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Foto do escritorThallys Rodrigo

"The Last of Us": Ternura e terror em meio ao fim do mundo

Atualizado: 30 de mai. de 2023

1ª temporada da série traz perspectiva particular e coesa do apocalipse


A jornada de Joel e Ellie conquistou o público (Foto: HBO)

Observação: Bella Ramsey é não-binárie e utiliza todos os pronomes. Escolhemos utilizar apenas o pronome neutro nessa review para melhor entendimento.


“Eu nunca tive medo antes de você chegar”. Essa frase dita por Bill (Nick Offerman) a seu amado Frank (Murray Bartlett) no 3º episódio de The Last of Us diz muito sobre os personagens de forma específica, mas também sintetiza, de certa forma, o principal ponto da primeira temporada: em meio ao mundo devastado, o amor transforma a mera sobrevivência em vida. Porém, o custo disso pode ser muito alto.


Foi o comprometimento com as relações, sua ternura e as ações que elas extraem dos personagens que elevou a qualidade da série da HBO e conquistou o público.


Cercada de expectativa desde seu anúncio oficial, a produção criada por Craig Mazin (Chernobyl) e Neil Druckmann, co-criador do game original, concluiu sua jornada inicial no último domingo (12/03), e mesmo com certos percalços, mostrou aos espectadores uma história coesa sobre um mundo cheio de horrores e morte, mas também de beleza e conexão.


“Estamos vendo o mundo passar por nós” - Depeche Mode em "Never Let Me Down Again"


Por que fazer mais uma produção pós-apocalíptica envolvendo vírus? Inovar foi a escolha de Neil Druckmann, criador do game The Last of Us, e sua equipe, ao escolher o fungo Cordyceps como fonte da infecção que transforma humanos em “zumbis”.


A realidade, reproduzida na série, é uma tragédia que destrói a civilização em um curto período de tempo, e o roteiro dá todo o subsídio possível para que o público sinta o temor que o fungo inspira.


Nos primeiros episódios, cientistas do passado e do presente falam sobre o risco do Cordyceps e da incapacidade da humanidade em lidar com ele. Pouco tempo depois do auge da pandemia da Covid-19, é fácil se conectar com a atmosfera de medo presente na introdução do mundo pós-apocalíptico.


O design dos infectados se destaca pela qualidade da caracterização, que sem dúvida já tem um certo favoritismo nos prêmios de maquiagem daqui para frente. Mesmo que com alguns traços em comum com zumbis de outras produções, são diferentes o suficiente para trazer certa originalidade.


Infectados pelo Cordyceps contaram com design criativo (Foto: HBO)

Mesmo com worldbuilding restrito aos EUA, assim como no jogo, a série faz um bom trabalho ao mostrar o fim do mundo como conhecemos, em suas primeiras cenas, e o início de outro, brutal, mortal, sujo e apático, mas também cheio de vida, de certa forma.

Espremidos entre o governo militar opressivo da FEDRA e os riscos do lado de fora das zonas de quarentena, os humanos que restaram após 20 anos do início da pandemia do Cordyceps, como Joel (Pedro Pascal), Ellie (Bella Ramsey) e Tess (Anna Torv), passam a maior parte do tempo meramente sobrevivendo, em ocupações que não escolheram e sem oportunidade de escape ou alegria.


Em meio a isso, os habitantes desse mundo recorrem a violência, transgressão e uma vida repleta de riscos, seja em territórios expostos a infectados, seja aderindo à rotina de risco de grupos como os Vagalumes.



“Eu estarei tropeçando, lentamente aprendendo que a vida está bem” - A-ha em “Take on Me”


O relacionamento entre Joel e Ellie sem dúvidas é o eixo principal da série, em que os dois personagens se conectam enquanto vivem seu luto. Pedro Pascal e Bella Ramsey possuem uma química boa e é fácil comprar essa relação que vai sendo construída aos poucos.


Além disso, ambos defendem com muita competência seus personagens. Pedro finalmente tem chance de mostrar seu talento na TV como protagonista, após anos com o rosto escondido por um balde de metal em The Mandalorian.


Seu Joel é duro e distante, mas não é difícil se apegar a ele, seja por entender sua dor pela perda da filha Sarah (Nico Parker) ou sua genuína preocupação com Tess, Ellie e o irmão Tommy (Gabriel Luna).


Bella, por sua vez, teve uma tarefa mais difícil desde o início, ao ser bombardeade de críticas pela aparência por parte de fãs preconceituosos, muito por conta de sua diferença física para a Ellie do game.


Porém, sem dúvida calou a boca dos haters ao entregar uma performance bastante completa, especialmente no sétimo e no oitavo episódios da temporada, em que Bella pôde mostrar o lado mais aterrorizado e também o mais violento de sua personagem.




Em meio à “família postiça” de dois membros no centro da história, a série mostra pequenos momentos de outras vidas, com muita sensibilidade.


É o caso de Tess e sua resiliência; do amor em meio ao caos de Bill e Frank; da pureza da relação entre os irmãos Sam (Keivonn Woodard) e Henry (Lamar Johnson); da coragem de Riley (Storm Reid) e seu amor por Ellie.


Frank e Bill, protagonistas de um plot original da série (Foto: HBO)

Aplausos para as performances do elenco, com destaque extra para Murray Bartlett, Nico Parker e Merle Dandrige, a Marlene.


Essas relações, assim como a de Joel e Ellie, demonstram o desejo da série em achar esperança e calor mesmo no mais frio dos mundos.



