Na 3ª temporada, "The Boys" ainda bate, mas apanha como nunca
Atualizado: 30 de mai. de 2023
Novos episódios trazem momentos inspirados e fraquezas inéditas
Composto V Temporário. Talvez essa seja a melhor palavra para definir a 3ª temporada de 'The Boys', e isso vai além da trama. Assim como a substância recém introduzida na história, a nova leva de episódios tem seu poder, mas ele é limitado, e pode trazer más notícias futuras.
É inegável o quanto a série se tornou um fenômeno pop de uns tempos para cá, especialmente após a 2ª temporada. Em um mundo onde a Marvel furou a bolha do fandom das HQs e ameaça vez ou outra monopolizar a experiência de ir ao cinema, a série da Amazon Prime Video oferece desde seu início um contraponto à abordagem family friendly de Homem-Aranha e companhia.
Pesando a mão na violência, no sangue e no sexo, ‘The Boys’ imagina um mundo com super-heróis sem nada da higienização característica das produções mais populares desse gênero. Mas, a verdade é que a série não costuma se sustentar só por ser subversiva ou “quebrar tabus”: ela vinha até então chamando a atenção por “amarrar” essas características numa trama empolgante.
Em menor grau do que antes, isso ainda está presente na 3ª leva de episódios. Mas… antes vamos ao que não deu mais tão certo assim.
Crime ocorre, nada acontece: feijoada
Vamos ao início. Homelander (Anthony Starr), mais do que nunca, é um dos eixos centrais da trama. Chantageado e acuado, o “herói” psicótico e narcisista representa uma grande bomba-relógio. Por outro lado, Billy Butcher (Karl Urban) e Hughie (Jack Quaid) tentam combater a violência dos “supes” como manda a lei, de forma bem diferente das temporadas anteriores.
O pontapé de todos os eventos da temporada é: uma hora, Homelander perde o medo e Billy e Hughie, por motivos diversos, cansam de “bancar os mocinhos”. Em meio a isso, surge uma nova figura no jogo: Soldier Boy (Jensen Ackles) um herói dado como morto há décadas, e que poderia, em tese, derrotar o líder dos Sete.
A verdade é que a temporada sofreu de um problema de organização das diferentes histórias que queria contar. O Soldier Boy é uma figura bastante importante na temporada, e ainda assim, seu arco é contado de forma ao mesmo tempo vagarosa e insuficiente. Jensen, amado por ‘Supernatural’, é uma boa adição para o elenco, mas seu arco enquanto personagem é bastante fragmentado.
Além disso, o andamento das histórias é um tanto desajeitado. Soldier Boy demora 4 episódios para ser devidamente apresentado; algumas cenas (e episódios) parecem um tanto extensas demais; personagens importantes como Queen Maeve (Dominique McElligott) e Vic Neuman (Claudia Doumit) são escanteados quase a temporada inteira… isso só para falar alguns exemplos.
Como um todo, a história não soa empolgante quanto antes e o senso de urgência é bastante diluído. E, no final, quando o grande embate entre Homelander e Soldier Boy finalmente acontece, decisões forçadas de roteiro impedem que haja consequências grandes de verdade para a história. Muito foi apontado o quanto não há tantas mudanças assim no “status” da trama ao final dos 8 capítulos. Como diriam os twitteiros: crime ocorre, nada acontece, feijoada.
Outra crítica que pode ser feita à temporada é que, de certa forma, não é só a história que anda em círculos: alguns comentários sociais, também. Desde o início, ‘The Boys’ não se priva de falar sobre temas importantes: corporações e sua ganância; a ascensão da extrema-direita na internet; a comercialização da segurança pública e de pautas sociais, como a vivência LGBTQ+.
Aqui, isso ainda está presente, mas, por vezes, a forma como a abordagem é feita soa como mais do mesmo. Além disso, soa bastante irreal o quanto, mesmo com escândalos, exposeds e muito rabo preso, a Vought permanece de pé como um pilar tão importante da civilização moderna na série, e sem se prestar a tantas mudanças internas.
De modo geral, após essa temporada, fica no ar um sentimento de "até quando?" em relação ao status dos personagens e do universo da série como um todo. Uma hora ou outra, mudanças radicais são necessárias.
