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'Queer' é um retrato sensível e sensual sobre o amor improvável

Atualizado: 22 de dez. de 2024

Daniel Craig e Drew Starkey brilham como um casal com uma química arrebatadora 

Lee e Eugene em 'Queer', filme de Luca Guadagnino. Foto: Divulgação
Lee e Eugene em 'Queer', filme de Luca Guadagnino. Foto: Divulgação

"Quero falar com você sem abrir a boca"


O aclamado Rivais tinha chegado a pouco tempo nas salas de cinema quando o diretor Luca Guadagnino se preparava para lançar um novo longa. Desde o começo, Queer foi cercado de curiosidade, sobretudo pela escalação dos atores principais para os papéis ditos ousados. Mas é provável que toda a expectativa colocada sobre a história seja muito pouco para a surpresa que se tem ao assistir o retrato sensível, sensual e de amor do filme. 


Ambientada na Cidade do México em 1950, Queer acompanha Lee, um expatriado americano e viciado em opioides, que vagueia pelos clubes da cidade atrás de um relacionamento, e sexo. A vida dele muda completamente quando se apaixona, de forma instantânea e avassaladora, por Eugene Allerton, um militar aposentado da Marinha. Os dois vivem uma relação complexa de um amor improvável.


O filme é brilhantemente estrelado por Daniel Craig e Drew Starkey, como Lee e Eugene, respectivamente. O elenco também conta com: Lesley Manville, Lesley Manville, Jason Schwartzman, Henry Zaga, Omar Apollo e Drew Droege.


A viagem é doida, mas vale a pena


Lee (Daniel Craig) no filme 'Queer'. Foto: Divulgação
Lee (Daniel Craig) no filme 'Queer'. Foto: Divulgação

No geral, os filmes de Guadagnino não "sofrem" com o spoiler do público que até tenta explicar o que acontece, mas nenhum comentário é realmente capaz de traduzir os principais pontos das histórias. O mesmo acontece com Queer: só sabemos o básico do básico sobre os personagens que vão se mostrando complexos a cada frame.


O roteiro é baseado em uma obra escrita por William S. Burroughs, mas Justin Kuritzkes ('Rivais') consegue mudar muito da história narrada pelo escritor em 1985. Acredito que tenha sido um grande acerto a ampliação desse universo deles, apesar das loucuras que são entregues.


O filme começa com o público tentando compreender as intenções de Lee, o que ele procura e a relação que ele tem com os outros homens gays dos botecos que vagueia. É um cenário total de pós-guerra com suas implicações ideológicas, principalmente para um homem que vive uma vida hedonista.


Mas assim como o mundo de Lee se abre quando ele coloca os olhos em Eugene, o filme ganha uma espécie de sobrevida. A partir de então, tudo se torna mais intrigante e sensual. O novo personagem é ainda mais complexo do que os outros apresentados. O mistério acompanha o ex-militar a todo tempo. Você não faz ideia o que se passa na cabeça e coração dele.


Essa dúvida e agonia acompanha o Lee, mas também o público. E esse é um dos grandes acertos do roteiro: estamos perdidos tentando compreender o que aquele homem esguio e sensual quer.


A história parece se esgotar em um momento, com cenas mais do mesmo e até monótonas na metade, quando eles embarcam para a América do Sul. A viagem alucinógena do enredo fica ainda mais potente e sem sentido à medida que as coisas acontecem, e nem é tanto pela busca da ayahuasca. 


Lee e Eugene encontrando a Dra. Cotter. Foto: Divulgação
Lee e Eugene encontrando a Dra. Cotter. Foto: Divulgação

Talvez só seja possível entender a fixação de Lee pela planta e por Eugene quando os créditos sobem na tela. Mas ali, naquele momento da viagem deles, a gente só fica tentando entender por qual motivo o roteiro insiste na balela de telepatia e controle da mente, nada parece fazer sentido. Não chega a ser um plot twist, porque não há reviravoltas quando a verdade está na nossa frente, mas o terço final surpreende pela delicadeza e a realidade cruel.


