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Foto do escritorThallys Rodrigo

“Assassino por Acaso”: viver é uma fantasia

Atualizado: 19 de jun.

Novo filme de Richard Linklater mistura comédia, tensão e papo-cabeça


Homem branco com cabelo loiro e olhos azuis olhando para a direita com mão estendida. Ele veste uma jaqueta verde. Uma mulher de pele parda e cabelo preto liso olha na mesma direção que ele, posicionada por trás dele e com o queixo encostado no ombro dele.

Uma pessoa pode realmente mudar? O que realmente constitui o “eu” de um indivíduo? Existe um casal com mais química que Glen Powell e Adria Arjona no cinema?


“Assassino por Acaso” (“Hit Man”, 2024) - que estreia nos cinemas brasileiros neste 12 de junho - propõe essas e algumas outras questões ao espectador, plantando-as em nossa mente durante e após seus 115 minutos de duração, sem deixar de entreter. 


O novo filme de Richard Linklater, mais conhecido pela trilogia “Antes do Amanhecer” e “Escola do Rock”, é mais uma produção a demonstrar o talento do diretor, desta vez mesclando humor, romance e até mesmo um pouco de suspense. É um longa com várias faces, que tem nessa característica uma de suas maiores forças.


“Assassino por Acaso” é uma história de “fantasias”, em diversos níveis. São justamente elas que alteram a trajetória do protagonista Gary (Glen Powell), um professor universitário de psicologia e filosofia. No início do filme, ele vive confortável com uma vida tranquila e um tanto medíocre ao lado de seus gatos, cultivando um gosto fashion questionável. 


É ao começar a atuar como informante da polícia que Gary descobre uma nova aptidão: atuar em campo “interpretando” um assassino de aluguel que se encontra com pessoas interessadas em contratar esse tipo de serviço, para que os policiais possam capturá-las. O detalhe é que o protagonista usa seu conhecimento para se caracterizar de formas diferentes, de acordo com o perfil do alvo de cada uma das emboscadas. 


A proposta de Gary é personificar a imagem de assassino de aluguel que cada uma daquelas pessoas têm em mente. Dessa forma, vemos Glen Powell pular de forma hilária pelas mais diversas caracterizações, desde algumas mais simples até algumas que mais lembram o visual de Brandon Lee em “O Corvo” ou de Javier Bardem em “Onde os Fracos Não Tem Vez”. Por meio de um texto inteligente, as transformações do protagonista nunca deixam de divertir, e fica até mesmo uma expectativa em ver mais delas do que o filme nos mostra.



À esquerda, a atriz Adria Arjona, uma mulher de pele parda e cabelo liso preto olha para a direita. Ela veste vestido vermelho curto e uma jaqueta preta. Ela olha em direção a seis diferentes imagens do mesmo homem branco de cabelos loiros, o ator Glen Powell. As imagens do homem estão lado a lado, como se fossem irmãos gêmeos, vestindo roupas diferentes um do outro. Todos estão posicionados sobre um fundo amarelo.

Após diversas “identidades” e emboscadas que levam Gary a prisões bem-sucedidas, o personagem começa a encarar dilemas ao se deparar com Madison (Adria Arjona), um dos alvos da operação. Ela é vítima de um marido abusivo e busca o serviço de um assassino de aluguel justamente para se livrar dele e viver em paz.


Incapaz de entregá-la para a polícia, Gary na verdade decide livrá-la das grades e voltar a encontrá-la, só que não como Gary, e sim como “Ron”, o “personagem” de assassino de aluguel que ele assumiu em seu primeiro encontro com ela.


Ron é másculo, seguro e misterioso, e é por ele que Madison se envolve, se apaixona e começa a viver um tórrido romance, muitíssimo bem temperado pelo talento de Glen e Arjona e também pela química entre os dois. Enquanto isso, Gary… é só o Gary, e Madison nem sonha que ele existe.


A partir da dualidade entre essas duas “personas” do protagonista - o pacato e aventureiro, o ordeiro e o criminoso - o protagonista começa a traçar um caminho cada vez mais complicado no que se refere a sua identidade. Essa palavra, “identidade”, na verdade parece ser um dos eixos centrais do filme. 



