top of page
Foto do escritorThallys Rodrigo

Paixão nacional em nova embalagem: as telenovelas e o streaming no Brasil

Atualizado: 30 de mai. de 2023

As discussões sobre índices de audiência na televisão comparado aos acessos das produções nas plataformas tem modificado o cenário do entretenimento no país


Por Thallys Rodrigo e Rayane Domingos



Eliane costuma esperar pontualmente até as 21h15 pelo início da nova novela da Globo, que estreou há pouco tempo. Mesmo fora de casa, faz de tudo para retornar em um horário próximo ao da trama. Se perde um capítulo, não reclama nem tenta rever, até porque esse recurso não está disponível na TV. O máximo que se esforça para saber dos acontecimentos é ler o resumo disponibilizado no Gshow, site do Grupo Globo. Quando a noite cai novamente, ela retorna ao mesmo horário, buscando entender o que se passou, para não perder o fio da meada.


Já a estudante Lara desconhece um pouco o antigo sentimento de fidelidade à tela da televisão. Não é a sua rotina acelerada que precisa se moldar à programação da TV Globo. Quando resta tempo, sua atenção se volta para a mesma novela que Eliane assiste. Ao contrário da dona de casa, ela opta por utilizar a plataforma de streaming Globoplay para maratonar novelas antigas e até mesmo a que está passando no momento.


A diferença entre o cotidiano dessas mulheres são inúmeras, mas qualquer que seja o contraste socioeconômico, etário, ou de outro tipo entre elas, existe apenas uma pergunta para as emissoras e plataformas de streaming: como alcançar os dois públicos? Sejam os jovens ou os adultos, os que costumavam religiosamente assistir em horários programados ou os que veem após a exibição habitual: o fato é que entender qual a melhor fórmula para atender os telespectadores têm sido um grande desafio.


A Globo, emissora brasileira pioneira em criar uma plataforma própria para hospedar as suas produções, no momento concorre diretamente com outros streamings, como a Netflix. Ao mesmo tempo em que a “vênus platinada” busca ampliar o leque de séries próprias, algo que suas concorrentes “moderninhas” já fazem bem, essas empresas vão na contramão e optam por recriar um sucesso já consolidado: as novelas. Nuances sobre público, mercado e outras questões embalam as dúvidas e certezas sobre esse novo modelo de negócios. E dois modos de ver novelas, um clássico e um novo, convivem, hoje, na casa dos brasileiros.


Telenovela no Brasil: clássico em crise?


As telenovelas são o grande fenômeno do Brasil, e isso vai além dos telespectadores fiéis, que por quase 70 anos contemplam e impulsionam as histórias. Como negócio, elas são lucrativas e trazem para o país uma visibilidade muito maior do que normalmente se demonstra. Tramas bem sucedidas em solo brasileiro, como ‘Avenida Brasil’, ‘Escrava Isaura’ e ‘Bom Sucesso’, ganharam ainda mais destaque no mercado internacional. A qualidade técnica e das atuações é um dos segredos do sucesso.


A pandemia alterou não só a forma como nos relacionamos, mas também o modo como consumimos mídia. As produções que estavam sendo gravadas pela emissora foram totalmente interrompidas, e seu estado atual é bem particular. Em novembro, mesmo sendo a primeira novela inédita das 21h em quase dois anos, ‘Um Lugar ao Sol’ chegou sem muito alarde. A baixa divulgação da trama chamou a atenção entre os aficionados por TV e os níveis de audiência pareciam ter respondido de acordo. Em sua primeira semana, a novela acumulou média de 23,2 pontos no Ibope, a mais baixa do horário nobre da Globo desde 1969, segundo o site TV Pop.


Por ter apenas 107 capítulos, bem menos do que as tramas globais costumam ter, especulou-se que a emissora estaria aproveitando o momento para testar novos formatos nas suas telenovelas. A história escrita por Lícia Manzo avança muito rápido, uma das principais características de uma série, com enredos que se concluem de forma veloz. Nilson Xavier, especialista em TV, acredita que a novela não está sendo feita em um formato de seriado, e a baixa divulgação se deve a outras questões:


“Em minha opinião, ‘Um Lugar ao Sol’ está sendo tratada pela emissora como um tapa-buraco, para a estreia da aguardada Pantanal, em 2022”, afirma.

