O Papa é realmente pop? Como o I.A mostrou que o jornalismo também pode propagar fake news
Atualizado: 30 de mai. de 2023
Por Rayane Domingos e Amanda Marques, especial para TAG Revista
Há algumas semanas viralizou nas redes sociais a imagem do Papa Francisco com um estilo bem diferente. Ele vestia uma jaqueta puffer alongada branca enquanto andava pelas ruas com um copo de café na mão. Muitas pessoas acreditaram que a Representação de Deus na terra, para os católicos, estava aproveitando o dia tranquilamente. Horas depois descobriu-se que a foto foi criada por uma I.A (Inteligência Artificial).
Mas, antes da revelação de que a imagem é falsa, perfis verificados no Twitter e sites de moda noticiaram o "momento cool" do Santo Padre. A Vogue Brasil fez uma grande matéria sobre o assunto e analisou a única imagem disponível. Eles apontaram também que o uso da vestimenta do Papa era resultado do estilista Filippo Sorcinelli.
Os internautas acreditaram ainda mais na imagem após a publicação do site, que é considerado um dos maiores de moda no país. O veículo retirou a matéria do ar logo após alguns perfis apontarem que o momento da foto não existiu. A Vogue pronunciou e retratou com os leitores, explicando também o boom da imagem nas redes sociais.
Contudo, isso foi suficiente para desmentir a notícia para as incontáveis pessoas que leram? Qual a responsabilidade do jornalismo na propagação de fake news? Qual o cuidado que os profissionais precisam ter a partir de agora com essa nova tecnologia?
No mundo das I.As
O super realismo da imagem criou uma verdadeira confusão entre os usuários da internet após a afirmação de que, na verdade, o Papa de jaqueta puffer era apenas uma criação de uma Inteligência Artificial generativa (I.A). Ou seja, quando a tecnologia é capaz de criar novos conteúdos, e não usada apenas para ser a resolução de problemas.
A busca pela origem da foto começou desde o Twitter até o site da plataforma Midjourney, laboratório independente que oferecia o uso da I.A em até 25 buscas gratuitas através de simples descrições de texto. O bot consegue criar 4 imagens em aproximadamente 1 minuto.
Essa ferramenta é uma das novidades para quem se aventura no mundo da tecnologia emergente. A I.A da Midjourney está dentro do Discord, aplicativo disponível para sistemas operacionais como Microsoft, MacOS, Android, iOS, Linux e diversos outros navegadores na Web, que funciona a partir de servidores, reunindo mais de 15 milhões de participantes.
A facilidade de acessar a nova ferramenta atrai o público que deseja aprender sobre a tecnologia, mas também retorna uma problemática anterior à popularização da inteligência artificial: a produção de fake news. Apesar de ser uma plataforma útil, a I.A se torna um potencial na disseminação de notícias falsas.
Atualmente, a regulamentação da inteligência artificial tem tomado o centro das discussões no mundo da tecnologia. As tentativas para evitar casos como o do Papa Francisco já começam a ser concretizadas, como limitar a ferramenta com I.A para uso pago e proibir determinadas combinações de palavras. Mas será mesmo o suficiente? De longe, a resposta é não. Contornar as palavras proibidas com sinônimos ainda é possível e a regulamentação continua sendo frágil.
Em contrapartida, desenvolvedores criaram chatbots com I.A, seguindo o princípio de evitar a “censura”. Como o caso do FreedomGPT, tecnologia baseada nos conjuntos de definições e protocolos do ChatGPT, chatbot criado pela OpenAI, com a base de dados da LLaMA, um modelo de linguagem utilizado pela Meta. O FreedomGPT é o símbolo da I.A utilizado sem qualquer tipo de limitação ética ou moral.
Tecnologia diz olá para o jornalismo
A utilização de I.A pelos veículos de informação já são confirmadas e, até mesmo, divulgadas como estratégia de marketing. O "Bloomberg" é um veículo tradicional que usa a ferramenta para facilitar na produção dos conteúdos escritos na redação.
