Vini Jr.: a violência do racismo contra jogadores negros de sucesso
Atualizado: 10 de mai.
A manhã dessa quinta-feira (26) foi de revolta e indignação em mais um caso escabroso de racismo no futebol. Mais uma vez, Vini Jr. foi alvo do ódio gratuito na Espanha de mais uma torcida: a do Atlético de Madrid.
Horas antes do clássico válido pela Copa do Rei, torcedores penduraram uma faixa em uma ponte próxima ao centro de treinamento do Real. Com a frase "Madrid odeia Real", um boneco representando Vini estava enforcado.
A frase na faixa é uma espécie de lema de uma torcida organizada do Atlético. O clube condenou os atos racistas dos torcedores:
"A rivalidade entre os dois clubes é máxima, mas também o respeito. Nenhum indivíduo, quaisquer que sejam suas intenções ou cores, pode manchar a convivência entre diferentes torcidas. É responsabilidade de todos evitá-lo".
O Real Madrid, clube de Vini, também se pronunciou agradecendo as manifestações de apoio e pedindo que as autoridades investiguem o caso.
"Manifestamos a nossa mais firme condenação a acontecimentos que atentam contra os direitos fundamentais e a dignidade das pessoas, e que nada têm a ver com os valores que o futebol e o desporto representam".
A La Liga e o presidente, Javier Tebas, também se pronunciaram sobre o caso. Eles exigem uma "punição severa" contra os racistas que atacaram Vini.
"Uma mensagem para aqueles que se refugiam à noite para cometer crimes de ódio, vamos localizá-los, vamos obter condenações, para que acabem na cadeia, que é onde deveriam estar. Basta já!", disse Javier no Twitter.
No jogo, o Real Madrid venceu o Atlético por 3x1 na prorrogação. Benzema, Rodrygo e Vini marcaram na rede do adversário. O perfil oficial do clube, ao narrar a partida resolveu não anunciar que os brasileiros foram responsáveis pelos gols.
“Pois já é tão claro que é mais fácil dizer, que eles são os certos e o culpado é você”
– Racionais Mc's - Racistas Otários
Esta não é a primeira situação explicitamente racista contra Vini Jr. na Espanha. Desde a chegada no Real Madrid que o jogador sofre com críticas e discurso de ódio das torcidas. Em setembro, torcedores do Atlético de Madrid fizeram cânticos racistas chamando o jogador de “macaco” dentro e fora do estádio.
Na época, o clube se manifestou condenando os atos e emitiu nota apenas tentando aliviar a própria culpa, apontando o quanto o racismo é errado e que uma parte da torcida não pode representar o todo.
Dias antes, Vini foi alvo de ofensas racistas em um programa esportivo na Espanha. O empresário Pedro Bravo falou, sem nenhum tipo de receio, ao programa "El Chiringuito de Jugones" que o jogador deveria "deixar de fazer macaquice".
Ele se referia ao fato de Vini comemorar os gols dançando. A felicidade e o talento do jogador são vistos como algo provocativo e desrespeitoso para os racistas. E como sempre, após a repercussão negativa do caso, Pedro Bravo foi nas redes sociais se desculpar sobre a fala e disse que "não queria ofender ninguém".
Vini fez um longo vídeo lamentando o fato e reforçando o quanto a sociedade não consegue aceitar que um jogador negro retinto e de sucesso pode fazer o que quiser. A hashtag “Baila, Vini” ficou nos trends durante todo o dia. Jogadores e torcedores reforçaram que o jogador não pode parar de comemorar os gols dançando.
"Dizem que felicidade incomoda, a felicidade de um preto, brasileiro, vitorioso na Europa incomoda muito mais", diz. No vídeo, ele relembra vários comentários racistas que sofreu e afirma que não vai parar de dançar.
No dia 30 de dezembro de 2022, Vini foi alvo mais uma vez de cânticos racistas. Dessa vez, da torcida do Valladolid. Quando estava saindo de campo, após ser substituído, ele ouviu gritos de "macaco" e "negro de m*rda". Vários vídeos foram publicados do exato momento em que torcedores tentam jogar algo contra ele e riem da situação.
Nas redes sociais, ele se manifestou dizendo que a La Liga não faz nada, efetivamente, para impedir novos casos.
"Os racistas seguem indo aos estádios e assistindo ao maior clube do mundo de perto e a La Liga segue sem fazer nada. Seguirei de cabeça erguida e comemorando as minhas vitórias e do Madrid. No final a culpa é minha", escreveu no Twitter.
O presidente da La Liga, Javier Tebas, criticou a postura da vítima e disse que ele foi injusto ao criticar a falta de punição da liga: "Se informe melhor. Estamos à sua disposição para que todos juntos possamos caminhar na mesma direção".
Menos de um mês após os cânticos, mais uma vez, o mesmo alvo e o mesmo crime. A falta de cuidado das Federações e Confederações com os atletas de minoria social só aumenta ao longo do tempo.
“No meu país o preconceito é eficaz, te cumprimentam na frente e te dão um tiro por trás”
Até o momento, nenhum torcedor foi identificado, tampouco denunciado, sobre os incontáveis casos de racismo envolvendo Vini. Apesar das promessas da La Liga de denunciar os culpados, apenas no caso do jogo contra o Valladolid foi feito algo formalmente.