Apesar de não ser um sucesso da faixa, a produção tem tido grande repercussão entre o público nas redes sociais. A história dos irmãos gêmeos Christian e Renato constantemente aparece nos Trending Topics do Twitter, e existe uma grande expectativa para os próximos capítulos entre os internautas. A maioria dos que comentam diariamente costuma assistir dentro do horário programado da Globo, e se reúnem para discutir os desdobramentos. Ao invés de desaparecer, estaria o público da telenovela brasileira apenas em uma fase de mudanças e transições?


Sobre o que é considerado velho - o tempo da novela passou?


Embora seja uma instituição consagrada nas casas da população brasileira, além do sucesso internacional, há quem ainda se vangloria por não assistir às novelas. Independente da emissora que produz, enredo e elenco envolvido, a moda há alguns anos, para parte da população, é desqualificar um produto que representa, de alguma forma, a essência do país para o mundo.


Segundo Gesa Cavalcanti, doutoranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação Social da UFPE (PPGCOM-UFPE), o preconceito do qual as produções são vítimas tem várias raízes.


“Existem diversas explicações para o porquê de a telenovela ser alvo de um preconceito que tem haver com um pretenso elitismo cultural, com um estrangeirismo pulsante. Essas explicações envolvem desde a matriz melodramática e a ideia de que os conflitos são sempre maniqueístas até o preconceito de gênero, relacionado à ideia de que é um produto para mulheres", afirma.

Diante dessas várias questões estruturais que contribuem para a desvalorização do gênero por tantos brasileiros, é necessário destacar a função social das tramas, sua importância cultural atributos destacados por Gesa: “A telenovela brasileira é um produto que pode ser celebrado por aspectos diversos, pela sua qualidade técnica; pela capacidade de mostrar o Brasil, ou pelo menos um certo Brasil; pela capacidade de pautar discussões. Isso só para citar alguns exemplos”.


Para além das questões puramente classistas, há outras mais específicas, que abarcam o consumo de novelas pelos jovens. De fato, a emissora ainda precisa de uma renovação etária para continuar produzindo sucessos, fortalecendo a audiência fiel e buscar ainda mais patrocinadores para o sistema. À primeira vista, o formato novelístico é muito mais popularmente identificado com públicos mais velhos, mas a relação dos mais jovens com o formato é mais complexa do que parece.



Conforme destaca Cecília Almeida, profª do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o preconceito com esse tipo de produção independe de faixa etária, mas diversas novelas brasileiras também deixaram gradualmente de se comunicar com público mais novo. Entretanto, há casos notáveis de sucesso entre as faixas etárias mais jovens.


“Como exemplo, Totalmente Demais, uma novela das 19h que não é uma trama antiga, de 2016, foi um super sucesso na exibição original e também na reprise recente. Então, eu não acho que seja o formato da novela, mas que as histórias, às vezes, não chegam numa fatia mais jovem. Por que o sucesso de ‘Malhação’ dura até hoje? Porque tem gente jovem assistindo e gostando. A ‘Malhação: Viva a Diferença’ ganhou um spin-off [série derivada], a temporada passada ganhou um desdobramento no streaming, porque tinha público a fim de assistir”, destaca.

Além disso, outros esforços recentes demonstraram a habilidade de se reconectar com essa parte da população, como é o caso de através de autores mais jovens e com texto mais ágil, como João Emanuel Carneiro, criador de ‘Avenida Brasil’ (2011), e Manuela Dias, de ‘Amor de Mãe’ (2019), como aponta Cecília.


