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"Sing Sing" emociona ao mostrar que realmente a arte liberta

Foto do escritor: Rayane DomingosRayane Domingos

Atualizado: 14 de fev.

O longa estrelado por Colman Domingo e Clarence Maclin consegue transmitir, na mesma intensidade, o poder arrasador da arte e do sistema prisional



Quem observou o filme Sing Sing como destaque em alguns festivais, principalmente em elogios ao excelente elenco, ficou na dúvida do que se tratava. Poucos detalhes e muitas promessas de ser uma história comovente rondaram o filme até próximo da pré-estreia. E toda expectativa criada é bem suprida quando os créditos finais sobem na tela.


O filme acompanha um grupo de detentos que participam de um grupo de teatro no Centro Correcional de Sing Sing, uma prisão de segurança máxima em Nova York. Com personalidades diferentes, eles precisam se unir em prol da arte para encenar uma peça própria e original, 'Breakin' The Mummy's Coode'. 


O longa é baseado na Rehabilitation Through the Arts (RTA), um programa que foi criado em Sing Sing, em 1996, que ajuda a ressocializar detentos através de workshops de teatro, música, dança, artes visuais e poesia. Hoje em dia, o projeto foi ampliado para outras prisões nos Estados Unidos.


Com direção de Greg Kwedar, o longa é brilhantemente estrelado por Colman Domingo, Clarence Maclin, Sean San, Paul Raci, David Giraudy, Patrick Griffin, Jon-Adrian Velazquez e Sean Johnson.


"Estamos aqui para recuperar a nossa humanidade e desfrutar de coisas fora da realidade"


O fato de ser inspirado em fatos faz o filme andar no limbo entre a realidade e ficção desde os primeiros minutos. Mas ao mesmo tempo, a gente se questiona o que há de realidade naquela ficção. Essa estratégia, para esse filme específico, é ótima até certo ponto, porque há um momento em que a história parece se esgotar e a morosidade se instala completamente.


A proposta do longa não é fazer daquela realidade cruel uma espetacularização, não há reviravoltas, não há mocinhos ou vilões, em carne e osso. E para quem vai esperando mais um filme estadunidense sobre cadeia ou críticas rasas ao sistema prisional vai se decepcionar. O filme é bem mais que isso.



Quando o espectador entender isso, que a demanda social, política e de arte, do filme é maior do que uma história banal de vilões e heróis, tudo parece fazer mais sentido. E sinceramente, nada contra histórias banais de vilões e heróis (particularmente eu sou fã de carteirinha de novelas brasileiras e esse é o grande enredo de todas).


E para além disso, de fato, há momentos de baixa no filme em que ele fica mais arrastado, como se a história girasse em círculos viciosos e que não iria evoluir. Mas acredito que seja por sempre esperarmos grandes reviravoltas mirabolantes, o que não acontece porque a proposta é outra.


Acredito que o filme poderia ter se aprofundado nas histórias dos protagonistas, sobre as relações familiares, os possíveis crimes cometidos, algo de fora dos muros de Sing Sing. Os personagens são bem apresentados, e complexos, e parece que terá um desenrolar mais profundo, o que não acontece de fato. 


Politicamente falando, o filme é um grande tapa na cara em todo mundo, tanto da sociedade quanto do poder público. A gente começa se perguntando se aqueles caras realmente querem ser ressocializados, qual o crime que eles cometeram, ou quiçá chega a ficar em dúvida com a provocação da autoridade que questiona se o Divine atua o tempo inteiro. 



Considerando que os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo, com mais de 2,3 milhões, fazer um filme sobre a cadeia como espaço humano é realmente algo a ser exaltado. É comum a visão de que os presos precisam ser excluídos socialmente e ponto final. As pessoas esquecem que em algum momento, essa pessoa voltará para a sociedade, e sem ter algo que realmente a sustente, e tire da criminalidade, ela vai retornar ao ponto de origem. 


Basta o mínimo de instabilidade e incerteza para um ex-detento voltar a fazer o que antes fazia. E esse ciclo vicioso é o normal. O trabalho artístico feito em Sing Sing ou os tantos projetos de costura e trabalhos manuais no Brasil, são pontos fora da curva e que só é fomentado com muito esforço e ajuda de dentro e fora das prisões.


O filme não consegue explicar isso minuciosamente, com riqueza de detalhes, até porque ainda é um filme. Mas ele consegue aguçar a curiosidade dos espectadores para procurar detalhes sobre esses projetos, estudar sobre a importância desses trabalhos na ressocialização, não apenas de adultos como de jovens e crianças.


"Eles querem nos manter aqui"


O maior trunfo do filme é realmente o elenco. São eles que carregam cada minuto da história que vai sendo narrada aos poucos sem precisar se apoiar em nada além no talento individual de cada um. O conjunto emociona e nos coloca para refletir a cada fala, mesmo as mais bobas dos personagens da peça.


Colman Domingo é realmente tudo isso que estão falando por aí e merece todas as indicações possíveis. O personagem é complexo e com tantas camadas, de uma sensibilidade a um ego acentuado. Ele consegue nos fazer chorar e sorrir a cada frame. Muitas vezes nem precisa de alguma fala ou troca, basta ver ele tentando conduzir aquele grupo de homens.


Todos merecem elogios, mas o Clarence engrandece a tela como mais um grande destaque pelo gangstar sensível e que está disposto a deixar o lado artístico aflorar. Ele faz uma ótima dupla com o Colman e nos emociona nessa busca de tentar se encontrar naquilo, o querer, o talento, a vontade, tudo isso e um pouco mais.



E a boa atuação geral é bem aproveitado no filme, que é esteticamente bonito e com uma fotografia, de Pat Scola, muito interessante. Os contrastes e a iluminação nos momentos cruciais ajuda a transmitir o que o roteiro e direção querem passar para o público. Não há grandes cenários, maquiagens ou figurinos, tudo é simples e justificável pela evidente falta de "glamour" nos presídios.


Uma ideia que gosto no fillme é esse contraste do lúdico com o real. A produção se passa em uma prisão de segurança máxima nos Estados Unidos, e isso não é mutável. A realidade é essa e ela se mantém presente a todo tempo, seja nos enquadramento nas grades, nas revistas e separações das celas, ou até numa cena simples do Divine colocando a mão para fora, na esperança de que vai daquele ambiente hostil.



Entender esses contextos políticos e sociais é importante para compreender, e até gostar, do filme. Mas caso isso não seja possível, não é realmente um problema. O poder da arte e a maneira que ela pode transformar e libertar aqueles detentos é capaz de emocionar o suficiente para nos fazer viajar naquelas histórias.


Veredito: 4/5

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