Nem todo Composto V é temporário
Apesar das fraquezas citadas, há de se destacar que ‘The Boys’ continua sólida de diversas maneiras. Exceto um problema de roteiro aqui e ali, o arco de desenvolvimento de personagens como Billy, Kimiko (Karen Fukuhara), MM (Laz Alonso), Luz-Estrela (Erin Moriarty) e Frenchie (Tomer Capone) é muito bom. A série também foi capaz de, mesmo em poucas cenas, dar uma abordagem criativa (e até emocionante) a Black Noir (Nathan Mitchell).
O elenco também continua ótimo, com exceção, de certa forma, de Erin Moriarty, que parece um tanto apática na pele de Luz-Estrela. Dois grandes destaques são Anthony Starr e Karl Urban. O primeiro construiu um Homelander ensandecido e ameaçador como nunca: a sua simples presença em uma cena já era intimidadora. Já Urban merece aplausos por manter a simpatia do público por Billy, mesmo em um momento em que o personagem tem atitudes indefensáveis. No 7º episódio, que revela mais do passado de Butcher, o ator deu um show à parte.
Além disso, a série ainda é capaz de construir situações que são criativas e bastante únicas. Em que outra série poderíamos ver: a) uma luta bastante violenta com o uso de vibradores como arma; b) um personagem que transa encolhendo e entrando dentro da uretra de outro; ou c) um super-herói com estresse pós-traumático que conversa com animais de desenho animado? Sequências como essas, que subvertem completamente as expectativas, continuam funcionando muito bem.
Apesar das ressalvas já apontadas com os arcos de Soldier Boy e Homelander, também há de se tirar o chapéu para como o parentesco entre os personagens foi bem pensado. O estabelecimento da influência de Homelander sobre seu filho Ryan (Cameron Crovetti) também foi um desdobramento interessante, especialmente na bem executada última cena da temporada.
Cena essa que trouxe um espelho sombrio de até onde públicos conservadores - muitas vezes formados por pessoas comuns - estão dispostos a ir, liderados e inspirados por figuras como Homelander. É uma pequena prova de que, mesmo com tropeços, a série ainda sabe comentar nossa realidade de modo relevante.
Isso também demonstrado na representação verídica das atrocidades cometidas por governo e exército estadunidenses em países de "terceiro mundo", como na operação militar na Nicarágua descrita no 3º episódio. A série representou isso sem “passar pano” para os EUA e sem justificativas anticomunistas fortes. Sim, ‘Stranger Things’, eu estou olhando pra você. É assim que se faz.
Palmas também para a iniciativa de não dar um final trágico a Queen Maeve. Única representação LGBT de destaque até agora na série, a heroína bissexual acaba sendo dada como morta, mas podendo enfim viver feliz com sua namorada Elena (Nicola Correia-Damude). Essa é uma mudança de curso muito bem vinda, dada à tendência televisiva de matar personagens sáficas, que existe desde séries mais antigas, como ‘Buffy, a Caça Vampiros’, e perdura até obras mais recentes, como ‘Killing Eve’.
Dá para dizer que a 3ª temporada de ‘The Boys’ foi atravessada por grandes temas, como o questionamento de até onde é preciso ir para proteger o que você acha certo ou quem você ama. Isso esteve presente em Hughie, usando Composto V para salvar Luz-Estrela, MM tentando esconder os próprios traumas para poupar a filha, Kimiko escolhendo voltar a ter poderes para proteger seu amado, Billy machucando os próprios amigos em prol do ódio aos “supes”... e assim por diante.
O Pinguim? Jogou Kriptonita
No geral, ainda há muito o que se aproveitar em ‘The Boys’. Sua vontade de não se esquivar de temas espinhosos e de não ter nenhum pudor de retratar um universo bizarro e chocante ainda é muito bem vinda. Porém, assim como Homelander, em seus novos episódios, a série apanhou como nunca antes, e poderia ter beneficiado o espectador com mais doses de coragem e coerência narrativa, ao invés de andar em círculos. Que a 4ª temporada seja mais super.
Veredito: 3/5
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