Porém, o que preocupa é se os conteúdos gerados pela I.A são realmente apurados e revisados. Essa tecnologia generativa ainda tem limitações e se baseia em informações na web, mas, como bem sabemos, nem tudo que está na internet é verdadeiro.
Recentemente, o Futurism mostrou que o CNET, portal de notícias dos Estados Unidos, estava usando o I.A em algumas publicações. A partir disso, muitas problemáticas foram detectadas no relatório publicado.
A principal foi que em uma matéria sobre investimentos, a ferramenta acabou usando cálculos errados. Ou seja, uma informação falsa foi publicada pelo portal, o que pode ter acarretado em alguma perda financeira para o leitor.
Além disso, mostrou-se que o I.A plagiou diversos textos dos jornalistas que trabalham na CNET. Muitas vezes, os textos eram literais com pequenas mudanças em sinônimos e conjunções. A questão do plágio é uma das reclamações recorrentes dos jornalistas quando se fala sobre a maneira que os chatbots criam novos textos.
Outro ponto bastante criticado foi a falta de um aviso de que a matéria foi criada por uma I.A. A ausência de transparência dos veículos de comunicação com o leitor sobre o assunto é algo que vem sendo discutido. As famosas páginas de fofoca e entretenimento também estão usando a mesma estratégia: publicam imagens, áudios, vídeos sem qualquer descrição ou informação da tecnologia.
O jornalismo como meio para um fim
Nos últimos anos, é possível perceber que as redes sociais têm pautado os sites de hard news. Um assunto gerado em brigas e longas threads no Twitter, por exemplo, são reaproveitadas pelos profissionais. Na mesma medida que isso se vem tornando comum, também se mostra problemático.
A maioria não busca se aprofundar nas informações a fim de problematizar e gerar um debate público ou estender o assunto para um outro ponto de vista. A ideia de dar a notícia por estar “em alta” carece muito de explicação, contraposição, apuração ou qualquer coisa que transforme aquela discussão em algo melhor construído e que cause impacto, ou como um serviço, para quem importa realmente: o leitor.
No caso sobre o Papa, os jornalistas não se questionaram se teriam outras fotos publicadas ou se realmente a maior figura da Igreja Católica estaria vestida daquela maneira mais 'cool'. A premissa de que "se está na internet é verdade" ainda precisa ser mais compreendida tanto pelos usuários como também pelos profissionais da imprensa.
Com o avanço de tecnologias capazes de fazer textos, transformar imagens, dentre outras funções, a criação das fake news vai ultrapassar os limites do que já foi visto até o momento. Nesta falta de regulação da I.A, os profissionais da comunicação passam por uma nova era, que culmina em incertezas sobre o futuro, ainda com problemáticas que acompanham a profissão há tempos, como a falta de uma apuração mais aprofundada.
Semanas depois do caso envolvendo o Papa Francisco, espalhou-se nas redes mais uma imagem falsa: desta vez, Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, estava sendo preso. Nas imagens, ele aparece resistindo a suposta prisão dos policiais, enquanto a mulher, Melanie Trump, aparece gritando. Muitos perfis famosos compartilharam as fotos acreditando realmente que a situação estava acontecendo.
Ainda não sabemos se realmente a imagem do Papa usando jaqueta puffer atrapalhou de alguma forma a imagem do Pontífice. Mas, com certeza a fake news não foi completamente desmentida para maioria dos usuários que foram impactados com as "fotos". A velocidade impede que as informações sejam realmente desmentidas para todos que leram sobre o assunto.
Este episódio mostrou que os jornalistas precisam entender que também podem disseminar fake news. Além disso, eles precisam ser responsabilizados por este caso, e outros menores que causam impacto nas pequenas bolhas das redes sociais. A apuração é o grande pilar da profissão e o caso demonstrou como isso não pode deixar de ser prioridade, sobretudo neste momento que as notícias correm rapidamente e tudo pode ser transformado em pós-verdade.
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