A liga apresentou duas denúncias pelos cânticos racistas dos torcedores. A primeira foi feita no Tribunal de Instrução de Valladolid por "crime de ódio". A segunda foi pelos insultos racistas no Comitê de Competições da Federação Espanhola de Futebol (RFEF) e na Comissão Estatal contra Violência, Racismo, Xenofobia e Intolerância no Esporte.
"LaLiga incrementará os esforços que realiza de forma contínua para erradicar qualquer tipo de violência, racismo ou xenofobia, dentro e fora dos estádios. Para isso aumentará o número de oficiais de integridade presentes nos encontros com risco de produção de insultos racistas", disse em nota.
A imprensa espanhola, que costuma desmerecer a imagem de Vini, já percebeu que está sendo feita uma espécie de "caça" ao jogador em campo. Ele vem sendo mais marcado e sofrendo duras faltas.
Eles também reconhecem como "exagero" a perseguição ao atacante por parte das torcidas rivais. O técnico Carlo Ancelotti foi questionado se tinha medo de que Vini sofresse alguma lesão grave, mas disse que não.
"Vinícius é um grande jogador, muito sensível. Todo mundo o persegue, os adversários, dando pontapés, a torcida rival, às vezes o árbitro, mas a verdade é que ele recebe muitas faltas. Devemos ter em conta que ele é muito jovem. Todos o perseguem, e acho que sem razão. Eu o quero muito bem, e queremos que o respeitem um pouco mais".
Apesar da movimentação, até o momento, nada aconteceu de forma efetiva para alterar o status da situação e também punir os responsáveis por tal violência. A expectativa sobre algo mais contundente a ser feito por parte das autoridades segue baixa à medida que mais casos vão surgindo com outros jogadores, além do próprio Vini.
Das arquibancadas e por trás de uma tela, os racistas estão confortáveis em gritar, ameaçar e violentar os jogadores negros que precisam provar ainda mais a sua resistência psicológica. Até mesmo os clubes que atuam se limitam a falar sobre como o ato é repugnante e que uma punição precisa ser aplicada.
“Racistas otários, o deixem em paz”
Com a repercussão, a tentativa de justificar o crime cometido contra o jogador só cresce. Há quem prefira minimizar a recorrência dos casos racistas como uma “provocação de torcida” ou apenas uma “rivalidade mais aflorada”. Como já foi dito, até mesmo o presidente da La Liga tentou culpabilizar a vítima por ter se manifestado contra a falta de punição.
O questionamento sobre o clube ser punido ou não pelos crimes cometidos pela torcida ainda é feito nas bolhas de futebol. Há quem defenda que deve-se apenas buscar os culpados individuais porque “este tipo de torcedor não representa o clube”. Mas é necessário refletir sobre como a inércia dos clubes dá passe livre para que os racistas permaneçam indo aos jogos, por exemplo.
Notas de repúdio não vão impedir que os racistas continuem sendo racistas usando a camisa do time de coração. Por isso, há quem defenda a punição para os respectivos times que “representam” os criminosos. A perda de mando de campo e pontos no campeonato são algumas das alternativas que são utilizadas no Brasil, quando, por um milagre, há punição.
O caso de Vini não é uma exceção na Europa e vários casos sobre racismo envolvendo pessoas amarelas e marrons também são vistos e muito menos falados do que deveriam.
Recentemente o perfil Copa Além da Copa, no Twitter, fez um extenso relato sobre como Willy Gnonto, do Leeds, está sofrendo com cânticos racistas por parte da torcida. A falsa "homenagem" ao falar que o órgão genital do jogador é grande só demonstra o quanto o racismo pode ser mais perverso do que pensam.
A hipersexualização do homem negro é uma pauta antiga e mais debatida nos últimos anos. Enxergar o homem negro apenas pelo seu órgão genital e animalizar, tirando qualquer resquício de humanidade, é muito mais comum do que se parece.
Outro que também sofreu com cânticos foi o jogador Amad Diallo, que pediu para que a torcida do Sunderland parasse de cantar a música "exaltando" a sua genitália nos estádios porque o deixava desconfortável.
Este tipo de comportamento das ligas, confederações e federações do futebol só demonstram que há uma falta de cuidado histórico com os jogadores negros, sobretudo os retintos, que sofrem mais por não possuírem passabilidade nos ambientes de destaque.
Os danos psicológicos, e até físicos, são completamente minimizado como algo banal ou apenas provocação dos adversários. Enquanto isso, a segurança dos atletas é colocada à prova e nenhuma perspectiva de mudança é vista dentro e fora das quatro linhas.
Há uma preocupação evidente dos fãs de Vini, e de outros atletas, sobre se a situação pode ser agravada ao longo do tempo. Parte da torcida acredita que o melhor a se fazer é o brasileiro sair do Real Madrid e partir para uma outra liga. Mas como proceder sabendo que o racismo é algo que vai perseguir o jogador por onde ele for? Enquanto o futebol preferir ignorar os jogadores negros, esses tipos de caso vão continuar acontecendo sem nenhum tipo de represália.
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