"Transformers: O Despertar das Feras" traz nova lataria, mas não dispensa a ferrugem
Atualizado: 11 de ago. de 2023
7º filme da franquia entretém, mas é limitado demais para se destacar como poderia
Até onde robôs que se transformam em carros podem ir? Se depender da franquia "Transformers", até o espaço e o sucesso mundial. Surgidos em 1984, os Transformers nasceram inicialmente como brinquedos, e a marca aos poucos expandiu seu êxito para quadrinhos, animações e filmes live-action. Talvez seja uma das maiores provas de como ideias muito simples podem conquistar o público, contanto que elas sejam atrativas.
'Transformers' marcou a infância e a adolescência de muita gente se pautando sempre na premissa básica dos grandes alienígenas metálicos que se disfarçam de elementos diversos, sejam eles carros, animais ou até dinossauros. Mesmo diante de diversas reinvenções, foi esse conceito central que atraiu o público, das crianças aos adultos, imortalizando personagens como Optimus Prime e Bumblebee na cultura pop. 39 anos depois da estreia da franquia, "Transformers: O Despertar das Feras" deixa no ar a questão: esse básico ainda é suficiente?
Dirigido por Steven Caple Jr. ("Creed II"), o sétimo longa da série de filmes live-action é o primeiro da série principal a não ser dirigido por Michael Bay, constantemente criticado por transformar os longas anteriores em uma experiência confusa e boba. A inspiração da vez é a storyline "Beast Wars", que já inspirou uma série animada e marcou uma reinvenção da franquia e possui admiradores fiéis até hoje.
A nova produção funciona como uma mistura de prequel dos filmes da série principal (estrelada ora por Shia LaBeouf, ora por Mark Wahlberg) e continuação do prequel/spin-off "Bumblebee" (2018), aclamado filme protagonizado por Hailee Steinfeld. Em "O Despertar das Feras", acompanhamos a história sob o ponto de vista de Noah (Anthony Ramos) e Elena (Dominique Fishback). Ele é um aficcionado por eletrônicos que se esforça (sem sucesso) para ajudar a família em meio a um mundo que lhes virou as costas, e ela, uma inteligentíssima estagiária com um vasto conhecimento histórico, mas que é constantemente desvalorizada por sua empregadora.
Os dois acabam por embarcar em uma aventura em meio a diversas facções de Transformers após Elena cruzar o caminho de um artefato que pode ser a salvação da raça alienígena e a destruição da Terra. Os Autobots, liderados por Optimus Prime, tentam encontrar o artefato para voltar para casa: o planeta Cybertron, aliando-se aos Maximals, que tem como dever protegê-lo.
Ambientado em 1994, o filme demarca seu período temporal através de inúmeras referências a clássicos do cinema e a uma trilha sonora repleta de hip-hop, um dos pontos altos do longa. Tudo isso para contar a história de pessoas comuns envolvidas em uma batalha totalmente extraordinária, mas dessa vez, com um toque inédito.
Pela primeira vez na série de filmes, o longa é protagonizado por atores negros e latinos, e aqui isso faz toda a diferença. Existe uma rima temática muito interessante entre a experiência de minorias sociais, em especial a de Noah, com as dos Transformers. O protagonista latino tem que lutar para conseguir um emprego e garantir o tratamento médico do irmão e ajudar a família a se manter. Quando ele não consegue o emprego que lhe forneceria isso, toma medidas desesperadas, e o senso que obtemos é que ele não tem o direito de errar ou "fraquejar" como pessoas de outros grupos sociais. Após o fracasso na entrevista de emprego, Noah se vê obrigado a roubar para suprir as necessidades.
Esse cenário gera tanto uma oposição quanto uma conexão com Optimus Prime, que se tornou amargo e culpado após não conseguir retornar com os Autobots para casa e por não poder protegê-los como deveria. Quando chega a hora de ir em busca do artefato que pode levar os Autobots para Cybertron, mas que também pode destruir a terra, cada um dos dois tem um plano diferente para o objeto. Porém, nesse momento entra em cena a solidariedade entre indivíduos em situação negligenciada pela sociedade por conta do esforço e da dificuldade para proteger quem amam, um dos elementos principais do longa. No fim, ambas as partes chegam à conclusão de que o trabalho em equipe e a empatia são a melhor saída.
