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"Ted Lasso" e a ficção que nós queremos viver

por Jeffrey Vila Nova, especial para a TAG Revista


Conheci "Ted Lasso" por pura curiosidade. Que série é essa, que não está em nenhum streaming gigante (HBO, Netflix ou Prime Video) e já arrastou dois Emmys de melhor série de comédia? Bem, vou investigar e, quem sabe, ver qual é.


A premissa da história é muito intrigante. Principalmente para quem gosta e consome esportes no geral. Ted Lasso (Jason Sudeikis), treinador estadunidense, é contratado pelo AFC Richmond, um modesto clube da Inglaterra, para tentar salvar a temporada e evitar o já iminente rebaixamento da Premier League, principal liga profissional de futebol do país. O único detalhe é que Lasso é treinador de futebol americano (ou só football para ele) e não sabe nada do futebol (ou soccer, como ele chama). Absolutamente nada.


E a série consegue entregar tudo aquilo que a premissa propõe: muitas confusões, choque entre culturas e desastres inevitáveis, tudo isso em curtos episódios de pouco mais de 25 minutos, em média. Ela tinha tudo para ser mais uma série boba de comédia, para assistir enquanto almoça ou antes de dormir, se não fosse o detalhe principal: Ted é, talvez, o melhor ser humano que já pisou na face da terra.


Inconscientemente, você começa a torcer para que tudo o que Lasso faz dê certo. Que o Richmond, a partir de um milagre, comece a ganhar e evite ser rebaixado. E começa a se identificar com os personagens secundários. E torcer por eles também. Aliás, é o diferencial que a série apresenta desde a primeira temporada: Personagens secundários marcantes e cativantes.


Rebecca (Hannah Waddingham), a dona do Clube e a mulher que teve a ideia de contratar o estadunidense, se apresenta como a antagonista da história. Ela trouxe Lasso para destruir o Richmond. E é bem interessante ver, em um mundo onde majoritariamente homens velhos, cis e brancos mandam e desmandam, uma mulher comandar um time da Premier League. Talvez essa ideia siga impensável.


E a partir disso tudo você começa a torcer por cada funcionário do clube, desde o roupeiro até o atacante, passando pelo chefe de finanças. A forma que cada trama secundária funciona, agrega e integra-se à trama principal é muito bem construída e se mantem em todas as três temporadas, de uma forma difícil de achar em outras séries de comédia.


À medida que a série vai se desenvolvendo e as novas temporadas chegando, o besteirol perde espaço e os assuntos mais relevantes dentro do mundo futebolístico começam a ser abordados. Com a dose certa entre leveza e seriedade, "Ted Lasso" começa a abordar racismo, machismo, xenofobia... até chegar naquele assunto que talvez seja o mais delicado nesse meio: a homofobia. E, por incrível que pareça, tira a situação de letra.


"Ted Lasso" resgata em nós a fé na humanidade. Como esse estadunidense, branco, cis e hétero, crescendo cheio de problemas de relacionamento com os pais e em um dos países mais problemáticos do mundo, consegue conter (e transbordar) tanta bondade assim? Não sei. A magia da ficção, talvez. Emocionar-se em vários episódios de uma série de comédia é bem significativo. Eu, no auge do meu privilégio cis e hétero, consumidor de conteúdo esportivo, atraído pelo esporte, me vi torcendo para outras pessoas mais do que torcia pelo resultado no campo. Uma conquista louvável da série, acometida a todo e qualquer espectador.

As tramas de todo e qualquer personagem da série nos coloca para pensar de que forma estamos levando nossa vida. Será que, em algumas situações, nós só precisamos ser um peixinho dourado e seguir? Talvez sim. E no fim, ela se aproxima um pouco mais da realidade, onde tudo acaba bem... mas não tão bem assim. Ou, pelo menos, da forma que a gente esperava que seria. Mais ou menos com a vida da gente acontece. Ou deveria acontecer.

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