Assim, pequenos momentos ganham significância ímpar e são o melhor que a série tem a oferecer. Seja Frank alimentando seu marido com morangos, Henry convencendo seu irmão de que ele é o Super Sam ou Joel consolando Ellie em meio à neve com um simples “it’s okay, baby girl”.


O que a série passa é que em uma vida onde é necessário depender do outro por proteção, as pessoas escolhem estar juntas muito mais por amor e companheirismo. Todo par e família apresentados tem a energia de "nós contra o mundo".


O “bem” em meio ao apocalipse também é reforçado pelo visual. Como já falado, a fotografia da produção encabeçada também cumpre o papel de mostrar a beleza mesmo em um mundo destruído.



As locações chamam a atenção por sua riqueza, especialmente porque muitas delas foram usadas em apenas um ou dois episódios, mas são muito bem elaboradas e concebidas.


É interessante o modo como a natureza é retratada pela série: imponente e intocada pela tragédia. Aliás, diversas cenas ilustram como ao mesmo tempo que os humanos sucumbiram, plantas e animais ocuparam seus espaços.


“É uma situação desesperadora. E eu estou começando a acreditar que esta situação desesperadora é o que eu estou tentando alcançar” - Pearl Jam em "All or None"


Ao mesmo tempo, as relações também trazem seu lado sombrio. Em The Last of Us, às vezes é preciso até mesmo praticar atos hediondos para proteger a quem se ama, algo bem exemplificado com Henry e Sam e por algo que será citado mais na frente.


O universo de The Last of Us leva pessoas comuns a cometerem atos de violência em prol do que acreditam e especialmente para proteger quem amam. E às vezes, mesmo indo até às últimas consequências, não é possível salvar quem se quer salvar.


Por isso, para personagens como Joel e Ellie, é mais fácil se esconder em muralhas de hostilidade ou frieza do que se permitir sentir novamente.




A perda das relações leva a danos terríveis, como é o caso de Kathleen (Melanie Lynskey), líder da resistência em Kansas City, que se torna insensível e implacável após a morte do irmão.


E o senso de comunhão e companheirismo tão importante no mundo devastado pelo Cordyceps também pode ser utilizado como arma, como é feito pelo canibal David (Scott Sheperd), um dos últimos vilões da temporada, que usa a religião como forma de controle e convencimento do povo.


Falando em David, sua trajetória corrido no 8º episódio exemplifica talvez a grande falha da temporada: o andamento.


David (Scott Shepherd) foi um dos personagens mal desenvolvidos da temporada (Foto: HBO)

Ainda que The Last of Us tenha desde o princípio sido focada no drama, em determinados momentos, a série se arrastou com um ritmo demasiadamente lento e contemplativo em diversos capítulos.


Ao mesmo tempo, em outros episódios, a resolução de outros conflitos foram um tanto atropelados, como a conclusão da jornada de Joel e Ellie por Kansas City com Sam e Henry, além da storyline envolvendo David e Ellie.


Talvez com um pouco mais de tempo ou até mesmo um episódio a mais, teria sido possível explorar com um pouco mais de calma alguns personagens e plots, o que geraria um impacto emocional ainda maior.


Também é válida a crítica à “ausência” de infectados na série. Mais sequências de ação ou que simplesmente demonstram uma maior sensação de perigo na jornada de Joel e Ellie teriam sido muito bem vindas.



Outro calcanhar de Aquiles da produção em dados momentos é o CGI. Mesmo em uma era de grandes investimentos financeiros em séries de TV, esse meio ainda não costuma dispor da mesma qualidade apresentada no cinema.


Aliás, talvez por efeitos da pandemia e da falta de direitos trabalhistas dos profissionais de efeitos especiais, até os filmes têm falhado recentemente nesse quesito.


Os efeitos de The Last of Us nem sempre foram ruins, mas em determinados momentos, falharam, quebrando a imersão de momentos importantes.


"Deixe-os dizer que estamos errados. Eu não me importo, com você eu não posso errar" - Etta James em "I Got you Babe"


“Look for the Light”, último episódio da temporada, sintetiza muito bem o que a série quer passar.


Ainda que um tanto corrido e com os problemas já citados de CGI, o episódio mostrou de forma satisfatória o modo como Ellie e Joel deixaram suas barreiras caírem um pelo outro.


Além disso, o capítulo contou com uma grande performance de Ashley Johnson, intérprete de Ellie nos games e que agora deu vida à mãe da personagem, Anna.


Ashley Johnson como Anna, mãe de Ellie na série (Foto: HBO)

Porém, o momento mais definidor da série até o momento, foi marcado pela violência: em uma sequência aterradora, Joel mata membros dos Vaga-Lumes, incluindo Marlene, para salvar Ellie da morte na tentativa de fabricação da vacina para o Cordyceps.


A cena é exposta em clima de tragédia e não de triunfo, demonstrando sua complexidade e o “lado perverso” do amor em um mundo como esse. Ellie foi salva, mas não teve escolha. E mais uma vez, sua vida prosseguiu a custo de outras.


“Damos muito crédito ao amor incondicional, como se fosse a forma mais elevada de amor. Incondicional significa literalmente sem condições. Nenhuma. Incluindo condições em que você realmente deveria estar fazendo algo que não está dentro dos melhores interesses da pessoa que você ama, pelo menos de acordo com algum tipo de código moral ou padrão de ética”

- co-criador Craig Mazin em entrevista ao Collider.


“Quando você ama algo incondicionalmente, a lógica sai pela janela”, afirma Neil Drukmann, co-criador da série.


É isso que acontece num mundo que precisa de amor, mas que às vezes, para isso, pede crueldade também.


VEREDITO: 4/5


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