A verdade é que, preconceitos à parte, as novelas tem plena capacidade de conquistar diversos públicos, incluindo os jovens. “Não é o gênero, é a qualidade daquela história. Se for algo que as pessoas conseguem se conectar, as pessoas vão ver, independente de ser novela, for pop, independente do que for”, atesta Cecília. A produção de um conteúdo que saiba dialogar com o público é ainda mais importante diante do cenário midiático atual: “A grande quantidade de conteúdo a disposição deixa as pessoas mais seletivas de como elas irão gastar o tempo delas, e isso rebate muito mais na juventude, que está querendo coisas que se conectam mais com elas”, destaca ainda. Cabe aos produtores desse conteúdo buscarem cada vez mais novas opções, e por que não, o uso de formatos consagrados.


Streaming: um novo ‘player’ no mercado


Várias plataformas de streaming estão disponíveis no Brasil, como Amazon Prime Video, Disney+ e HBO Max. A Netflix, que chegou ao país em 2011, é o maior destaque, de acordo com levantamento do site JustWatch. Os streamings se destacam por trazer produções próprias feitas ao redor do mundo que acabam por fazer sucesso entre os brasileiros, como a série ‘La Casa de Papel’, porém ainda produzem pouco conteúdo nacional. A Netflix, por exemplo, demorou quase cinco anos para lançar a sua primeira obra ficcional brasileira, a série ‘3%’, e hoje busca ampliar esse catálogo local para atrair mais assinantes. Outros serviços, como o Prime Vídeo, também investem em produções nacionais de destaque, como ‘Dom’, que estreou esse ano.


Já o Globoplay foi lançado em 2015, e conta com produções de dentro e de fora da Globo, além de obras originais. Segundo Cecília Almeida, a demora da emissora em aceitar o novo fez com que a Netflix se firmasse no país:


''Sempre achei que a Globo demorou, se tivesse entrado seis meses depois da Netflix, ela não teria tido espaço no Brasil. Porque ela tinha repertório e dinheiro para fazer uma plataforma muito melhor, com mais conexão com o público brasileiro. Só que a Netflix ganhou um espaço, e as pessoas continuam por lealdade''.

Nos últimos anos, contratos de exclusividade com a Globo têm chegado ao fim. Profissionais que antes não podiam fazer nada fora da emissora sem autorização, agora optam em acordos por obra. Essa novidade altera a maneira com que os streamings lidam com conteúdos nacionais, já que há mais artistas disponíveis no mercado. Miguel Falabella, Lázaro Ramos, Camila Pitanga, e vários outros atores, diretores e autores optaram por deixar a emissora em busca de projetos de séries, filmes e novelas pensados pelas plataformas para o público brasileiro.


Olhos no futuro e no passado: o consumo das novelas no streaming



Uma das primeiras novelas pensadas diretamente para o streaming no país, ‘Verdades Secretas 2’, produção original do Globoplay, é um sucesso inquestionável: em sua estreia, acumulou 1,9 milhões de horas assistidas, um recorde da plataforma. ‘Um Lugar ao Sol’ também se destaca nesse sentido. Apesar da baixa audiência na TV aberta, tornou-se a produção mais vista do Globoplay em sua semana de estreia. O streaming tem revolucionado o consumo de novelas, ao permitir que mais pessoas experimentem assisti-las de formas alternativas à da TV aberta.


E o grande volume de consumo dessas produções por streaming no Brasil não está restrito a emissoras específicas e tipos de tramas. Durante a pandemia, histórias infantis do SBT como ‘Carrossel’ e ‘Chiquititas’ figuraram na lista de mais assistidas da Netflix, mesmo já tendo sido reprisadas na televisão. Antigos clássicos mexicanos como ‘Marimar’ e ‘A Usurpadora’, exibidas diversas vezes na TV aberta, também são sinônimo de sucesso nas plataformas.


Ao incluir as telenovelas em seus catálogos, os streamings tem potencializado essa forma sob-demanda de consumo. Em 2020, a Globo começou a disponibilizar periodicamente no Globoplay várias de suas novelas clássicas, começando por ‘A Favorita’, de 2008. Essa ação, amplamente divulgada na internet e na TV, certamente atraiu o interesse de muitos: de maio de 2020 a fevereiro de 2021, o consumo mensal de novelas na plataforma aumentou em 210%, de acordo com dados divulgados pela jornalista Patrícia Kogut.



