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Foto do escritorMikhaela Araújo

'The Flash': o CGI possível ainda pode ser criativo

Atualizado: 11 de ago. de 2023

De Andy Muschietti, 'The Flash' mostra que, às vezes, ser conscientemente limitado te possibilita ultrapassar limites


Foto: Warner Bros. Pictures

Um dos meus filmes favoritos da vida desde a infância é um longa sobre um piloto de carros que, após negar uma oferta lucrativa de um dos maiores empresários de corridas, acaba descobrindo um esquema gigante de corrupção e, para salvar os negócios da família e derrotar a máfia, precisa participar do mesmo rally que matou seu irmão mais velho. 'Speed Racer', obra das Irmãs Wachowski lançada em 2008, quase duas décadas atrás, é repleto de efeitos especiais bizarros, mas que permitem com que o filme seja extremamente criativo e divertido em vários sentidos. Os CGIs não são realistas, mas, ao invés de atrapalhar o filme, é este um de seus grandes trunfos. Nossas queridas irmãs diretoras e queer são especialistas nesse tipo de feito, atingindo-o também em mais de um filme da sua franquia de sucesso, Matrix.


Algo parecido (infelizmente, não chega perto da excelência do exemplo citado) com esse fenômeno acontece em 'The Flash', novo longa do universo cinematográfico da DC dirigido por Andy Muschietti ('It - A Coisa', 'Mama'). Aqui, longe do gênero de terror que já é terreno familiar de qualidade do diretor - apesar do terrível 'It - Capítulo Dois' -, ele consegue se aproveitar da "baixa qualidade" do CGI para fazer com que o filme seja, de fato, o que realmente é: uma adaptação de histórias em quadrinhos que contam acontecimentos completamente fora da realidade.


Foto: Warner Bros. Pictures

Afinal, o que há de verossímil com o mundo real em uma trama que acompanha um jovem perito forense, Barry Allen, que sofre um acidente num laboratório e se torna o homem mais rápido do Planeta Terra, o super-herói Flash? Isso mesmo, nada. Aqui, a história segue Barry percebendo que consegue ser mais rápido até que a velocidade da luz, ou seja, pode voltar no tempo e, assim, impedir que sua mãe seja assassinada e seu pai preso injustamente acusado de matar a própria esposa, tudo isso quando nosso mocinho ainda era apenas uma criança.


Óbvio, efeitos especiais realistas são interessantíssimos quando bem utilizados. Sentar em uma cadeira na sala de cinema e adentrar um universo que não é real, mas que parece ser, pode ser uma experiência excelente e marcante (algo que senti ao assistir 'Avatar 2 - O Caminho da Água' [2022], em uma lembrança mais recente). Mas, já que, talvez, o orçamento não permita que os efeitos visuais sejam tecnicamente perfeitos em um filme feito 80% por CGI, abraçar de vez as possibilidades que um CGI nada realista traz pode ser bastante proveitoso.


E não digo que não estranhei. Saí da sala de cinema com sentimentos conflitantes, já que, por consumir os famosos "filmes de boneco" há um certo tempo, acabei me habituando aos efeitos realistas no seu máximo que conseguem ser (não, 'Homem Formiga - Quantumania' não é um bom exemplo). Mas, com o passar do tempo, percebi que os efeitos irreais foram as coisas que mais me prenderam à tela de 'The Flash', que, infelizmente, peca no roteiro, feito por Christina Hodson. Há piadas que não funcionam bem, algumas falas soam "piegas" demais, diálogos excessivamente caricatos e já cansados e repetitivos para o gênero. Além disso, o filme parece se interromper várias vezes, como se não conseguisse contar a história e acaba te tirando da imersão com esses tropeços. Mas as sequências feitas com CGI seguraram meus olhos bem abertos, mesmo que, na manhã em que conferi o filme, o café de todos os dias que tomo assim que acordo tivesse acabado.


