uma imagem da cena mais chocante do filme | Foto: Divulgação

Após a introdução inicial da história, "O Mal que nos Habita" segue como um rolo-compressor de desesperança, criando para os protagonistas um cenário cada vez mais desolador e difícil de vencer.


O choque com as cenas gráficas nunca para por completo, mas a narrativa do filme, aos poucos, perde força ao se afastar das fazendas onde tudo começou. Totalmente ao contrário do primeiro ato, os personagens recorrem a diálogos expositivos longos e cansativos sobre as regras para combater o mal, apenas para as quebrarem um minuto depois.


O filme também é enfraquecido pela direção e pela trilha sonora, que não passam toda a tensão que seria bem-vinda em determinadas situações, o que acaba por limitar o impacto do filme, em diversas partes, às vísceras, sangue e pus expostos sem pudor na tela.


A história se dilui especialmente com a introdução de Mirta (Silvina Sabater), uma especialista em combater a possessão demoníaca abordada de no filme. Ela é responsável por uma parte considerável das falas que visam explicar a natureza do que está acontecendo, mas que, além de aborrecer, mais confundem do que ajudam.


Por mim, temos um clímax que não consegue cumprir toda a expectativa causada pela introdução da história, mesmo rendendo alguns momentos impactantes. As regras confusas da possessão e a falta de tensão acabam por não causar em quem assiste o mesmo impacto que a possessão provoca nos personagens principais.



“Eu não morri, mas perdi o fôlego da vida”*


Foto: Divulgação

A morte está presente como uma constante em "O Mal que habita em Nós", mas o filme termina por mostrar que há destinos ainda piores. Com um fim totalmente pessimista, o filme acaba por mostrar como o medo, uma resposta natural que deveria nos ajudar, pode ser o nosso maior algoz.


É uma pena que para chegar até essa conclusão, o filme tenha feito desvios não muito bem-vindos, ainda que sua representação visual de algo maligno seja digna de nota. Contemplar o mal na forma vista no filme pode até valer o ingresso dos fãs do terror, mas o medo que a obra quer passar poderia ser mais contagioso.


Veredito: 3/5


*os subtítulos são trechos de "A Divina Comédia", de Dante Alighieri

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