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Você não está velha demais para ser fã?

Atualizado: 30 de mai. de 2023

O caso da Folha de São Paulo ilustra como a mídia - e a sociedade - possui uma visão problemática e etarista sobre mulheres mais velhas que fazem parte de fandoms Por Nycolle de Moraes e Rayane Domingos


Foto: Keystone (Getty Images)


O que leva uma pessoa a ser fã de algo? O amor irracional e a dedicação sem limites que muitas pessoas têm pelo seus ídolos é considerado estranho para quem vê de fora. Mas existe um grande abismo entre qual gênero tem “permissão” para ser fã de algo, ou até mesmo se há idade para gostar de algum artista.


Foi na década de 40 que surgiram os quartetos masculinos que cantavam a capella conquistando o coração de milhares de pessoas. O termo "boyband" veio algumas décadas depois, por volta dos anos 80, com novos conceitos, hits que emplacam até hoje e nomes inesquecíveis para oficializar o formato existente que conhecemos até hoje, mesmo que este conceito já estivesse presente em nossa sociedade há muito tempo.


De acordo com a etimologia, a palavra "fã" é a abreviação do latim ‘fanaticus’, traduzido em "entusiasta, louco". De acordo com Henry Jenkins, pesquisador norte-americano, os fãs são consumidores ativos e agem de acordo com os seus interesses e desejos na construção de conteúdos relacionados ao ídolo.


Na reflexão sobre o assunto e fazendo um corte interseccional, é possível perceber que quando se trata de uma mulher, as situações são julgadas de outra forma. É comum perceber comentários machistas e até misóginos nas redes sociais, em momento diversos, quando a figura feminina se coloca como fã.


E quando estes ídolos são homens a situação se torna ainda mais preconceituosa. Para muitos, é impossível relacionar o amor de fã com o amadurecimento na vida da mulher.



As “trintonas” do Backstreet Boys


Durante a passagem do Backstreet Boys no Brasil, a Folha de São Paulo publicou uma matéria falando sobre como foi o show no Allianz Parque, em São Paulo. O autor, Guilherme Luis, foi acusado de etarismo ao nomear as fãs da boyband como "mulheres trintonas e quarentonas" em um tom jocoso.


A todo tempo, a matéria reforçava a idade das mulheres dando ao leitor a sensação de mulheres mais velhas estarem em um show de uma boyband era algo exótico e até sem sentido. "Estou me sentindo tão jovem", escreveu. O autor reforçou ainda em outros trechos:


"Aparentava estar na casa dos 50 anos, tirava selfies com uma faixinha temática amarrada na cabeça. Seu marido com cabelos grisalhos, encarava o palco com cara de poucos amigos", escreveu.


Nas redes sociais, a matéria gerou revolta desde o princípio, principalmente nas mulheres que são fãs e gostam de participar ativamente de fandom, fóruns e propriamente da vida do ídolo. A maioria dos comentários era expondo o tom de ageísmo e machista da matéria, que também fazia um paralelo sobre o marido estar incomodado com a situação.


Os internautas apontaram ainda sobre homens não serem colocados em um papel de ridicularização quando se mostram fãs. Por exemplo, é o que acontece no futebol. Por mais que se coloque uma grande distância entre quem é torcedor e quem é fã, na prática a situação é a mesma: são pessoas que cultuam algo ou alguém de uma forma desmedida.


Há pouquíssimos julgamentos quando se relatam histórias de homens que viajam a mais de 200 km para ver o time jogar em outro país, ou os que costumam colocar o clube também dentro das relações mais pessoais, como casamento e família.


Caterina Russo, de 29 anos e atendente comercial, foi uma das “trintonas” que marcaram presença no show da boyband. Ao falar sobre o tom usado na matéria, ela confessa que se sentiu pessoalmente ofendida em como as fãs da banda foram tratadas.


“Lendo a matéria acabou me afetando duas vezes diretamente: pelo fato de ser fã e mulher. Pelo lado de fã, a gente para pensar: 'será que eles estão usando aqueles termos por sermos fãs de uma boyband que já passa da casa dos 40 anos, e é considerada até hoje uma das maiores do mundo?' Ou então pelo fato de sermos mulheres e estarmos curtindo um show de uma banda que gostamos?”


Caterina também reflete sobre como os fãs de futebol não são ridicularizados por torcerem pelos times. Ao contrário do que tentou refletir no texto publicado na Folha, ela se mostra orgulhosa de acompanhar a trajetória do grupo que completou 30 anos de carreira recentemente.


"Tem outra coisa, a gente como mulher escuta tanta baboseira no dia a dia que um comentário a mais ou a menos, a gente já está vacinado. 'Trintona', sim vou fazer 30 anos mesmo com muito orgulho. Tenho orgulho da banda que sou fã, orgulho de ouvir as músicas, dizer que fui no show, usei faixa na cabeça como se fosse adolescente e faria tudo de novo", disse.

