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"Tipos de Gentileza": somos animais. E somos cruéis

Novo filme de Yorgos Lanthimos traz humanos bestializados num retorno às origens narrativas do diretor


Já parou para pensar que somos todos bichos? Apesar de sabermos que somos animais, não nos vemos com o mesmo olhar que vemos outros bichos, de outras espécies. Teoricamente, somos mais complexos, menos impulsivos, racionais. Será?


Observar o comportamento humano nos tratando como animais na natureza é um exercício interessante de se fazer de vez em quando. Yorgos Lanthimos, cineasta grego, consegue trazer em suas obras esse olhar animalesco com a própria espécie de forma bastante peculiar e singular. Desde Dente Canino (2008) até Pobres Criaturas (2023) essa característica está presente de alguma forma nos seus filmes.


Em Tipos de Gentileza (2024), seu novo lançamento, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta (22), não é diferente. Na verdade, Lanthimos volta a intensificar esse olhar para humanos como animais, como fez em filmes mais antigos lembra o estilo do cineasta em O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017) e O Lagosta (2015) , o que não agrada tanto boa parte do público que gostou de Pobres Criaturas, inclusive. É um retorno ousado à representação bestializada das pessoas.


O formato do filme não é tão comum. Ao invés de contar uma única história durante as quase três horas de duração, Tipos de Gentileza é composto por três curtas que contam histórias diferentes. O elenco é o mesmo, mas os personagens não tem nenhuma relação entre si, uma ótima oportunidade para os atores demonstrarem suas versatilidades. Alguns nomes já são conhecidos por trabalharem com o diretor, outros são peças novas. O time de atores é composto por Emma Stone, Willem Dafoe, Jesse Plemons, Margaret Qualley, Joe Alwyn, Hunter Schafer, Hong Chau e Mamoudou Athie. Pesado, hein? Não é à toa: Lanthimos sabe trabalhar bem suas estrelas e é possível ver a mão da sua direção nas atuações, que são o ponto mais alto do filme. Emma Stone principalmente, provando (mais uma vez) ser uma atriz fora da curva e um dos principais nomes da sua geração.


Não tinha como ser diferente. Se as atuações não se destacassem, não haveria Tipos de Gentileza. Os três curtas exploram seus personagens e isso estava evidente desde os pôsteres com focos nos rostos, por sinal. As histórias não fazem tanto "sentido", se é que essa é a melhor maneira de colocar essa palavra (e, no cinema, não sou tão a favor da lógica sempre). O foco são as pessoas presentes nessas histórias improváveis, curiosas e meio perturbadoras. Como elas vão reagir às situações absurdas em que elas se veêm? Como vão responder às interações que elas vivem com outras pessoas? Este é o grande lance.


O nome do filme deixa um sonoro "que gentilezas são essas?" ecoando na sua cabeça depois que você assiste. Mas, é exatamente isso mesmo que as histórias trazem: personagens que acreditam estar sendo gentis consigo mesmos e com outros, quando obviamente não estão - para nós, que estamos assistindo, isso é evidente; para eles, não tanto. O que pensam ser gentileza é, na verdade, uma absurda crueldade. O aspecto em comum entre os três curtas são as pessoas desequilibradas, procurando sentido para as próprias vidas e tomando as piores decisões (e impossíveis) nesse caminho. Familiar?



Para o alívio de alguns e tristeza de outros, as lentes de olho de peixe foram abandonadas aqui. O diretor repete a parceria com Robbie Ryan (Pobres Criaturas) para a cinematografia e o preto e branco está de volta em algumas cenas. A dupla traz, novamente, movimentos de câmera interessantes e planos-detalhe que enchem os olhos diversas vezes. Assim como em outras obras do cineasta, as composições de fotografia são um elemento essencial para transmitir o que aqueles personagens estão contando para nós. A trilha sonora, de Jerskin Fendrix, também figurinha repetida de Pobres Criaturas, é outro acerto.


Em alguns momentos, você ri. Em outros, fica horrorizado. Em outros, não sente nada. Essa montanha-russa que se desenrola durante os três contos pode causar um efeito de "ejaculação precoce" em algumas pessoas, mas, para mim, foi o que ajudou a me manter completamente entretida e imersa durante toda a sessão. Não fazer ideia do que iria acontecer em seguida me deixou curiosa e interessada no que estava diante dos meus olhos na sala de cinema. É um mérito que não posso deixar de mencionar.


Alguns irão dizer que, em Tipos de Gentileza, o estilo se sobrepôs à substância. Apesar de ser um pouco verdade, também é um pouco mentira. Assim como o filme, a dualidade entre aspectos opostos e controversos está presente nessa afirmação. De fato, é um filme beeeeem Yorgos Lanthimos e vários elementos característicos do diretor estão aqui: cenas com sexo, sangue, canibalismo, orgias, violência e tudo que há de horrível na humanidade além da bissexualidade, que é uma das coisas mais lindas que temos como seres vivos. Afinal, não somos completamente desprezíveis, não é mesmo?



Tipos de Gentileza não é, nem de longe, a obra prima de Yorgos Lanthimos. Mesmo assim, é um filme no mínimo interessante e que gera reações. Faz bastante sentido na sua falta de sentido e pouca lógica. Mas... precisamos mesmo de sentido? Animais não ligam tanto para isso. Talvez, nós, como animais, deveríamos nos importar um pouco menos e não buscar tanto sentido em tudo, também.


Veredito: 3,5/5



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