"Twisters": O vento irá dizer o que virá
Atualizado: 21 de ago.
Novo filme explora catástrofes, reflete sobre elas e entrega uma experiência sólida
Está mais do que na hora de falarmos em catástrofe.
Afinal, o clima vem causando desastres ambientais dos mais variados, desde incêndios até inundações de nível quase bíblico. O temor é cada vez maior, e se há uma coisa que o cinema faz bem, é capturar o medo de uma era.
"Twisters" (2024, Lee Isaac Chung) é uma nova tentativa nesse sentido, seguindo os passos do original "Twister" - dos anos 90 - sob um contexto de preocupação ambiental e do impacto humano que os tornados causam.
Como todo blockbuster de desastes naturais, o filme - que estreou no último dia 11 de julho - se divide entre alertar sobre os perigos climáticos e transformá-los em espetáculo, comentando, inclusive, sobre essa contradição.
Porém, é claro que a maior ênfase é criar momentos eletrizantes, a medida que os tornados se aproximam. É um filme que alia um certo estilo "a moda antiga" e um quê de modernidade para criar um agradável filme "pipocão".
A câmera que devora o vento
Histórias de "culpa do sobrevivente" não são novidade no cinema, e "Twisters" traz mais uma.
Após um imenso trauma causado por uma tentativa de dispersar um tornado, Kate (Daisy Edgar-Jones) passa anos fugindo de seus sonhos e de sua vocação como estudiosa desses fenômenos naturais. Até que um dia, seu velho amigo Javi (Anthony Ramos) a traz de volta para sua antiga vida, caçando redemoinhos de vento.
A terra natal de Kate, o estado de Oklahoma, tem sido assolada como nunca pelos tornados, e voltar a estudá-los pode fazer a diferença na vida dos moradores locais, que perdem suas casas - ou suas vidas - aos montes.
A preocupação com as consequências das mudanças climáticas está presente de forma explícita em "Twisters". Felizmente, o problema é explorado de forma orgânica o suficiente para sensibilizar sem parecer uma mera "pregação" de temas moralmente corretos.
Em relação à Kate, durante o filme, já sabemos, mais ou menos, o rumo que a protagonista irá tomar. Porém, direção, roteiro e elenco convergem para tornar essa jornada sólida. Após ancorar "Um Lugar Bem Longe Daqui" (2022), Daisy Edgar-Jones mostra mais sua vez sua força como estrela principal.
Para além a redenção da personagem, o retorno dela ao local abre espaço para diversas cenas eletrizantes de perseguição aos tornados e também mostra a relação de variadas partes com o fenômeno climático.
Há quem os use para lucrar, comprando terras arrasadas pelos tornados, e também quem transforme em espetáculo. Esse segundo viés é trazido por Tyler Owens (Glen Powell, aparentemente interpretando ele mesmo), um youtuber que lidera uma trupe que persegue os tornados em sua caminhonete e mostra os feitos online.
Eles fazem de tudo, desde adentrar os fortíssimos ventos até mesmo disparar fogos de artifícios dentro deles. Com o passar da narrativa, descobrimos que o tal grupo vai além da primeira impressão ("caipiras" desesperados por atenção) e tem interesse em utilizar o dinheiro arrecadado com o canal no Youtube para ajudar a população local.
Esse plot, inclusive, soa como um grande paralelo com o próprio "Twisters" enquanto filme, por ilustrar a exploração de um fenômeno real para entretenimento ao mesmo tempo que transparece preocupação com o impacto social e humano.
Parece um comentário sobre o modo como diversas áreas (cinema, digital influencers, até mesmo o jornalismo) possuem um desejo em espetacularizar fenômenos e, ao mesmo tempo, uma pressão moral para pensar de forma humana em quem é atingido por eles.
A busca pela imagem daquilo que é extraordinário, e por capturar, em imagens, aquilo que tanto nos amedronta, lembra vagamente discussões apresentadas em "Nope", de Jordan Peele, ainda que a história não se permita, nem de longe, ir tão fundo nessa discussão.
Um momento que demonstra bem essa pincelada temática é uma cena próxima do fim, quando pessoas se refugiam em um cinema diante à tempestade. A intensidade do tornado destrói a parede onde fica a tela de projeção, e o vemos onde, minutos antes, um filme estava sendo exibido.
De repente, é como se o tornado sugasse as pessoas para dentro da tela do cinema em questão, em uma representação interessante de como um perigo real pode ser capturado pelas lentes cinematográficas, tornando-se irresistível e provocando as mais variadas emoções. Por trás da telona, aquilo que assusta e pode matar, também atrai.
O mistério do planeta
À primeira vista, Lee Isaac Chung poderia parecer uma escolha curiosa para dirigir um blockbuster de catástrofes como "Twisters". Afinal, seu filme mais conhecido é o sensível drama "Minari" (2020), inspirado em sua infância.
Porém, não dá para dizer que falta sensibilidade no longa mais recente. O diretor consegue balancear a tensão causada pelos tornados com cenas mais introspectivas, algo também diretamente ligado à temática do filme.
Tyler, papel de Glen Powell, destaca em certo momento que a ciência não conhece totalmente o que forma os tornados, o que torna o trabalho de lidar com eles "parte ciência e parte religião".
Mesmo que não haja uma abordagem mais "mística", demonstra-se um certo interesse no mistério que há por trás dessas enormes correntes de ar mortais. Isso é um tanto exposto nas cenas em que Kate parece deduzir como os tornados vão se comportar por pura intuição. Como se a natureza falasse.
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Essa ambiguidade ajuda a fortalecer o perfil da protagonista aos olhos do espectador e é bem sustentada por uma direção envolvente, constantemente elevando cenas que, às vezes, são assoladas por diálogos bastante artificiais.
A divisão entre o conhecido e o desconhecido é mais um traço que mostra a natureza de "Twisters" como filme multitarefa. Algo que também está presente nas discrepâncias - nem sempre bem-vindas - entre algumas cenas.
Enquanto determinas sequências possuem um visual absolutamente limpo e "moderno", com trilha sonora country e pop, outros parecem fazer uma maior referência aos anos 90 do original, também com uma trilha original que faz alusão à sonoridade de filmes-catástrofe da década.
Os elementos "retrô" são ótimos, mas sua presença torna a estética mais "atual", que surge, em alguns momentos, um tanto sem graça, diante da comparação. Talvez a adoção de detalhes mais "datados" tenha sido uma das principais formas de ligar esse filme com o original, uma vez que o roteiro não apresenta nenhuma conexão nítida (além dos tornados, é claro).
Porém, essa independência de "Twisters" ajuda a ilustrar como o filme se sustenta para além da nostalgia, ainda que ela seja despertada com êxito em quem cresceu vendo as cenas do primeiro filme.
A história é um tanto familiar e falar sobre os perigos do mau-tempo não é a invenção da roda. Mas, às vezes, o mesmo velho tipo de base sólida, já conhecido de outros tempos, é o bastante para uma casa se manter de pé após a tempestade.
Veredito: 3,5/5
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