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"With Open Eyes": O final de "Succession" e a dor de ver o que não queremos ver

por Tatiana Faraújo, especial para a TAG Revista

[Este texto contém spoilers]


Foto: Sarah Shatz/HBO
"They f*ck you up, your mum and dad. They may not mean to, but they do. They fill you with the faults they had. And add some extra, just for you."
This be the verse, Phillip Larkin.*

É comum, ao mergulhar em qualquer tópico de discussão sobre "Succession", encontrar alguém com vergonha de admitir que gosta dos personagens. É uma reação que sempre vem bem disfarçada, alguém gritando “vocês não estão entendendo esses personagens, eu odeio todo mundo e quero ver a derrota desses mimadinhos, eles são uma crítica!” sem perceber o quanto isso soa como “eu percebi que gosto deles mas tenho medo de falar em voz alta e não me considerarem mais uma boa pessoa”. O que é engraçado, porque talvez nada deixe a audiência tão próxima de personagens que estão constantemente lutando para agradar uma figura que os despreza e não os considera bons o suficiente quanto essa reação. A tentativa de fugir da verdade inevitável (em algum nível, todo mundo consegue se ver nessas pessoas) é o que deixa o óbvio mais exposto. E se pudéssemos escolher um tema para amarrar o final de "Succession", o impulso de fugir do que não dá para fugir e de esconder o que não dá para esconder talvez seja o que melhor resume o que vimos.


O último episódio começa num lugar familiar: Kendall (Jeremy Strong) e Shiv (Sarah Snook) armam o bote um para cima do outro. Roman (Kieran Culkin), precisando lamber as feridas, sumiu na hora em que mais precisam dele. Descobrimos logo no começo que ele retornou ao lugar que surpreende por ser óbvio até para os Roy: o colo da mãe. Em Barbados, depois de apanhar num protesto onde entrou procurando o tipo de afago de mão fechada que foi o único que conheceu na vida, Roman contempla o cansaço de lutar pelo desejo dos outros. Caroline (Harriet Walter) chama por Shiv, o chamado chega até Kendall e os três logo estão juntos. Vestido da forma mais casual que vimos até agora, como uma criancinha, Roman pede para que não falem de negócios durante seu momento depressivo, mas isso não é possível. Não existe um único aspecto da vida desses irmãos que não se estenda ao mundo corporativo. Se no episódio 4x09 os Roy tentam entender seu lugar no luto e na luta (Igreja e Estado), no episódio 4x10 fica claro que eles não vão conseguir separar uma coisa da outra. Kendall, Roman e Shiv tem uma conversa dolorosa e cansada, onde Kendall finalmente consegue convencê-los de que o seu lugar é na cadeira de CEO. Quando finalmente conseguem ficar sozinhos, Roman e Shiv desabafam: eles ainda não conseguiram matar Logan (Brian Cox), que mesmo a sete palmos debaixo da terra, ainda os assombra na forma de Kendall, cuja dinâmica com os irmãos mais novos se torna cada vez mais parecida com a dinâmica que os dois tinham com o pai, tentando agradá-lo e passar nos seus testes. Para finalmente matar o pai, Shiv e Roman precisam matar Kendall, e a certeza disso é o que torna a uma das cenas mais bonitas e afetuosas entre os três logo depois dessa conclusão tão trágica. A bebida nojenta que preparam na cozinha durante uma brincadeira e que o irmão mais velho não consegue beber é claramente veneno. Percebemos que falta mais ou menos quarenta minutos para o episódio acabar e algo que parece com um final feliz e amoroso entre eles é apenas o prenúncio de que não é assim que vai acabar.


