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Foto do escritorSamantha Oliveira

"Os Rejeitados": Quando a ironia da vida faz, literalmente, você chorar

Atualizado: 4 de mar.

Filme de Alexander Payne pode, sim, ser considerado um novo clássico de Natal





Por quantos sonhos frustrados e decepções na vida passamos até nos tornarmos quem somos hoje? Esse foi dos questionamentos que me ocorreu enquanto assistia Os Rejeitados (‘The Holdovers’), ao conhecer as histórias de Paul Hunham (Paul Giamatti), Angus (Dominic Sessa) e Mary Lamb (Da'Vine Joy Randolph), ao mesmo tempo que parece contraditório, já que saí da sala de cinema pensando no quanto tinha me divertido ao longo das duas horas e poucas do longa.


Esse toque melancólico, pensativo e, por assim dizer, dramático, é o que dá razão a todas as indicações e menções honrosas que Os Rejeitados vêm recebendo na temporada de premiações. O longa, que estreou oficialmente em 2023, se diz como um novo clássico de Natal recheado em clima nostálgico dos anos 70 - algo que, se for para ser bem simplista, é exatamente o que ele consegue ser.


Conheça os filhos da rejeição





Antes de tudo, é necessário entender onde tudo começa: um internato americano que, nas férias de inverno, se despede dos seus alunos de mais variadas faixas etárias para o feriado de Natal. Porém, em uma pegada do destino à lá ‘Clube dos Cinco’, cinco deles permanecem na instituição já que seus respectivos pais não podem encontrá-los nessa data festiva. Os jovens ficam aos cuidados do Sr. Hunham, o professor de História - ou, como ele define, Civilizações Antigas - já conhecido por ser “aquele” professor chato que ninguém suporta e que gosta de reprovar todo mundo. 


Aqui é necessário, inclusive, tomar duas notas: como a construção setentista do ambiente americano é bem feito - seja com a trilha sonora aconchegante neste momento “frio” (o qual pessoalmente nunca tive contato) ou com a escolha da fotografia e afins para apresentar ao espectador onde ele está pisando exatamente. É quase como se fôssemos um aluno também, pelo menos no início daquela história. Outro ponto é que, por mais que o cenário seja totalmente distinto do que qualquer estudante brasileiro já viveu, é fácil identificar e relacionar o personagem de Paul Giamatti com a nossa própria vida pessoal. A figura é bem construída a ponto de ser, literalmente, um homem chato, ao passo que não cansa para o espectador assisti-lo. 


E, falando em professor, seria muito fácil dizer que, a partir do momento que Paul Hunham se junta aos cinco alunos, uma energia meio ‘Sociedade dos Poetas Mortos’ poderia sair dali, mas não é isso que acontece. Afinal, estamos falando de vida real e principalmente sobre o sentimento de solidão, de ambos os lados, de passar o Natal ao lado de quem ama. Neste momento, até o protagonista Angus, que claramente enfrenta problemas familiares, prefere o desconforto do lar ao estar na escola ao lado de quem, literalmente, pode ser sua única companhia.


A majoritária presença masculina no filme é quebrada com a figura de Mary Lamb, uma personagem complexa e bem desenvolvida pela atriz Da'Vine Joy Randolph, considerada uma das favoritas nas indicações de comédia. No longa, ela é a cozinheira da instituição de ensino, que passa pelo luto recente da perda do filho, que foi para a Guerra do Vietnã e morreu em combate. Logo no início, ela se explica que passará o fim de ano no internato, já que aquele foi o último lugar frequentado pelo herdeiro, que ali estudava. Contudo, se engana quem pensa que a mãe enlutada está chorando pelos cantos do filme ou apresenta uma aparência abatida. Mary, como qualquer mulher negra, é obrigada a passar por cima dos próprios sentimentos que a engolem por dentro, enquanto continua preparando a comida das figuras brancas ao seu redor. Neste momento, por mais que o diretor Alexander Payne não tenha feito algo direto, os atravessamentos raciais da personagem, que não são mencionados diretamente nos diálogos. 



Coitadolândia? Aqui não


Por conta de uma reviravolta que veio, literalmente, do céu, o roteiro se despede da ideia de Clube dos Cinco e toma rumos mais originais: nos dá o time de três pessoas rejeitadas, cada um em um grau diferente: Angus, rejeitado pela mãe e padrasto, Paul, rejeitado por todos a sua volta, e Mary, que já nasceu rejeitada por si só. Apesar disso, a construção dos três personagens não é algo que os coloque nessa posição, e sim de pessoas comuns, com defeitos, que têm mais em comum do que imaginam.


Os Rejeitados acerta em cheio com seus diálogos irônicos, divertidos e ao mesmo tempo tão fáceis de se identificar. Isso porque, apesar da solidão pairar acima dos três personagens e cada um ser inegavelmente insuportável a seu modo, é fácil gostar deles e querer acompanhá-los. Me peguei rindo de forma quase escandalosa como se alguém tivesse me contado uma piada muito boa no meio de um bar, para momentos depois me emocionar de maneira sincera com cada uma das figuras principais, como se fossem aqueles mesmos amigos que levaram ao bar.


Em um dado momento, Sr. Hunham chega a dizer que a vida é uma escada de galinheiro: curta e cheia de m*rda - uma definição que pode acolher em cheio o que é ser um adulto nos anos 2000, mas que também consegue, no filme, nos aliviar exatemente disso. No fim, a costura entre momentos tristes e significativos na vida de cada um ganha a verdadeira "magia do Natal" ao dar ao público aquele abraço quente e melancólico antes de subirem os créditos - como um bom clássico de fim de ano.


Veredicto: 4.5/5


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