Em linhas gerais, isso está longe de ser revolucionário, mas o fato de o filme retratar o que significa ser uma minoria social e estar nessa situação já deixa o longa muito mais interessante. De qualquer forma, é reconfortante assistir a um filme que questiona, mesmo que como pano de fundo, problemáticas sociais tão frequentemente ignoradas pelas produções de Hollywood, como o custo da saúde nos EUA.
Essa temática em si é apenas um dos elementos que torna o filme minimamente interessante. Além dos protagonistas envolventes (graças também a suas boas atuações), o longa também consegue gerar uma conexão do público com determinados personagens, como os robôs Mirage, dublado por Pete Davidson, e Airazor, dublada por Michelle Yeoh, e Kris (Dean Scott Vasquez), irmão mais novo de Noah. Tudo isso embalado por excelentes efeitos especiais e uma trilha sonora cativante.
Outros acertos são a edição - bem mais coerente que a bagunça dos filmes anteriores dirigidos por Michael Bay - e a duração mais enxuta, que torna o filme bem mais agradável que a parafernália maluca apresentada em diversos outros longas da franquia.
Por outro lado, "O Despertar das Feras" não consegue escapar de antigos vícios, e para um filme que fala justamente sobre personagens que se transformam, não se permite tanto quanto deveria a sair do "mais do mesmo". A direção, por exemplo, foge das loucuras incômodas de Bay, mas é convencional até demais, e o design dos personagens robóticos, ainda que bem construído pelo CGI de qualidade, parece batido após tantos filmes e repetições.
Logicamente, se o novo filme se passa no mesmo universo dos anteriores, é preciso que haja o mínimo de unidade narrativa e visual. Porém, a mensagem que fica ao fim do filme é de uma franquia que pode até trazer elementos novos para a história, mas que está bastante cansada. A presença dos Maximals, Transformers que assumem formas de animais como gorila, águia e rinoceronte é bem vinda, mas extremamente limitada. Comparado aos "convencionais" Autobots, os "Transformers da selva" aparecem pouco o suficiente para que sua citação no título seja realmente questionável. Outro exemplo de mesmice é a batalha final, que apesar de trazer momentos que movem o espectador, visualmente parece uma grande reprise de batalhas finais de outros filmes da franquia, como "O Lado Escuro da Lua" (2011) e "O Último Cavaleiro" (2017).
O próprio plot, de modo geral, merece um puxão de orelha. Mesmo que sirva para gerar uma interessante conexão entre Optimus e Noah, transformers e humanos, a história gira pela milésima vez na série de filmes em torno da briga por um artefato misterioso ligado aos Transformers que pode trazer destruição à Terra. No 1º filme, foi o cubo AllSparks; no 2º, a Matrix da Liderança; no 5º, o cajado do mago Merlin (!); e agora a Chave Transwarp. Impossível não ficar cansado com toda essa repetição.
Além disso, o filme também sofre por conta do posicionamento geral dentro da franquia. Por um lado, não gera um temor pelo destino de personagens como Bumblebee, porque sabemos que eles estão vivos em filmes seguintes. Por outro, após uma conclusão até satisfatória, o filme resolve abandonar a coerência e, com uma cena final bastante aleatória, que mais parece uma cena pós-créditos, dá indícios de crossover com uma outra franquia inspirada em brinquedos da Hasbro.
"O Despertar das Feras" é um filme que entretém, e supera em diversos modos vários de seus antecessores na franquia, que frequentemente beiram a bizarrice. O que impede o filme de ser mais que algo básico, de certa forma, é a ganância de Hollywood em estado puro: muita vontade de ganhar dinheiro vendendo boneco e pouca vontade de inovar com mais afinco. Com isso, aquilo que poderia alcançar as estrelas acaba reduzido a um brinquedo brilhante, mas muito familiar. Resta pensar se o público já não está grandinho demais para isso.
Nota: 3,25/5
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