Foto: Sarah Shatz/HBO

Quando achamos que Connor (Alan Ruck) vai seguir como O Esquecido e não aparecer mais, os três irmãos o encontram para uma última viagem entre os bens de Logan no antigo apartamento: uma casa assombrada agora arrematada pelo filho (que realmente é) mais velho. Durante o processo, os três se deparam com um raro vídeo de Logan relaxado, vulnerável e se divertindo entre amigos enquanto declamam poemas e fazem imitações. Connor é o único filho presente. O resto da família talvez nunca entenda a relação de Logan e Connor. O garoto que passou uma semana comendo bolo depois que o pai internou sua mãe num sanatório claramente nunca foi cotado como um sucessor e essa talvez tenha sido a maior prova de amor de Logan lhe deu. Podemos apenas especular: a culpa de tirar a mãe de Connor daquela forma talvez tenha feito Logan enxergá-lo como alguém mais próximo da infância difícil que ele teve (um lugar onde os três mais novos, mimados desde o berço, nunca estariam). Connor, que parecia o mais fraco, talvez fosse o mais forte: aquele com quem Logan não competia, aquele que não precisava ser testado tantas vezes. É a inveja final plantada nos três que assistem percebendo o quanto do pai nunca foi compartilhado com eles. O quando Logan se ressentia de tudo o que tinha dado a eles. Connor compra a casa assombrada porque, para ele, talvez os fantasmas não sejam tão ruins quanto são para Kendall, Roman e Shiv.



Foto: Sarah Shatz/HBO

O próximo bloco é a votação na Waystar. Não sabemos quem vai trair o combinado, mas alguém vai. Lembramos daquela primeira votação, quando Kendall chega tarde demais para impedir que o pai ganhe, seus aliados desistem de ajudá-lo e ele paga o preço por tentar depor o velho Logan. Será Stewy (Arian Mayed), sempre presente e nunca confiável? Ou será Roman que sai do eixo quando vê Gerri (J. Smith Cameron) presente e lembra que sua ânsia em mandar naquele império fez afastar a pessoa que era mais próxima dele, de tantas maneiras diferentes? Kendall sente o perigo e cutuca Roman da mesma forma que o pai cutucava para transformá-lo em seu fantoche: ferindo-o fisicamente com um abraço. Com a testa arrebentada, Roman vota com ele. Stewy não o trai. E então, sobra Shiv. Kendall comete o mesmo erro que Logan cometeu a vida inteira e não enxerga Shiv seriamente. Roman e Stewy se tornam as ameaças que ele precisa conter, que ele precisa impedir de mudarem de lado, mas ele já toma o apoio de Shiv como certo, principalmente depois de expor que o plano de Matsson (Alexander Skarsgård), com quem ela havia se unido anteriormente, era colocar Tom no cargo e não ela. É aí que a coisa desmorona: em silêncio, depois de conversar com Tom (Matthew Macfadyen) e perceber que suas opções ali eram apenas sair de filha do CEO para irmã ou esposa do CEO, Shiv escolhe o segundo e desempata a votação indo contra o que tinha combinado com Kendall. Aos gritos, Kendall bate o pé: o papai disse que era a minha vez de brincar. A promessa feita por Logan quando Kendall tinha apenas sete anos é tudo o que ele tem. Kendall corre para tentar cancelar a votação, mas assim como na primeira que acompanhamos, é tarde demais: ele perdeu.



É difícil especificar o sentimento que os três finais trazem depois disso. Roman, parece feliz, até: sozinho em um bar, pede um martini (a bebida de Gerri) e encara a bebida com um sorrisinho aliviado de canto. Ele sabe que está no mesmo lugar onde começou aquela jornada, mas agora tudo é diferente, sem o peso de ser sempre o segundo melhor lutando pelo lugar do primeiro. O dinheiro está no bolso, o pai talvez não esteja morto ainda, mas ele já pode ir dormir. Talvez agora ele consiga descobrir quem é longe do papel que Logan lhe deu, talvez não. O que traz clareza nem sempre traz liberdade. No momento pré-votação em que Kendall rompe seus pontos e o convence a continuar a votação, Roman soube que não teria forças para sair sozinho dali e por isso a atitude de Shiv o aliviou. Roman é o garoto que precisa que lhe entreguem o controle que não está realmente conectado no videogame e que joguem por ele enquanto ele finge matar monstros e vencer corridas.