No fundo, um parque arborizado, com várias pessoas andando. Em primeiro plano, à esquerda, o ator Glen Powell, com um gato na mão. Ele é branco, com cabelo loiro liso, veste uma camisa preta e óculos escuros. Ele está com um gato cinza nas mãos. Ele olha em direção à direita, onde está a atriz Adria Arjona. Ela é uma mulher com pele parda e cabelo preto liso, usando uma blusa branca de alça. Ela olha em direção ao ator, que está à esquerda dela.

Seria possível que Gary, após passar tanto tempo fingindo ser um “Ron”, goste desse novo papel? Ou até mesmo se torne como ele? E Madison, que está sendo ludibriada, poderia também estar interpretando um papel? O que ela acharia desse teatro do homem com quem se envolve? Se, como Shakespeare disse um dia, o mundo é um palco, e homens e mulheres meros artistas, então talvez o “ser” seja apenas uma questão de performance. 


E “Assassino por Acaso” é justamente sobre performance, e sobre o que as pessoas acham útil, necessário, ou simplesmente prazeroso incorporar à sua personalidade. É uma obra que explora as fronteiras da racionalidade e da emoção humana. Essas discussões são costuradas com falas do próprio Gary em suas aulas sobre conceitos psicológicos e filosóficos, um recurso eficaz para que o público entenda do filme, mas que, em determinadas vezes, é exposto de forma um tanto óbvia.


A questão das performances e das fantasias está presente de diversas outras formas no filme, incluindo de forma mais literal, nas cenas mais quentes do casal. Afinal, eles resolvem encarnar diversas personas em seus “jogos sexuais”. Isso, enquanto, cada um a seu modo, os “verdadeiros eus” por trás da fantasia dos personagens também escondem segredos. São fantasias vestindo fantasias para viver a verdade que desejam. 


Um homem e uma mulher sentados numa banheira branca. Eles são a atriz Adria Arjona e o ator Glen Powell. Ela está com as costas encostadas na lateral da banheira, com os cabelos pretos e lidos presos em um coque. Ela olha para baixo. Sentado à frente dela está o homem, branco e loiro com os olhos fechados e direcionados para cima, enquanto sorri. As bochechas dos dois estão encostadas e ambos estão nus.

A discussão psicológica também está presente em meio às diferentes motivações dos alvos da polícia em contratar um assassino de aluguel e optar pela morte de alguém. Como Gary fala em uma de suas aulas, essas discussões são tomadas em meio a disputas internas entre impulso e racionalidade. 


O roteiro explora o que há de animalesco e passional nas pessoas, em uma linha de raciocínio que torna o filme, pouco a pouco, mais tenso, à medida que os personagens principais se envolvem em uma trama perigosa. De repente, os crimes hipotéticos e não concretizados do início do filme se tornam um tanto mais… próximos da realidade, sem dar muitos spoilers. 


E, após tantas risadas, “Assassino por Acaso” se torna uma fonte de roer de unhas e tensão. A história, por fim, toma um rumo bastante inesperado, mas totalmente coerente com os temas propostos pelo filme. Em um momento em que muitos espectadores esperam pela mais absoluta virtude dos personagens de obras de ficção, talvez alguns desenvolvimentos até mesmo se tornem um tanto difíceis de engolir, para alguns. 


Mas a verdade é que, ao fazer isso, a obra abraça justamente a complexidade do “ser”, que nem sempre é ético, nem sempre é racional e nem tem ações justificáveis ou mesmo explicáveis. Acaba por se destacar ao ser um filme bem-sucedido e redondo tematicamente, além de ser um acerto como comédia e como suspense. 


É um filme que alia, de forma inteligente, temas bastante humanos com personagens interessantes e uma história envolvente, que não se torna chata ou pedante com o seu caminhar. Richard Linklater, Glen Powell e Adria Arjona se divertem ao assumir diferentes papéis em cena e também nos divertimos no processo. Afinal, cinema também é sobre se permitir ser e sentir, por algumas horas, algo a mais que nós. Essa fantasia é toda nossa. 


Veredito: 4/5



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