Esteticamente, o filme é muito bonito de se assistir. A fotografia consegue transmitir o bucolismo da Cidade, a solidão dos personagens, além da beleza, e agitação, dos bares. Talvez o ponto baixo seja na captura da floresta, na metade para o final, com tudo muito escuro e úmido, quase sem enxergar o que está se passando na nossa frente. Mas acredito que possa ter sido proposital de alguma maneira, já que estamos falando de um filme de época.


Outra grande felicidade para mim, enquanto amante da moda, são os figurinos. Os impecáveis ternos de linho branco e chapéus que o Lee vestia a contraste com as roupas mais joviais de Eugene, tudo parecia estranhamente correto e conseguia nos transmitir a elegância que o personagem tentava ter.


A trilha sonora surpreende, de uma maneira positiva, por não ser nada do que a gente espera em um filme de temática LGBTQIA+. Músicas simples, que a gente é acostumada a cantar e ter outros significados são ressignificados. A partir de agora, Come As You Are do Nirvana terá uma outra imagem na minha cabeça.


O amor às vezes é só dor


O filme não foi recebido com plenos elogios quando foi exibido nos principais festivais de cinema. A única unanimidade entre os críticos foi o excelente trabalho de Daniel Craig. E talvez você só consiga entender isso quando realmente assistir, já que o trailer são só pequenos fragmentos do que é interessante divulgar.


Escalar o ator para o filme foi realmente o grande acerto da direção. A performance dele é emocionante e só vai crescendo à medida que as situações vão acontecendo. Ele entrega o corpo e alma ao personagem o tempo inteiro, sem receio de parecer ridículo, até porque o Lee não liga para isso. 


Eugene e Lee em 'Queer'. Foto: Divulgação
Eugene e Lee em 'Queer'. Foto: Divulgação

O ator, que é acostumado a fazer personagens sérios e viris, se joga na fragilidade e solitude de um homem gay, mais velho, que vive em um mundo pós-Guerra e que tenta viver a própria sexualidade, sem tanta liberdade porque o preconceito próprio consegue ser até maior do que o de fora. Ele toma realmente o destaque das cenas para si e consegue causar no público um misto de sentimentos.


Com um personagem complexo, Drew Starkey consegue ser destaque já por outro viés: o da sensualidade. Tudo nele parece milimetricamente feito para provocar e o ator brinca e se aproveita dessa linguagem de Guadagnino para se dar. É bonito ver a inocência e a malícia que Eugene transmite, sem ser piegas ou cansativo. 


Eugene (Drew Starkey) em 'Queer'. Foto: Divulgação
Eugene (Drew Starkey) em 'Queer'. Foto: Divulgação

Sim, é preciso um parágrafo específico para falar da grande química de Daniel e Drew. Sejam juntos ou separados, só na troca de olhares, é realmente palpável o quanto o tesão exalava o tempo inteiro. As cenas de sexo são poucas, mas muito boas e sem pudores. As melhores, com certeza, são as de beijo ou o olhar de um desejo ensandecido que o Lee sente ao tentar beijar Eugene.


Não é uma surpresa que o tesão seja o grande mote, e norte, do filme. Guadagnino consegue superar e aprofundar ainda mais as complexidades humanas apenas filmando um corpo, que para ele não é "apenas" é o "todo". E isso de uma forma visceral, natural e hipnotizante, mas ao mesmo tempo com certa sutileza.


Para ser justa, o elenco inteiro vai mundo bem no filme, mesmo o casal roubando todos os holofotes. Destaco a transformação de Jason Schwartzman e Lesley Manville para os papéis. Eles essão irreconhecíveis como Joe e Dra. Cotter, respectivamente, e aumentam a comicidade do filme.


Por fim, Queer consegue nos transportar para um mundo caótico, controverso e complicado de pós-Guerra e da descoberta sexual dos homens gays, que são presos, até hoje, a uma masculinidade tóxica. Ao mesmo tempo, nos coloca em um limbo de solitude, hedonismo e na idealização do amor que assusta. O filme nos faz refletir sobre um milhão de assuntos, reais e criados pela nossa própria mente. O fato é que pode passar o tempo que for, o espectador ainda lembrará de algum frame do casal juntos e quase felizes.


Veredito: 4/5

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