Além da praticidade de poder assistir em qualquer horário, a estudante Lara Calábria destaca a nostalgia como uma das motivações para ver as tramas de forma sob demanda. “Cada novela marca uma época que estamos vivendo, o que tá em alta, o que é falado. Quando a gente assiste, de certa forma, resgata aquele momento e eu gosto desse sentimento. Assistir pelo streaming dá essa liberdade de ‘viajar’ para certa época sem depender de uma reprise pela emissora”, afirma. Pelo streaming, ela já assistiu ‘O Clone’ (2001) e ‘Amor à Vida’ (2013).


Lara também destaca seu gosto por “maratonar”, ou seja, assistir muitos capítulos de uma vez só. Essa atividade foi popularizada pelo streaming, mas não surgiu com ele, como destaca Nilson Xavier: “É a primeira vez que o público tem a oportunidade de assistir novelas inteiras da forma que quiser, em vez da disponibilização diária de capítulos na TV aberta. Porém, o chamado ‘mercado negro’ de fitas e dvds de novelas, entre os anos 1990 e 2000, fez muita gente maratonar. O mesmo se estende até hoje, com as novelas [postadas] no YouTube”.


De acordo com Gesa Cavalcanti, essas produções em si tem um formato propício ao consumo por maratona: “Um dos traços da telenovela é o ‘gancho’. Ela sempre termina em um momento de tensão, há sempre algo que fica no ar para que o telespectador sinta que precisa ver no dia seguinte”, destaca. “Porque a ideia de maratonar está relacionada ao interesse contínuo, à necessidade de descobrir, o mais rápido possível, o que está por vir”.


“A telenovela sempre foi uma maratona, seis capítulos por semana, por seis meses, enquanto as séries operavam numa lógica semanal com longos hiatos produtivos, enquanto as séries operavam numa lógica semanal com longos hiatos produtivos”, afirma Gesa. A especialista destaca ainda que o gênero por si só seja um formato “maratonável”, há possibilidade de que seu formato passe certas mudanças na transição para o streaming. “Talvez a telenovela mude do ponto de vista dos temas, do tamanho, esse último para se adequar a rapidez produtiva que o streaming parece demandar”.

Superficialmente, pode-se pensar que jovens recorrem mais ao formato sob-demanda de ver novelas, e os mais velhos, à forma já consagrada, mas esse não parece ser o caso. Cecília Almeida destaca que a questão etária não é uma barreira para consumo no streaming: “Quando a internet era algo difícil de se usar, existia uma resistência mais do público mais velho, mas à medida que vai ficando, literalmente, mais simples, quando a tela em que você toca já consegue abrir o conteúdo, essa resistência vai diminuindo”.


De acordo com Cecília, existe, de fato, uma certa diferenciação entre o público “da TV” e “do streaming”, mas isso se dá muito mais pela desigualdade social brasileira:


“[A segmentação] é muito mais por quem tem acesso a tecnologias de internet que permitem o streaming, por quem tem acesso a pagar uma assinatura mensal que vai abrir aquele conteúdo e disponibilizar. É bem mais uma questão de até onde a internet chega, e até onde ela chega em uma qualidade suficiente para que se possa consumir aquele conteúdo de maneira satisfatória”, afirma.

Já é possível enxergar o sucesso da inclusão das novelas no streaming, mas essa “invasão” está apenas começando. As plataformas já perceberam o apelo que esse formato dramatúrgico tem no Brasil e estão cada vez mais dispostas a explorá-lo, tanto no licenciamento de tramas já exibidas, quanto na produção de originais. Netflix e HBO Max podem ser empresas estrangeiras, mas já perceberam que a novela está no coração dos brasileiros, e querem conquistá-los com isso. Mas mesmo com a concorrência do streaming, a TV aberta segue firme e forte no país, e suas novelas, também. O certo é que haverá cada vez mais opções para assistir, tanto no computador ou smartphone das várias Laras do país, quanto nas TVs das várias Elianes.

Comments


Últimos textos

bottom of page