Caterina Russo no show do backstreet boys em São Paulo | Reprodução: Acervo pessoal


"O J-Hope do BTS esteve no meu casamento"


Mostrando que não existe idade certa para começar a praticar novos hobbies ou se aprofundar em diferentes gêneros musicais, Francielle Mariah se viu em um novo cenário quando começou a acompanhar o maior grupo de sucesso da atualidade, BTS, aos 29 anos de idade. A catarinense que estava enfrentando um processo de depressão em 2019 conta que as músicas dos coreanos chegaram em sua vida no momento certo.



Inserida ainda mais dentro do fandom, ela conta que ser comparada a uma adolescente de 15 anos não a afeta diretamente, mas que busca sempre contra-argumentar a esses comentários de etarismo, mostrando que a idade não é um fator importante quando a música lhe faz bem.


A escritora diz que ir até Las Vegas para o show do grupo foi a sua maior loucura como fã. A ideia de usar o dinheiro que estava destinado a uma cirurgia estética foi a primeira opção.


"Nem pensei duas vezes em trocar a cirurgia pela viagem, há oportunidades na vida que não podemos desperdiçar. No show em Los Angeles, eu não tive esse impulso de me jogar para ir, achava uma coisa meio impossível viajar para fora para assistir um show, mas nesse de Las Vegas foi algo mais forte", explicou.

“Foi tudo e muito mais do que eu achei que seria! Senti tanta coisa que não consigo nem explicar…", Fran Mariah em Las Vegas para o show do BTS. (Reprodução: Instagram)


No retorno para casa, foi surpreendida pelas amigas com um totem de papelão do seu artista favorito: J-Hope, o rapper e líder de dança do grupo. Mas a grande surpresa aconteceu no dia do seu casamento: Mariah não percebeu, mas o seu grande ídolo marcou presença na cerimônia.


"Quando eu entrei, não tinha percebido que ele estava ali, até porque estava nervosa e eu só conseguia enxergar meu noivo. E ainda tinha um fotógrafo quase na frente dele. Mas, no meio da cerimônia, eu olhei pro lado e vi ele ali parado, não aguentei, comecei a rir. Foi muito engraçado e incrível".



Quando se trata do apoio de seu parceiro, Mariah conta que o marido não vê problema em ser casado com uma army, e que o J-Hope se tornou o grande assunto da festa.


"Meu marido me apoia em tudo, inclusive, em levar o Hobi para o casamento. Tudo em nome da felicidade, diversão e zoeira. Ele acabou fazendo sucesso na festa, até quem não é fã ou não não conhece o BTS, tirou foto com ele. Meus convidados sabem que eu sou fã e foi nada mais justo ele estar lá".

Mãe ARMY vira rede de apoio para fãs mais velhas que sofrem preconceito


Diretamente do Distrito Federal, Emiliana Pádua, de 37 anos, se tornou uma grande rede de apoio para meninas e mulheres mais velhas que, diariamente, sofrem preconceito por simplesmente admirarem o trabalho de seus artistas favoritos.


A filha, Maria Eduarda (18), é fã do grupo BTS e como sempre, a mãe se questionava por qual motivo ela se identificava tanto com os coreanos, visto que ela não entendia o que eles falavam.

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Faltando alguns meses para Maria Eduarda completar os seus 15 anos, Emiliana muito se perguntou sobre qual seria o presente ideal e o laço entre mãe e filha, e o grupo de K-pop, se tornou ainda mais forte quando ela precisou fazer sacrifícios para comprar o ingresso do show do grupo em 2019, no Brasil.


Após cair em um golpe de e ver que o ingresso não estava sendo lido na entrada do estádio, Pádua se viu completamente desesperada ao se deparar com as lágrimas da filha.


Entretanto, a luz surgiu no fim do túnel quando uma funcionária lhe disse que ainda tinham ingressos disponíveis na bilheteria. Não pensou duas vezes e correu para garantir o bilhete que realizaria o grande sonho de sua filha. O vídeo foi um viral nas redes sociais.



O show foi só um começo para uma nova rotina na vida da dupla. Em 2020, durante a pandemia que Emiliana decidiu reviver o vídeo de sua filha comemorando um ano de show. Sem intenção de atingir fama, o vídeo viralizou no TikTok e muitas pessoas se identificaram com a situação da maquiadora.


“Quanto mais natural, mais próximo da realidade ele é. Eu e Duda somos assim como nas fotos.” Reprodução: Instagram


No mesmo ano, nasceu o grupoSopa de Galinha com Macarrão, composto por sete mulheres acima dos vinte e cinco anos – Roberta Dias (27), Jennifer Okubo (28), Júlia Costa (29), Andressa Dionisio (30), Kethleen Reis (30) Jaqueline (32) e Emiliana Pádua (37) –, o grupo virtual acabou se tornando real, desde criação de conteúdos para a internet até viagem coletiva, tendo sempre como objetivo compartilhar do mesmo interesse: o amor entre fãs, mostrando que não existe idade para ser fã.


Pádua ainda reforça no mundo da música que a prioridade é a forma em como a música toca em cada um e no sentido que traz sentido na vida de cada indivíduo, que a idade não deve ser um parâmetro para isso. Foi através do amor à música que Emiliana se tornou fonte de suporte para outras pessoas que acabam passando por preconceitos diariamente.


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