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Foto do escritorMikhaela Araújo

"Segredos de um Escândalo" e a realidade que tentamos evitar

Novo filme de Todd Haynes escancara um teatro e o reflete num espelho


Se você já assistiu à série Desperate Housewives, sabe como a vida no subúrbio de classe média estatunidense pode ser uma farsa. Casas perfeitas, maridos prestativos e fiéis, esposas que são supermães... podem esconder segredos absurdos. Mas às vezes nem é tão segredo assim e às vezes o absurdo pode ser um crime bizarro.


Esse é o tema do novo filme de Todd Haynes, Segredos de um Escândalo, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta (18). O diretor de Carol (2015) se inspirou num caso real, o de Mary Kay Letourneau, uma mulher de 36 anos que aliciou e estuprou um pré-adolescente de apenas 13 anos em 1997, seu então aluno, Villi Fualaau.


Mary foi presa, mas nunca confessou o crime. Os dois chegaram a se casar e tiveram duas filhas, com um divórcio acontecendo apenas 12 anos depois.


Com Julianne Moore no papel de Mary - que aqui é Gracie -, o longa acompanha também Elizabeth (Natalie Portman), uma atriz que vai interpretar a criminosa em uma adaptação do caso para o cinema - que sequer é a primeira, importante destacar. Para isso, ela passa a observar a vida de Gracie de perto, frequentando sua casa, trabalho e conversando também com diversas pessoas do ciclo social e familiar da mulher.


Gracie, dona de casa, mãe de três filhos, faz de tudo para fingir que nada de anormal está acontecendo, mesmo sendo casada com a sua própria vítima, Joe, interpretado por Charles Melton (sim, ele fez Riverdale). Mas a chegada de Elizabeth mexe com toda a estrutura falsa e frágil do teatro montado.



Haynes é genial quando coloca a presença de uma atriz como o fator que desestabiliza esse ambiente. Afinal, não estão todos atuando? Gracie finge que não fez nada de errado e os vizinhos fingem que acreditam nisso, encomendando repetidas vezes os bolos da dona de casa para mantê-la ocupada. Até as caixas com cocô dentro que chegam na caixa de correio da família já não chegam mais com tanta frequência. O crime cometido está no passado, tudo é aparentemente normal. Até uma atriz colocar um espelho na frente de todos - principalmente de Gracie.


Tudo é exageradamente natural, tornando não-natural, assim como a estética do filme, que é bastante melodramático e até novelesco. Isso é jogado na cara do telespectador em uma das primeiras cenas, com um zoom caricato em Julianne Moore que exclama em preocupação: "Eu não tenho cachorros-quentes o suficiente!"


Metáforas óbvias, como borboletas saindo de casulos, são extremamente óbvias propositalmente, aparentemente. O humor, muito presente no filme, quebra um pouco a tensão, mas não subestima a gravidade da situação apresentada. A obra está o tempo todo abordando como é problemático retratar um "escândalo" e invadir a vida dessas pessoas que têm tantos traumas. Afinal, escândalos fazem sucesso. Dão dinheiro. A custo de quê?


Uma das melhores partes de Segredos de um Escândalo está, com certeza, com Natalie Portman e Julianne Moore. É impossível tirar os olhos da tela quando as duas estão contracenando juntas. A escolha de colocar espelhos em cena constantemente, inclusive no local da câmera, criando uma quarta parede, reforça essa ideia de que estão todos sendo postos contra si mesmos.


Portman consegue copiar os mínimos trejeitos de Moore, enquanto Moore dá vida a uma mulher completamente desequilibrada, que finge não manipular e se coloca como vítima quando confrontada. Como dito antes: é tudo atuação, num constante jogo de espelhos.



Falando em jogo de espelhos, a fotografia é outro trunfo do longa, enquadrando os personagens de maneiras que funcionam bem com a história. Um exemplo é a cena em que Gracie (Moore) está sentada numa loja de vestidos, com Elizabeth (Portman) ao seu lado, estando no meio de Gracie e de um reflexo de Gracie. Elizabeth, ao mesmo tempo que é um espelho de Gracie, também só consegue acessar uma Gracie que está no espelho, e não a Gracie de verdade. Não há um pingo de honestidade em cena quando as duas estão juntas.

Charles Melton, apesar de mais jovem, não é deixado para trás na atuação, crescendo cada vez mais ao longo do filme e interpretando brilhantemente Joe, um homem adulto infantilizado, que foi uma criança adultizada. Joe vai mudando nas 1h53min e você percebe o processo. Mérito de Melton (que merece o Oscar! Estaremos nas trincheiras!).


Joe é o personagem mais honesto do filme, inclusive. E por isso ele acaba deixando de ser interessante para Elizabeth, que, assim como o público, está interessada no que ela consegue retirar dele para seu espetáculo pessoal. Mesmo retratando algo sério e real, Elizabeth não quer o real. Não é atrativo entrar de vez nas complicações e problemáticas. Não sabemos e não ligamos de verdade para as pessoas reais envolvidas, apenas suas histórias. Porque, no fim, o que vende não é a verdade, não é o que dói e causa feridas impossíveis de serem fechadas. O que vende é o escândalo.


Veredito: 4,7/5

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