Foto: HBO

O final de Shiv (e, consequentemente, o de Tom), é mais amargo na boca. Ela nasceu perdedora e sua decisão faz sentido quando lembramos que ela sabe que nunca vai ser levada à sério tentando conquistar aquilo que os homens ao seu redor já definiram que é a sua parte. Shiv termina como Caroline, a mãe de quem guardava tantas mágoas e cujas ações também soavam, até então, como egoísmo para ela. É realmente possível julgar como egoísta uma decisão que parte de um lugar onde as opções são tão limitadas? Pensar em você é crime quando ninguém mais pensa? Shiv também volta a ser quem era no começo, quando subia os degraus do sucesso profissional no processo de colocar outro homem na presidência dos Estados Unidos, com o adicional de que agora ela se conforma. Foi essa mão de cartas que ela recebeu da vida e o mais próximo que ela vai estar do poder sempre vai ser fazendo novos reis, não pegando a coroa, e carregar o filho do novo CEO da Waystar reforça essa posição. Tom Wambsgans, que foi escolhido por ela para ser seu marido por ser uma figura inferior, fraca e que nunca teria poder sobre ela para traí-la (ou assim ela acreditava), conseguiu quebrar todas as caixas em que Shiv o colocou e ela só consegue respeitá-lo no momento em que ele assume o lugar do seu pai: um homem que não a leva a sério e que dita o que ela vai fazer da vida. Desesperada para acreditar que teve algum controle no que lhe aconteceu, Shiv atira em si mesma apenas para poder segurar a arma.


Foto: Sarah Shatz/HBO

Kendall, depois de desaparecer por alguns minutos no fim da votação, termina seguindo os passos do pai de forma tão literal que machuca: caminha no parque, sozinho e desolado, com Colin (antigo segurança e amigo de Logan) o seguindo de perto para protegê-lo, assim como Logan caminhou no dia de seu último aniversário onde a noção do que realmente tinha feito com a família o atingiu. No dia dessa caminhada, Logan confessa numa conversa com Colin (Scott Nicholson) que tem pensado sobre a morte e sobre para onde vai quando aquilo acabar. Já Kendall encara a vida que existe após a própria morte em vida, quando tudo aquilo que você cresceu se preparando ter é arrancado das suas mãos. A derrota o liberta, mas não sabemos se em algum momento Kendall vai se dar conta de que com a morte simbólica de Kendall Roy, ele pode ser quem quiser. Ele queimou muita coisa para chegar até ali e nem mesmo os filhos parecem querer falar com ele. O que ele herdou de Logan, principalmente, foram as consequências que teriam atingido o velho patriarca se ele fosse um pouco mais humano. Sentado, Kendall encara a água, um elemento que esteve presente em tantos momentos importantes para ele: quando sua primeira fuga de Logan é frustrada pela morte do garçom, quando a sua segunda fuga de Logan é frustrada e ele sobrevive à tentativa de suicídio na piscina e quando ele finalmente se ilude achando que não precisa fugir mais depois da partida física do pai e seus primeiros passos para tomar aquele império. A água, assim como a Waystar, que tantas vezes o puxou de volta para Logan, agora se torna algo apenas para contemplar, fora do seu alcance.


Foto: Sarah Shatz/HBO

É frustrante, claro que é. E precisa ser. Se algum dia "Succession" nos prometeu algo diferente, foi da mesma forma que Logan prometia o cargo de CEO aos seus filhos: sem nenhuma intenção de cumprir. Jesse Armstrong coloca todos no mesmo lugar onde começaram, até coadjuvantes ou personagens que perderam destaque na última temporada, como Frank (Peter Friedman) e Karl (David Harsche) recalculando a rota para ver se vão manter o emprego e Greg (Nicholas Braun) terminando como o mascote da Waystar, o eterno brinquedo de Tom, mas agora sem a roupa vomitada, pelo menos, e mais dinheiro no bolso. Tom é o que mais engana: parece ter vencido, mas só trocou o saco que precisa puxar para continuar numa posição respeitável (agora de um homem que deixa claro que está interessado na sua esposa e que vai continuar lhe humilhando). O final de "Succession" é coerente, mas também assustador. Ninguém gosta de ouvir que não somos capazes de escapar do nosso destino, principalmente quando esse destino é a transformação final naqueles que queríamos derrotar. Ninguém quebra o ciclo. Quando somos crianças, são as histórias sobre lobos e bruxas que nos assustam. Quando crescemos, o terror não é apenas não derrotar a bruxa, mas perceber que, quando ela morrer, somos nós que vamos ocupar o lugar dela. Apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos, e vivemos como os nossos pais.


 

*TRADUÇÃO LIVRE: "Eles f*dem com você, sua mãe e seu pai. Eles podem não querer, mas eles o fazem. Eles enchem você com os defeitos que eles tinham. E acrescentam alguns extras, só para você." Este é o verso, Phillip Larkin.

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