Foto: Warner Bros. Pictures

Logo no início, há uma sequência inteiramente em slow motion com bebês, uma enfermeira, um cachorro e diversos objetos caindo de um hospital, e o Flash precisa salvar todos de forma quase impossível. A enfermeira está sendo evidentemente gravada em tela verde, mas todo o restante da cena é completamente falso. Não há nenhum bebê caindo, e o CGI nem se esforça para fazer com que aquilo pareça real. Porque não precisa ser. É uma sequência criada para ser engraçada e divertida, e não angustiante. Como não há nenhum realismo, a liberdade de criação é infinita, com os bebês, o cachorro e objeto se comportando de uma forma que nunca aconteceria na vida real. É quase camp.


A falta de esforço para que o CGI seja realista fica ainda mais estampada na cara do telespectador quando se constata que o filme se passa, em sua maioria, em cenas diurnas, às claras. Inclusive, é bem interessante observar o Batman, um herói literalmente noturno como o animal que o inspira, agindo tanto sob a luz brilhante do sol. Michael Keaton retorna ao papel e auxilia o Flash de Ezra Miller, dupla que funciona bem no longa.


Já a dinâmica de Ezra Miller com elu próprio chega a ser um pouco irritante em alguns momentos das, aproximadamente, 2 horas e 20 minutos de filme, que com certeza não precisavam ser tão longas. Porém, a interpretação de Miller no geral está ótima (o mínimo, que era sua obrigação, considerando que já foi detide e procurade pela polícia por contravenções penais diversas no Havaí e ainda assim conseguiu o papel. Já falei sobre isso aqui.). Elu consegue dar vida ao Barry adulto, mais maduro, ao lado do Barry adolescente e ingênuo, de uma forma que é possível diferenciar ambos mesmo sem a diferença estética de corte de cabelo presente entre os personagens.


Foto: Warner Bros. Pictures

A ingenuidade em 'The Flash' não está presente apenas em Barry Allen jovem, mas no filme como um todo. Há todo um tom de história de desenho animado durante o longa, mesmo em cenas mais dramáticas, algo que considero positivo para o saldo total. É uma obra colorida e bem artificial, o que faz sentido para a adaptação de um quadrinho sobre um personagem criado nos anos 1950. Voltando a 'Speed Racer', acredito que 'The Flash' lembre justamente os "filmes de boneco" (e vários outros de ação) dos anos 2000, que eram completamente conscientes da limitação em recursos visuais e se aproveitavam disso para explorar as possibilidades de criação. Um outro exemplo para o que estou falando é 'Hulk' (2003), injustiçada obra dirigida por Ang Lee.


Outra sequência que serve de exemplo para isso é a do terceiro ato do filme, quando é abordado o multiverso e temos a presença de diversos cameos que não roubam completamente a cena, mas são presenças bem-vindas e vão, com certeza, agradar os fãs mais fissurados da DC Comics. Falando em participações, Sasha Calle é uma ótima Supergirl (praticamente crua em habilidades, devemos lembrar). Como sou a favor da rivalidade feminina, arrisco dizer que ela é bem mais legal que a Mulher Maravilha da morna Gal Gadot.


'The Flash' é um entretenimento divertido e um filme bastante 'família', desde a trama até a forma com que é apresentado como produto audiovisual. Andy Muschietti explora movimentos de câmera bastante interessantes e até não usuais para o gênero, com planos cinematicamente singulares e que também lembram as páginas de um gibi. Para um filme que havia sido anunciado em 2014, o esperado resultado final (apesar dos erros) é fresco e instiga para novas histórias divertidas da DC nas telonas, que expandam ainda mais as possibilidades do cinema de super-heróis.


Nota: 3/5


OBS: A cena que está nos pós-créditos não precisava existir. A cena final do filme funcionaria bem melhor como pós-créditos. Quem assistiu, provavelmente sabe do que estou falando.


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